Uma vila de casas auto-sustentável. Construída a partir dos recursos naturais do meio, aproveita a chuva, os rios, o sol, as árvores, a terra. Plena harmonia com a natureza. Não, não é um conto de fadas e gnomos. A bio-arquitetura já é uma realidade no Brasil. Sem problemas de saneamento, desperdício de água ou energia e com custo muito inferior às construções comuns, as chamadas Ecovilas são ao mesmo tempo uma solução habitacional e ecológica.
O livro Manual do Arquiteto Descalço, do holandês radicado no Brasil Johan Van Lengen, explica algumas das técnicas utilizadas. As ilustrações, aliadas a uma didática clara e acessível, fazem parecer fácil levantar uma casa do gênero. Destinado a construtores, arquitetos, autoridades de pequenos municípios, proprietários rurais, técnicos de zonas urbanas precárias e qualquer pessoa que queira orientar um mestre de obras, o livro destrincha passo a passo a construção de uma casa ecologicamente correta.
A flexibilidade da bio-arquitetura reside na adaptação das técnicas de construção ao meio ambiente. Para cada ecossistema existem diferentes necessidades, diferentes problemas e soluções. Em regiões de muita seca, por exemplo, o aproveitamento da água da chuva é essencial. O livro de Lengen ensina um procedimento simples: calhas de bambu levam a água do telhado até um pequeno tanque de areia e brita que serve como filtro, para depois ser armazenada em uma cisterna. Passando por um filtro comum, pode inclusive tornar-se potável.
Em regiões sem saneamento básico, os Sanitários Compostáveis Secos dispensam tubulação de esgoto. Os dejetos, misturados a componentes orgânicos como a serragem, são ótimos adubos para a horta caseira. Um esquema bem montado é capaz de fazer desde o acúmulo da matéria orgânica até a adubagem sem necessidade de manuseio, tudo por baixo da terra.
No Nordeste, onde falta dinheiro e sobra calor, as paredes podem ser levantadas a partir do Superadobe. Apesar do nome sofisticado, o material nada mais é do que terra crua compactada em sacos de prolipropileno. Outra opção são os tijolos de solo-cimento, como o nome diz, uma mistura de barro com cimento. Dispensam o uso de argamassa, ao encaixar-se um no outro. A ventilação natural é garantida por pequenas saliências no telhado. Viradas na direção correta, elas recebem e distribuem o ar fresco pelos cômodos. Com disposição e vontade de fazer diferente, os telhados cobertos com grama funcionam como excelentes isolantes térmicos, tanto para o frio quanto para o calor.
O impacto ambiental destas tecnologias é quase nulo, e seus custos muito baixos. Elas dispensam a necessidade de produtos pré-fabricados, logo promovem a independência dos pequenos construtores em relação às indústrias.
O Instituto Virtual de Mudanças Globais (IVIG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está construindo uma casa de 45 m2 cujo orçamento não pode ultrapassar 10 mil reais. A projeto partiu das alunas Carol Rezende e Andressa Martinez, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e inclui o uso tijolos de solo-cimento, esquadrias de bambu e telhado de fibra de côco. A descrição parece a de uma oca indígena, mas a casa não deixa nada a desejar a uma construção comum. “Apesar de ainda não ter um design de qualidade, é para onde a arquitetura do futuro irá caminhar. Está tudo tão degradado, por que não aproveitar os materiais que estão na nossa frente todos os dias?”, questiona Carol.
Aos poucos, a imagem da bio-arquitetura vai deixando de ser associada apenas ao radicalismo ambientalista ou a pessoas sem dinheiro para uma casa padrão. Usar elementos naturais agora é fashion. Materiais como o bambu fazem parte da decoração de restaurantes, hotéis e casas de veraneio. Gilmar Peres, arquiteto de interiores, montou todo um andar do Hotel Portinari Copacabana com materiais naturais e renováveis: “A consciência ecológica tem patrocinado uma nova tendência estética, contemporânea, na qual os materiais antes considerados rústicos são referencias de charme e glamour. A evolução desses recursos já permite fazer ambientes extremamente sofisticados”, garante Peres.
A Escola de Bio-Arquitetura e Centro de Pesquisa de Tecnologia Experimental em Bambu (Ebiobambu) tem em seu currículo um sushi-bar em Maresias, São Paulo, e um espaço de descanso na Ilha de Caras, em Angra dos Reis, estado do Rio. A Ebiobambu promove cursos regulares em Visconde de Mauá (RJ) e conseguiu fazer do bambu um empreendimento de sucesso. As próprias instalações da escola (foto) foram construídas durante as aulas de capacitação de mão-de-obra, que em três anos já formaram pelo menos 250 pessoas. “A procura está cada vez maior. São estudantes de engenharia e arquitetura, designers, donas-de-casa, aposentados, paisagistas”, lista Celina Llerena, diretora da escola.
* Bruno Prada é jornalista recém-formado.
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