Reportagens

Nas mãos de São Pedro

O vazamento de óleo perto da APA de Guapimirim não está controlado. Pancadas de chuva podem levar mais combustível para dentro da unidade de conservação.

Carolina Elia ·
27 de abril de 2005 · 19 anos atrás

A Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, a única às margens da Baía de Guanabara, não conseguiu escapar do vazamento de cem mil litros de óleo diesel numa ferrovia a poucos metros de seus limites. A carga estava sendo transportada na madrugada de terça-feira quando alguns vagões descarrilaram e sete tombaram. O combustível foi parar dentro do rio Aldeia e em seguida no rio Caceribu, que corta a APA e desemboca na Baía.

Com a ajuda da chuva, parte do óleo ultrapassou as barreiras de contenção e percorreu com sucesso o caminho até o mar na quarta-feira. No fim do dia, a mancha já se aproximava das praias do município de Magé.

Segundo o biólogo Carlos Eduardo Strauch, coordenador da equipe de emergência enviada ao local pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), grande parte do diesel infiltrou no solo e ficou retida na área do acidente. Ele diz que ainda não se sabe a quantidade que vazou para o rio Caceribu, mas que ela foi pequena e de uma espessura muito fina, apresentando por isso pequeno risco de degradação à fauna e à flora da APA. O diretor da reserva em Guapimirim, Breno Herrera, discorda. Segundo ele, a mancha atingiu 12km de extensão dentro da unidade de conservação, quantidade suficiente para provocar graves impactos ambientais.

Quarenta horas depois do acidente, ainda não tinha sido registrada nenhuma mortandade de peixes ou de outros animais dentro da APA. A maior preocupação dos técnicos da reserva é evitar que o óleo se espalhe pelos rios adjacentes ao Caceribu e se infiltre na última área de manguezais bem preservados da Baía de Guanabara. Pelos cálculos da Feema, até as 4 horas da tarde de quarta-feira, foram removidos do local cerca de 150 mil litros de resíduo líquido (mistura de óleo com água), mas a situação ainda não podia ser considerada controlada por causa das chuvas. Foram montadas barreiras de contenção em seis pontos do rio Caceribu, mas com um novo temporal o nível do rio pode subir e o óleo transbordar.

O rio Caceribu é um dos mais limpos da região. Tem poucas indústrias em seu entorno, densidade populacional baixa e é utilizado como fonte de captação de água pela companhia estadual de saneamento, a Cedae. O acidente não provocou problemas de abastecimento porque aconteceu alguns metros depois do trecho do rio utilizado pela companhia, mas causou outros problemas para a população. O óleo contaminou terrenos próximos aos trilhos do trem. O cheiro forte provoca náuseas e quatro pessoas deram entrada no hospital municipal de Itaboraí com ânsias de vômito. Entre elas, uma criança de 6 anos e outra de 13.

Mas a pior conseqüência do vazamento para a população pode ser a contaminação dos manguezais. Muitos moradores são catadores de caranguejo, animais que vêm diminuindo em tamanho e quantidade por ali, relata o geólogo Elmo da Silva Amador, especialista em Baía de Guanabara e antigo conhecedor da região. “Os caranguejos são muito vulneráveis”, afirma. Breno Herrera compartilha da preocupação. “O óleo diesel não cobre os animais como acontece nos vazamentos de petróleo, mas é químico, intoxica. E os caranguejos sempre têm que manter as brânquias úmidas”.

Tanto a Feema quanto o Ibama caracterizaram o acidente como um desastre ecológico. A Feema calculou que no total vazaram 100 mil litros de óleo diesel, mas a Ferrovia Centro-Atlântica, responsável pelo transporte da carga, afirma que foram 70 mil. O estado multou a empresa em 5 milhões de reais, mas ela ainda está sujeita a outras punições.

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