Sete ONGs ambientalistas abdicaram em bloco de suas cadeiras nos conselhos estaduais de Políticas Ambientais (Copam) e de Recursos Hídricos (CERH) nesta quinta-feira (17), em Minas Gerais.
Não há mais tempo para faz-de-conta nos conselhos ambientais de Minas Gerais foi o recado do grupo ao governador reeleito Romeu Zema do Novo.
A debandada ocorreu quando a comitiva do governo mineiro ainda estava no Egito, participando da COP 27, ao lado de representantes das Federações das Indústrias e da Agricultura e Pecuária (Fiemg e Faemg).
Em documento lido no plenário do Copam, as entidades declararam “total convicção da premente e urgente necessidade de um governo realmente democrático que respeite os direitos da sociedade civil, discuta e implemente políticas que possam compatibilizar atividades econômicas necessárias ao bem estar humano com a proteção dos bens materiais e imateriais da sociedade e do meio ambiente, respeitando a fauna, flora, rios e paisagens”.
Os conselhos, denunciam, que os conselhos deixaram, há bastante tempo, de ser fóruns de discussão e proposição de políticas ambientais e de recursos hídricos para o Estado, tornando-se cada vez mais apenas palco de ‘legitimação’ de decisões autocráticas por parte do Executivo.
Na ausência da gestora titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad), que integrava a comitiva mineira no Egito, a secretária-executiva, Valéria Cristina Rezende, que presidia a reunião, propôs uma outra reunião para discutir o documento, alegando surpresa com a decisão e desacordo com alguns pontos do documento. Mas, a decisão foi posta a cabo, ratificando o repúdio contra a condução do governo nos conselhos.
Diretor de Sustentabilidade da Angá, uma das entidades do grupo, o biólogo Gustavo Malacco ressalta que a saída das sete entidades esvazia esses colegiados da presença da sociedade civil comprometida incondicionalmente com a pauta socioambiental e climática.
Ao contrário do que alega o governo mineiro, não houve crescimento da participação da sociedade civil nesses espaços, de 30 cadeiras em 2018 para 45 na atual gestão.
“Os conselhos e câmaras técnicas são só oito entidades que participam do Copam e do CERH, onde se define a política pública vigorosa e os grandes licenciamentos, as grandes outorgas, as políticas públicas de recursos hídricos. As unidades regionais colegiadas, os Copam descentralizados, decidem apenas recurso de multa e supressão de vegetação de Mata Atlântica. Não há discussão de política pública, não há outro tipo de debate público”, explica o biólogo Gustavo Malacco.
Ao contrário de um suposto aumento, contrapõe Malacco, a gestão de Zema tem se esforçado para dificultar a atuação das entidades ambientalistas, criando regras discriminatórias apenas para esse setor, além de abrir cadeiras para entidades de classes e do meio empresarial, que atuam por interesses próprios, na maioria das vezes, em lado oposto ao das ONGs.
“Sociedade civil em Minas é entidade de classe, instituição de pesquisa e ONGs. Quando ele fala que aumenta a representação, ele não menciona que no meio dessas vagas tem as entidades empresariais. Ele não conta que ele enfia as entidades de classe nessa conta e muitas são muito corporativistas com o governo. O CREA [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura], por exemplo, têm 90% dos votos cassados com o governo. O certo seria ele tirar os empresários dessa disputa e deixar a sociedade civil autêntica dentro do conselho. O empresário já tem o interesse dele posto, colocado e negociado. Ou até diminuir a representação do próprio governo”.
Desmatamento acelerado
O comunicado de renúncia coletiva ressalta o elevado desmatamento registrado nos últimos seis anos no estado, o que colocou Minas Gerais no topo do ranking de desmate da Mata Atlântica e do Cerrado. “E o governo não demonstra interesse em discutir e implantar políticas públicas que sejam capazes de reverter esse quadro através de Política de Estado, prevendo ‘desmatamento zero’ envolvendo outras secretarias. Ao mesmo tempo, assume internacionalmente metas de redução de emissão de carbono e desmatamento sem consequências práticas”.
Nesse cenário, as ONGs alertam para a preocupante reincidência de pedidos de desmatamentos gigantes no Cerrado. Depois de conseguirem a desistência da BrasilAgro do empreendimento Fazenda Buriti, que já havia recebido parecer técnico favorável da Semad para o desmate de 10,3 mil hectares de Cerrado altamente preservado, dentro de um mosaico de áreas protegidas no norte do Estado, uma nova empresa, Passos Campos Comércio S/A, requer o desmatamento do dobro da área, 24 mil ha, na mesma delicada região.
O documento lista dezenas de tópicos que denunciam falhas graves cometidas deliberadamente nas decisões do Copam e CERH. Entre elas, a insistente fragmentação do licenciamento ambiental; a fragilidade no licenciamento de barragens; as outorgas de concessão de uso da água sem compromisso com a sustentabilidade do recurso; a ausência de criação de corredores ecológicos; o atraso com o Cadastro Ambiental Rural (CAR); e várias formas de tratamento discriminatório às ONGs dentro dos conselhos.
Isonomia e moralidade
“Estaremos prontos para voltar e dialogar através dos Conselhos, com o poder público e a iniciativa privada, quando o Governo exercer de fato o princípio acima enunciado, respeitando princípios constitucionais de isonomia, cidadania, moralidade, pluralismo político e impessoalidade, e sobretudo a capacidade de dialogar e compreender que a sociedade é mais diversa do que setores corporativistas”, finalizam.
As entidades signatárias do documento de denúncias contra a atuação do governo nos conselhos são; Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda); Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá); Associação Pró Pouso Alegre (Appa); Espeleogrupo Pains (EPA); Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce; Instituto Guaicuy – SOS Rio das Velhas; e Movimento Verde de Paracatu (Mover).
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