Relatório publicado nesta terça-feira (22) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com a organização Amazon Wach, mostra que grandes mineradoras internacionais, como Vale, Anglo American e Belo Sun, mantém ativos seus interesses em explorar áreas sobrepostas ou com interferência em territórios indígenas no Brasil. Em comunicado, a Vale e a AngloGold Ashanti disseram que renunciaram a todos os pedidos de autorizações para pesquisa e concessões para lavra (extração) mineral em Terras Indígenas e que o sistema da Agência Nacional de Mineração ainda não atualizou essa informação (Leia os comunicados na íntegra logo abaixo).
O documento, intitulado “Cumplicidade na Destruição”, é focado nas atividades de nove grandes mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalúrgica (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto.
Segundo o relatório, até novembro de 2021, juntas, tais empresas possuíam 225 requerimentos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) com sobreposição em 34 Terras Indígenas. A abrangência desses pedidos é de 5,7 mil km², área correspondente a quase cinco vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro.
As terras indígenas mais afetadas, de acordo com o relatório, são a TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos.
No total, a ANM possui 2,5 mil requerimentos minerários ativos, de 570 empresas, sobrepostos a 261 Terras Indígenas. A área total desses pedidos ultrapassa 100 mil km².
Financiadoras
O relatório Cumplicidade na Destruição, que está em sua quarta edição, também identificou que as empresas destacadas receberam um total de USD 54,1 bilhões em financiamentos no Brasil e no exterior.
Corporações sediadas nos Estados Unidos seriam as principais “cúmplices na destruição”, diz o documento. Juntas, as gestoras Capital Group, BlackRock e Vanguard investiram USD 14,8 milhões nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos.
Dentre as brasileiras, o fundo de pensão brasileiro Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) seria o responsável pelos mais altos investimentos nestas mineradoras, com mais de USD 7,4 bilhões, seguido pelo banco Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões, e Caixa Econômica Federal, com USD 786 milhões.
A empresa que mais recebeu investimentos e empréstimos nesse período foi a Vale, com USD 35,8 bilhões, diz o relatório. Dados obtidos com apoio da instituição holandesa Profundo Research and Advice mostram também o grande interesse do Canadá em financiar a mineração no Brasil. O Royal Bank of Canada, maior banco privado daquele país, injetou USD 512 milhões nas mineradoras, e é o principal investidor institucional do Projeto Volta Grande, de mineração de ouro, da empresa Belo Sun, considerado socialmente e ecologicamente inviável.
Desistência?
O relatório da Apib e da Amazon Wach foi lançado apenas alguns meses depois de duas gigantes da mineração, Vale e Anglo American, anunciarem que estariam desistindo de todos os requerimentos abertos na Agência Nacional de Mineração (ANM) para explorar áreas sobrepostas a terras indígenas. A desistência teria acontecido por pressão dos investidores internacionais.
O documento mostra, no entanto, que os polígonos dos projetos que foram refeitos de forma a retirar a sobreposição a TIs se mantêm nos limites das áreas indígenas. “Em alguns casos, contrariando até a portaria 60 de 2015, que estabelece como raio de interferência a distância de 10km, de forma que o impacto das mineradoras continua afetando as comunidades”, diz trecho do estudo.
Vale reafirma que desistiu de minerar em TI
Em comunicado enviado à ((o))eco após a publicação desta nota, a mineradora Vale reafirmou que desistiu de todos os requerimentos e pedidos de autorizações para pesquisa e concessão em terras indígenas, como havia anunciado em 2021, e que os dados do relatório, baseados em informações da Agência Nacional de Mineração, encontra-se desatualizados. Leia o comunicado na íntegra:
A Vale reitera que não possui direito mineral em terras indígenas no Brasil. Em 2021, a Vale renunciou a todos os seus direitos minerários em Terras Indígenas no Brasil, tendo, ainda, desistido dos pedidos de autorizações para pesquisa e concessões para lavra (extração) mineral.
A renúncia e a desistência da Vale se baseiam no entendimento de que a mineração em Terras Indígenas só pode ser realizada com o Consentimento Livre, Prévio e Esclarecido (CLPI) dos próprios indígenas e com base em legislação que regule adequadamente a atividade.
As comunicações de desistência e renúncia foram protocoladas ao longo daquele ano na Agência Nacional de Mineração (ANM, autoridade para o tema no Brasil). Eventuais atualizações a respeito nos registros da entidade, particularmente, na atualização de requerimentos ativos, seguem o rito da própria ANM. Nesse sentido, a Vale afirma que não há 75 requerimentos ativos sem a correspondente comunicação de desistência ou renúncia da companhia por autorizações de pesquisa e concessões de lavra em polígonos interferentes com terras indígenas.
A companhia esclarece, também, que mantém pedidos e títulos para pesquisa e lavra em áreas vizinhas a terras indígenas, sem qualquer interseção com áreas demarcadas no país, em plena conformidade com a legislação vigente no Brasil, mantendo relacionamento respeitoso com os povos indígenas.
A Vale reitera que são improcedentes as alegações sobre a suposta contaminação do Rio Cateté, com base em laudos periciais elaborados por peritos judiciais de diversas áreas científicas, que comprovam não haver causalidade entre a operação de mineração de Onça Puma e a suposta contaminação.
A Vale tem a ambição de ser uma empresa parceira no desenvolvimento de comunidades resilientes, engajada em temas relevantes para a humanidade e comprometida com a mineração sustentável. Para isso, estabeleceu três compromissos sociais em sua agenda 2030, que incluem contribuir com todas as comunidades indígenas vizinhas às nossas operações na elaboração e execução de seus planos em busca de direitos previstos na UNDRIP – Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Por fim, a Vale reforça ainda que permanece à disposição para esclarecer quaisquer pontos sobre os temas com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Amazon Watch.
Esclarecimento da AngloGold Ashanti sobre mineração em Terras Indígenas
A AngloGold Ashanti entrou em contato com ((o))eco nesta quinta-feira (24) para esclarecer que não tem interesse em operar em terras Indígenas. Segundo a mineradora, especializada em extração de ouro, os investimentos da empresa no Brasil estão concentrados em Minas e Goiás. Leia o comunicado na íntegra:
A AngloGold Ashanti informa que não opera e não tem interesse em operar em Terras Indígenas (TIs). Na década de 1990, a produtora de ouro solicitou requerimentos de pesquisa mineral em diversas regiões no país. Três dessas áreas posteriormente foram demarcadas como Terras Indígenas (TIs), o que levou a companhia a desistir das mesmas.
A decisão foi protocolada junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) no final da década de 1990. No entanto, como não houve atualização do processo no sistema da ANM, a AngloGold Ashanti ratificou a retirada do requerimento de pesquisa em 21 de junho de 2021.
Atualmente, os investimentos da empresa no Brasil estão concentrados basicamente na expansão de suas minas localizadas em Minas Gerais e Goiás.
Avanço da mineração
O relatório também chama a atenção para o avanço dos interesses das grandes mineradoras nas Terras Indígenas da Amazônia nos últimos anos. O desmatamento ligado à mineração no bioma aumentou 62% em 2021, quando comparado a 2018, ano da eleição que levou Jair Bolsonaro à Presidência.
“A abertura das Terras Indígenas para a mineração industrial e para o garimpo é um dos projetos centrais do governo de Jair Bolsonaro”, diz o relatório. Entre os instrumentos para abrir a exploração mineral em tais áreas é o Projeto de Lei 191/2020. Segundo pesquisadores, a aprovação deste PL pode causar a perda de 160 km² de floresta na Amazônia.
“Mais do que nunca, precisamos comprometer, além do governo brasileiro, as empresas do setor, seus investidores e a comunidade internacional para impedir o aprofundamento da destruição da Amazônia e dos ataques aos direitos dos povos indígenas”, diz Ana Paula Vargas, diretora de Programas para o Brasil da Amazon Watch.
*Editado às 12h30. do dia 23/02/2022, para incluir o comunicado da mineradora Vale.
*Editado às 22h00. do dia 24/02/2022, para incluir o comunicado da mineradora AngloGold Ashanti.
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