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Duelo em Foz

Evento em Foz do Iguaçu (PR) colocou na mesma mesa ambientalistas, fazendeiros, empresas e trabalhadores para discutir se a soja pode ser “sustentável”.

Carolina Elia ·
20 de março de 2005 · 19 anos atrás

Dizem que os opostos se atraem, mas fora da física o mais provável é que eles se engalfinhem. Numa jogada arriscada, a ong ambientalista WWF juntou-se ao Grupo André Maggi (maior produtor de soja no Brasil), à Unilever (gigante anglo-holandesa de alimentos), à Federação de Trabalhadores da Família Agrícola da Região Sul (Fetraf-Sul/ CUT), à rede européia de supermercados Coop e à ong holandesa Cordaid para convidar todos os interessados no cultivo da soja para debater a sustentabilidade do produto. Quem tivesse coragem deveria estar em Foz de Iguaçu (PR), dia 17 de março, no centro de convenção do Hotel Bourbon.

Apareceram cerca de 250 pessoas representando diferentes setores de dez países. A maioria do Brasil, Paraguai e Argentina.

“Um sucesso”, concluiu Rosa Lemos, do WWF, no encerramento do evento de dois dias. Para os organizadores, conseguir juntar grandes e pequenos produtores, provedores de insumo, processadores, industrias, organizações ambientais, representantes governamentais e comunidade científica num mesmo lugar foi uma vitória. Ainda que China e Estados Unidos, respectivamente o maior importador e o maior produtor de soja do mundo, não tenham participado. Nem o governo brasileiro tenha enviado representantes.

O ministro da Reforma Agrária, Miguel Rossetto, desmarcou na véspera; o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, mandou um vídeo dizendo ver o encontro com “boa vontade”; e o Ministério do Meio Ambiente não foi convidado porque a organização priorizou a participação dos pró-agricultura na Esplanada.

Como previsto, o diálogo não fluiu com facilidade entre os presentes. O primeiro ponto de divergência foi a palavra-chave da conferência: soja sustentável. Para alguns o certo seria “soja responsável”, um termo mais objetivo. Afinal, o que é soja sustentável? Nem os organizadores, que batizaram o encontro de Conferência sobre Soja Sustentável, conseguiram dar uma definição única e sucinta. Para Antonio Mantoan, da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação e representante da Unilever/Brasil, seria uma produção que provocasse o menor impacto ambiental. Mas o inglês John Landers, que há 40 anos trabalha com técnicas de plantio no Brasil e concorda ser impossível retirar todos os riscos de uma atividade como a soja, questiona qual seria o nível de impacto ambiental tolerável. No caso do Paraguai, o plantio do grão provocou o desmatamento de praticamente toda a área florestada do país e agora ameaça os recursos hídricos. O dado foi apresentado pelo próprio ministro de Meio Ambiente do Paraguai, Silvio Maldonado, presente ao evento.

O cuidado com as palavras serviu como um termômetro do receio dos participantes de assumirem compromissos em relação à soja. O documento final do encontro reconhece que a cadeia produtiva da soja gera problemas sociais, econômicos, ambientais e institucionais, mas diz também que ela gera benefícios. Um segundo ponto, que originalmente falava apenas da necessidade de enfrentar os problemas, acabou enfatizando também que é preciso desenvolver e fortalecer uma cadeia de soja sustentável.

Uma das críticas feitas ao encontro foi a posição de observador adotada pelas grandes empresas. O grupo Maggi, que produz anualmente 400 mil toneladas de soja, enviou uma delegação de quase dez pessoas, mas não fez sequer uma proposta. Representantes de companhias como Nestlé e Bunge tiveram a mesma postura. “É cedo para se comprometer”, argumentou um membro da equipe da Unilever.

Rosa Lemos reconhece que é preciso criar mais confiança entre os participantes. O objetivo deste primeiro encontro seria evidenciar a boa vontade de todos os interessados em dialogar e evitar atritos para que as negociações possam evoluir no longo prazo. O governo da Suíça comprometeu-se em financiar a discussão por dois anos.

Mas, mesmo para um primeiro encontro, era possível avançar mais. Foram formados grupos de discussão sobre quatro temas: meio ambiente, economia, social e legislação. Ao contrário do que se poderia esperar, prevaleceu o bom senso. No grupo de meio ambiente a questão da soja transgênica foi citada, mas logo deixada de lado porque o foco do encontro eram as sementes convencionais. Houve um consenso de que a prioridade é conter a expansão do plantio sobre valiosos recursos naturais, como a floresta amazônica brasileira.

Cada grupo resumiu seus debates e apontou critérios e princípios para uma soja sustentável, mas este material não foi incluído no documento final da conferência. Ficou apenas a promessa de que as questões levantadas serão levadas em consideração em trabalhos futuros. A decisão provocou protestos.

O encontro também terminou sem definir prioridades nem qual será o próximo passo. O comitê organizador anunciou que pretende em 30 dias elaborar um documento com algumas propostas. É provável que em futuros encontros os temas da soja transgênica e da monocultura ganhem destaque. Por enquanto, o que se tem é uma porta aberta para o diálogo. Ainda que cada lado fale uma língua: o que para os ambientalistas é agrotóxico, para os produtores é defensor agrícola. Alguns gastam dinheiro, outros investem. Tem quem explore e tem quem use os recursos naturais. Pelo menos soja é soja. Nisso eles estão de acordo.

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