Como se já não bastasse a presença do garimpo no território Yanomami, o mercúrio proveniente do crime já é uma realidade na saúde desse povo indígena. Foi o que mostrou o estudo liderado pela Fiocruz, que identificou a presença do metal tóxico em amostras de cabelo de indígenas de nove comunidades localizadas em Roraima. Dos 287 indivíduos analisados, todos apresentaram níveis de mercúrio nas amostras capilares, incluindo crianças e idosos. Além disso, 47 amostras de pescados também foram analisadas e todas apresentaram o metal tóxico.
A TI Yanomami é a mais impactada pelo garimpo na Amazônia, de acordo com o levantamento realizado pelo Greenpeace em março deste ano. Até dezembro de 2023, o território indígena tinha 3.892 hectares de áreas abertas para a atividade.
As coletas foram realizadas em dezembro de 2022 na região do Alto Rio Mucajaí, local que é alvo do garimpo ilegal há décadas. Por meio da pesquisa foi possível comprovar que o garimpo não só provoca destruição ambiental e violência nas comunidades indígenas, como também prejudica a saúde dos povos locais.
84% das 287 amostras de cabelo examinadas apresentaram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Já 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, um índice considerado alto. Segundo a pesquisa, indígenas com níveis mais elevados de mercúrio apresentam déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis. Além do mercúrio, exames clínicos também foram realizados para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão.
“Como resultado, ampliou-se o entendimento sobre os efeitos negativos (diretos e indiretos) provocados pela presença de garimpos ilegais de ouro e o consequente uso do mercúrio à saúde da população local. Infelizmente, nossos achados não deixam dúvidas que o garimpo ilegal de ouro na região do Alto Rio Mucajaí tem afetado a população local, uma vez que foram detectados níveis de mercúrio em todas as amostras de cabelo analisadas, incluindo adultos, idosos, homens, mulheres e crianças, sem exceção”, apresentou o estudo.
O médico pesquisador na Escola Nacional de Saúde Pública da da Fiocruz no Rio de Janeiro, Pedro Paulo Basta, explicou que não houve diferença nos níveis de mercúrio entre homens e mulheres ou adultos e crianças. As diferenças notáveis se deram em relação ao local de residência da população: os níveis mais altos do metal foram identificados nas pessoas que moravam em aldeias mais próximas a atividades de garimpo ilegal no território.
Além disso, a pesquisa também mostrou que todas as 47 amostras de pescados analisadas revelaram índices de contaminação com mercúrio. As maiores concentrações foram detectadas em peixes carnívoros, o que comprova o fenômeno de bioacumulação do metal. Embora as coletas de água não tenham apresentado o mercúrio, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis do metal considerados elevados, de acordo com Basta, que também coordenou o estudo.
“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, disse o pesquisador.
A pesquisa foi realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e apoio do Instituto Socioambiental (ISA).
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, manifestou seu repúdio contra o garimpo ilegal e os efeitos nocivos do mercúrio nos povos indígenas, a partir de um vídeo publicado em suas redes sociais. “Por isso volto a dizer, o garimpo ilegal é um risco para a vida dos povos indígenas, uma ameaça a nossa biodiversidade. Seguiremos trabalhando para combater essa atividade criminosa, que gera destruição e morte, e também ampliando os esforços de atendimentos à saúde para reabilitação dos povos indígenas afetados pelo garimpo”, disse.
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