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Os últimos a saber

Na pequena Corupá (SC), cresce a oposição à hidrelétrica que quer as águas de sua cachoeira. Em sessão na Câmara dos Vereadores, moradores disseram-se traídos.

Fabrício Escandiuzzi ·
13 de março de 2005 · 20 anos atrás

Há dois sentimentos bastante aflorados entre os moradores de Corupá, 217 quilômetros ao norte de Florianópolis: o orgulho e a ira. A pequena cidade catarinense virou o centro de atenções da região devido à notícia divulgada pelo O Eco em dezembro de que um dos símbolos locais, a cachoeira da Bruaca, teria seu potencial reduzido para abastecer uma pequena central hidrelétrica (PCH).

A maior parte da população, inclusive o prefeito e a Câmara de Vereadores, não sabia do andamento do projeto, que foi liberado pela FATMA, órgão estadual de fiscalização ambiental, sem a devida anuência do Ibama. A questão está paralisada por enquanto, mas o susto fez a população se mobilizar para, pelo menos, saber de fato o que pode acontecer com um dos símbolos da cidade.

No sábado, 12 de março, na Câmara de Vereadores, ocorreu o primeiro debate público sobre o tema. Cerca de 70 pessoas estavam no pequeno plenário para ouvir e perguntar a ambientalistas o que poderia acontecer caso a PCH fosse construída. A presidente da Casa, vereadora Bernadete Hillbrecht é também uma das organizadoras do movimento SOS Cachoeira da Bruaca, diz que ninguém sabe ao certo o que está acontecendo. “Ficamos sabendo de tudo somente em dezembro e até agora não temos ciência do projeto e seus detalhes”, afirmou. “Hoje a população já está se manifestando contrária a essa questão”.

A intenção do movimento foi trazer profissionais que pudessem explicar o que poderia ocorrer à Bruaca caso a PCH seja construída, da maneira mais clara possível, evitando aquelas explicações maçantes comuns em audiências públicas, recheadas de números de possíveis empregos a serem gerados e dos milhões de quilowatts – e reais – que a bela Bruaca poderia fornecer. A população de Corupá parece não estar muito interessada nisso, pelo menos por enquanto. Os moradores se sentem o verdadeiro “marido traído”, últimos a saber.

Sobram reclamações à maneira como a Corupá Energia Ltda. e a FATMA agiram durante o processo. Ninguém se conforma com o fato de uma PCH quase ter sido construída na calada da noite, sem que a população fosse devidamente esclarecida sobre isso. “Só tomamos conhecimento disso agora, um absurdo”, lamenta Loriano Rogério Costa, vereador conhecido como Kutcher. Ele fala com muito orgulho – e incessantemente – sobre a beleza da cachoeira da Bruaca e as maravilhas da cidade. Sente-se traído e já tem posição definida. “Vamos criar uma área de preservação ali, vamos tombar aquela mata. Não vemos benefício algum na criação de uma usina na Bruaca”.

O movimento atraiu até moradores da cidade vizinha, Jaraguá do Sul. Jovens que trabalham com turismo ecológico foram participar da reunião e prometem fazer barulho para defender a área. “Sabemos da importância daquele espaço, não podemos deixar que nada aconteça. É uma região linda”, disse a guia turística Verônica Paciello.

O prefeito Conrado Urbano Muller está entre a cruz e a espada. Se por um lado a população lhe cobra um posicionamento, por outro as dificuldades financeiras do município gritam muito alto. Ele deu o que chamou de “posicionamento pessoal”. Defendeu a cachoeira, criticou o fato de o poder público local não ter sido informado ou explicado sobre o projeto. Mas diante da realidade de aperto financeiro, fez um desabafo que serve de alerta: “O turismo ecológico não traz recursos imediatos para Corupá como a geração de energia poderia trazer”, afirmou. Urbano destacou que ainda precisa conhecer o projeto. “Não posso falar sobre o que não conheço. Mas é necessário o crivo municipal para a construção dessa usina”.

O engenheiro agrônomo Nelson Luiz Wendel, do setor de Gerência de Projetos do Ministério de Meio Ambiente, disse durante a reunião que o município é quem tem a maior força para impedir a construção da PCH. “Basta não querer”.

Se a situação financeira de Corupá não é das melhores, o governo federal pode mostrar que tem sobras suficientes para jogar dinheiro cachoeira abaixo. O que chamou muito a atenção foram os apontamentos técnicos sobre a viabilidade da obra e sua vida útil. “Um dos pesadelos dos construtores de barragens é o assoreamento”, disse Nelson Wendel, explicando que a região da Bruaca mantém características que podem causar rápido assoreamento na barragem, comprometendo a PCH e, claro, o que restar de cachoeira. “Resumindo, esse empreendimento pode alterar todo o sistema e equilíbrio da região para uma vida útil de, no máximo, cinco anos”.

Nos próximos dias, a história vai render novos capítulos. Enquanto, por um lado, o movimento SOS Cachoeira da Bruaca colhe assinaturas dos eleitores locais para a elaboração de um projeto de iniciativa popular na Câmara impedindo a PCH, existe uma movimentação pró-hidrelétrica. Segundo os próprios moradores, o ex-prefeito municipal Luiz Carlos Taminani estaria liderando o contra-ataque e colhendo assinaturas a favor da usina. O responsável pela Corupá Energia Ltda., Ney Emílio Clivati, deve comparecer a uma nova sessão da Câmara de Vereadores esta semana, para explicar o projeto ao Legislativo. O movimento SOS Cachoeira da Bruaca promete estar presente em peso.

Enquanto isso, a reação dos moradores de Corupá faz crescer o ufanismo em relação ao seu maior cartão postal. “A cachoeira da Bruaca é lutadora, Ela vai ganhar”, garantem.

Fabrício Escandiuzzi é jornalista e bacharel em direito. Colabora com as revistas Época e Criativa.

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