Reportagens

Agricultura de rédea curta

No Paraná, plantadores de soja enfrentam um cenário diferente do resto do país. Têm que se adequar a normas ambientais impostas pelos setores privado e público.

Carolina Elia ·
24 de março de 2005 · 19 anos atrás

Primeiro as matas, depois as águas. Esta é a ordem natural da devastação ambiental provocada pela agricultura cultivada em larga escala. A multiplicação dos campos de soja no Cerrado e na Amazônia está na fase do desmatamento. No Paraguai, os bosques se foram e as nascentes começaram a secar. Mas no Paraná, que tem um respeitável passado agrícola, tudo isso já aconteceu e deixou um cenário diferente. Pelo menos na Bacia Paraná III.

A bacia é a maior do estado e é irrigada por mais de 1500 nascentes. Cobre uma área de 8 mil km2, composta por 29 municípios e retalhada por 70 mil propriedades rurais. Destas, 80% estão envolvidas com agricultura e a grande maioria cultiva soja.

Mas a Bacia Paraná III também abriga o reservatório da hidrelétrica de Itaipu, onde chegam todos os sedimentos, dejetos e químicos despejados pelas atividades agrícolas nos rios da região. Calcula-se que o lago artificial da usina receba cerca de 9 milhões de toneladas de sedimentos por ano. Fora os dejetos orgânicos, principalmente da suinocultura, que contribuem para a proliferação de algas que vão parar nas turbinas. Em 24 anos, esses fatores não comprometeram a capacidade da usina de gerar energia. Mas no longo prazo, comprometerão.

Por prevenção, a Itaipu binacional parou de se preocupar apenas com os 16 municípios mais próximos do reservatório e expandiu sua rede de ação para toda a bacia . Em 2002, fechou uma parceria com instituições federais, estaduais, municipais e a sociedade para melhorar as condições sócio-ambientais da região. O projeto ganhou o nome de Cultivando Água Boa.

“Sentimos a questão da água há 30 anos”, conta Jéferson Luiz Lira , chefe regional do Instituto Ambiental do Paraná de Foz Iguaçu. “ Há 20 estamos num processo de recuperação ambiental”. Técnico em agropecuária, ele entrou no instituto na década de 80 para trabalhar na recuperação das matas ciliares que protegem as margens dos rios. (aérea)

A vegetação ao redor do reservatório está bem preservada. A “faixa de proteção” tem uma largura média de 200 metros e ao todo representam 108 mil hectares de área verde. Mas o mesmo não acontece com as matas ciliares dos afluentes e das nascentes.

Contratados pela Itaipu, professores e alunos do curso de Tecnologia em Gerenciamento Ambiental do CEFET de Medianeira fizeram um levantamento de 150 propriedades rurais na microbacia do rio Xaxim, onde quase 100% dos agricultores plantam soja. “Ao organizar os dados, constatamos que menos de 1% deles preservaram as matas ciliares de forma adequada”, conta Paulo Tonin, responsável pela confecção dos mapas de cada propriedade visitada.

As fazendas foram visitadas por grupos compostos por 3 alunos e um professor que diagnosticaram os principais problemas ambientais do terreno: condição das matas ciliares, preservação de nascentes, reserva legal, erosão do solo, uso de agrotóxico e manejo adequado da suinocultura. “Alguns agricultores plantaram em cima das nascentes”, relata Tatiana Cristina dal Bosco, de 20 anos e bolsista do programa.

As informações foram entregues ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para a verificação dos dados e da legalidade de cada propriedade. Tem casas, por exemplo, que foram construídas na margem dos rio, em áreas protegidas por lei. Uma vez obtido o aval do IAP, o CEFET produzirá Projetos de Controle Ambiental (PCA) para cada propriedade que indicarão o que precisa ser feito para recuperar os recursos naturais do terreno. Como a execução do projeto custa caro, Itaipu irá financiá-los.

Uma das metas é restaurar as reservas legais até 2018. “ Se os agricultores tivessem preservado 20% de suas terras com mata, a seca deste ano não teria sido tão drástica”, diz Jéferson Luiz Lira. No ano passado, o governo do estado revisou a portaria sobre matas ciliares e reservas legais. As reservas agora têm que ser preservadas perto dos corredores de biodiversidade para engrossar as tênues linhas verdes que cruzam a região. O agricultor familiar que não tem outra renda e possui uma propriedade de até 30 hectares , pode contar a mata ciliar como área de reserva legal, mas o total de área verde tem que equivaler a 25% do terreno.

Os agricultores reclamam da legislação mais rígida, mas quem acompanha o processo garante que o verde representa mais lucro do que prejuízo. “ Nesta seca, quem plantou perto do reservatório se beneficiou da proximidade com a mata e teve mais chuva, colheu melhor”, explica Marcos Antonio Baumgartner, gestor do projeto de culturas alternativas do Cultivando Água Boa. Também obteve vantagem quem preservou o solo e não investiu na monocultura.

O agricultor Elidio Variani, descendente de italianos que há 20 anos ganha dinheiro com 24 hectares de terras no município de Medianeira, é um deles. Seu principal investimento é a soja, mas ele cultiva, ao mesmo tempo, outros produtos, como o milho. No inverno, planta uma cobertura verde que pode ser aveia ou outra planta com o objetivo de preservar o solo. Quando chega a época do plantio, transforma a safra de inverno em palha e com ela cobre a terra. A técnica é conhecida como palhada e faz parte do sistema de plantio direto.

O tapete de hastes secas protege a terra do sol, a mantém úmida e impede a infiltração da água em períodos de chuva. Assim, evita a erosão e a perda dos nutrientes, que se concentram nos primeiros 20 cm do solo. Junto com o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), Itaipu tem incentivado o uso de plantio direto nas produções agrícolas da bacia Paraná III para reduzir o assoreamento dos rios. A propriedade de Variani foi escolhida como uma Unidade de Teste de Validação da técnica.

Por utilizar a palhada e manter uma rotatividade de grãos, Variani usa menos agrotóxicos que os vizinhos e afirma que sua safra de soja melhor do que os demais. “A seca reduziu o tamanho e o peso das sementes, mas tive uma produção boa comparada aos outros”, diz. O agricultor acompanha de perto tudo que acontece em suas terras. Por interesse próprio, mede a umidade do ar e faz tabelas sobre a freqüência das chuvas e o desempenho das safras. Em casa, mantém cuidadosamente guardadas dentro de uma caixa as sementes que planta no inverno. Por outro lado, ele só tem 10% de reserva legal , mas preservou a mata ciliar da nascente do Rio Alegre, que abastece a cidade.

A poucos quilômetros dali há um outro agricultor que se aventurou nas técnicas incentivadas pelo Cultivando Água Boa. Em 2000, Ademir Vicente Ferronato descobriu que estava com alto índice de agrotóxico no sangue. “ Me contaminei pulverizando plantações de terceiros usando tratores com ar condicionado. O ar puxado para dentro da cabine estava envenenado”, relata. “ Tive duas opções: vender a terra e ir para a cidade, mas ia trabalhar lá com o quê sem escolaridade, ou produzir orgânicos.” Ficou com a segunda alternativa, fez um curso oferecido pelo IAPAR e ainda adotou o plantio direto.

Mas a conversão não está sendo fácil. “To apanhando há três anos”, confessa. A terra ainda não está estruturada, o que provoca uma redução natural da produtividade. “O retorno bom ainda não veio, em três anos é que vai ficar legal”.

Ademir também sente na pele o que é plantar soja orgânica em meio a plantadores convencionais. A primeira dificuldade é encontrar sementes. Só existem dois tipos: a codotec 216 e a Embrapa 36. As duas são desenvolvidas para o cerrado e não têm uma boa adaptação no sul. A da Embrapa ainda tem um período de plantio mais longo que as sojas tradicionais e a planta acaba sendo atacada por insetos que são expulsos das terras vizinhas na época da colheita. Ademir também teve que fazer cercas vivas ao redor das plantações para evitar a contaminação por agrotóxicos usados pelos outros agricultores. Mas o sacrifício vale a pena. Quem coloca as mãos em seu produto, reconhece a diferença. “ O melhor exemplo é o diarista que trabalhou com a gente. Tocou na terra e ficou admirado de como ela é macia”, conta Ademir. Os herbicidas petrificam o solo. 

A meta do Cultivando Água Boa é fazer com que pelo menos 10% dos 29 mil agricultores familiares da Bacia Paraná III cultivem orgânicos até 2008. Por enquanto, existem 340 inscritos no programa.

Um outro projeto que caminha junto com o de agricultura orgânica é o de culturas alternativas. A idéia é incentivar os agricultores a pararem de se dedicarem só a soja e investirem em outros produtos. Um deles é o abacaxi havaiano. A terra da região é propícia para produzir um fruto mais amarelo e doce do que os cultivados no sudoeste do país. “ A cor é diferente e o gosto excepcional”, descreve o gestor do programa. Outra fruta bem-vinda na bacia do Paraná III é a banana , que tem 16 variedades de tamanho e sabor.

Uma outra idéia, ainda embrionária, mas que pode dar certo é a introdução de seringueiras na região beira lago. Se a árvore não enfrentar uma geada no primeiro ano, ela se adapta ao clima e a produção de látex pode começar em 3 anos e meio. A reserva também alimentaria o mercado de móveis da região, que se encontra em ascensão. Quatro proprietários de terra já toparam o desafio.

O programa Cultivando Água Boa borrifou soluções para conter os estragos causados pelas plantações aos rios da Bacia Paraná III. Algumas bem práticas, como a construção de abastecedouros comunitários para evitar que os agricultores fossem diretamente nos córregos abastecer os equipamentos para pulverização e contaminasse a água com químicos. Também foi criado um programa para recolher as embalagens dos agrotóxicos.

A soja pode até se alastrar pelo oeste do Paraná, mas vai encontrar uma barreira criada pelos setores privado, público e a sociedade civil contra os danos ambientais que o seu plantio, como tantos outros cultivados em escala industrial e sem cuidados, pode provocar. “ A hidrelétrica de Itaipu pode continuar rigorosamente a gerar energia sem se preocupar com o que vem para o seu reservatório,” diz Nelton Friedrich, diretor de coordenação da Itaipu Binacional, “mas o nosso objetivo é gerar energia de qualidade e com responsabilidade sócio-ambiental.” Pelo visto, o agribusiness da soja esbarrou com alguém do seu tamanho.

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