A Amazônia perdeu 26.130 km2 de floresta entre 2003 e 2004, segundo estimativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número ficou entalado na garganta do governo a ponto de serem canceladas duas coletivas para anunciar a taxa de desmatamento. Na terceira tentativa, eles conseguiram. Sentados lado a lado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e os ministros Ciro Gomes, da Integração Nacional, e Eduardo Campos, de Ciência e Tecnologia, anunciaram a segunda taxa mais alta de desmate já registrada na Amazônia.
O recorde de derrubadas aconteceu em 1995, quando a floresta perdeu pouco mais de 29 mil km2 em 365 dias. Quase uma Bélgica. Depois o índice caiu e chegou ao patamar de 13 mil km2 em 1997, mas não se sustentou assim. No ano seguinte, voltou a subir e de moto-serra em moto-serra atingiu o que o governo Lula não queria: a casa dos 26 mil.
O cálculo é feito em cima de imagens de satélite analisadas pelo Inpe. Este ano os técnicos tiveram mais trabalho. Foram 103 imagens, no lugar das 88 do ano passado. O cálculo é influenciado pela passagem de nuvens e chega a enfrentar auditorias antes de ser divulgado. Depois de uma corrida contra o tempo, o Inpe chegou a duas conclusões. Entre agosto de 2003 e agosto de 2004, a Amazônia perdeu 24.272 km2 de floresta. Mas, fazendo uma projeção em cima do que não foi detectado pelos satélites, estima-se que o desmatamento tenha alcançado 26.130 km2. Até o fim de 2005, o Inpe bate o martelo.
“O número que acabamos de divulgar é muito alto. A projeção também. Mas não queremos justificá-los, e sim diminui-los”, disse a ministra Marina Silva, que também estava acompanhada de João Paulo Capobianco, diretor de Biodiversidade e Florestas do seu Ministério. Segundo Capobianco, a taxa de 2004 não pode ser usada para medir a eficácia do plano de combate ao desmatamento criado pelo governo Lula. “As medidas começaram a ser implantadas no fim do ano passado, portanto não chegaram a influenciar o número”, afirma. Para a atual gestão, a prova de fogo será o índice de 2005, quando todas as cartas já estarão em jogo.
Entre elas, o projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas, cujo texto está tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados. “O projeto de lei é o carro-chefe do plano. Ele permitirá o uso econômico real da floresta em pé. Sem ele, não tem como segurar”, diz Capobianco. “As pessoas desmatam por motivos econômicos”, justifica.
Mas a meta do governo de reduzir a taxa em 2005 não será fácil. Este ano o desmatamento da Amazônia começou bem antes do que de costume. Normalmente as queimadas começam a partir de maio, mas entre dezembro de 2004 e abril de 2005, já foram detectados 3,2 mil km2 de desmatamento no Mato Grosso. É a nova contribuição do estado que mais desmata a Amazônia. O Mato Grosso foi responsável por 48% dos 26 mil km2 derrubados em 2004. “O estado extrapolou”, criticou Capobianco. Marina também reagiu: “Temos a convicção de que em 2005 as taxas terão necessariamente que cair em Mato Grosso”.
Fora o estado governado pelo empresário da soja Blairo Maggi, o único que apresentou aumento no índice de desmatamento foi Rondônia, responsável por 15,8% do total. A contribuição do Pará, por exemplo, segundo no ranking dos que mais derrubam a mata, caiu de 28% em 2003 para 26% em 2004. Ao todo, seis estados apresentaram uma redução na taxa de desmatamento. Para o ministério, é um saldo positivo.
O governo também terá que combater uma nova frente de desmatamento que vem surgindo desde 2001 no meio da Amazônia. Segundo estudos do Imazon, o mais recente corredor da devastação (mapa) vai de São Félix do Xingu, no Pará, até Labrea, no centro-sul do Amazonas. O fio condutor é a transamazônica, mas a principal causa do aceleramento do processo de devastação tem sido a abertura de estradas não-oficiais, construídas principalmente por madeireiros. Pelo mesmo caminho vêm a ocupação agrícola, a grilagem, a exploração predatória e os conflitos pela posse da terra. Em 2003, essa nova frente já era responsável por 13,4% da taxa de desmatamento calculada para a Amazônia naquele período (23.750 km2). Este ano, o Inpe revisou o número e o alterou para 24.597 km2.
“Esta região começa a ser crítica”, comentou Adalberto Veríssimo, do Imazon. “Em 2004, ela pode chegar a ser responsável por 20% do número divulgado pelo Inpe”. Segundo Capobianco, o governo está ciente desse novo corredor e tem criado unidades de conservação no entorno para conter seu avanço. Estudos do Imazon também revelam que os municípios do tradicional arco do desmatamento continuam com uma alta taxa de desmate. Alguns limparam 90% de suas florestas.
O governo Lula aposta na proliferação de áreas protegidas para encurralar o desmatamento. Nesta quinta-feira, foi anunciada a meta de transformar 55 milhões de hectares de floresta em unidades de conservação até o fim de 2006. Durante a atual gestão foram criados 7,7 milhões e ao todo existem 38 milhões de hectares protegidos.
Mas enquanto esse futuro não chega, a realidade é que o governo esperava que o crescimento da taxa de desmatamento ficasse em 2% e foi surpreendido com o número oficial de 6%. A respeito desta porcentagem, o ministro Ciro Gomes declarou: “O número é esse, conseguimos já desacelerar e o país está com o controle de suas terras”.
Há quem interprete de forma bem diferente. Para Paulo Adário, coordenador de Amazônia do Greenpeace, os números divulgados são uma vergonha. “É uma prova de que o governo Lula não dá prioridade à Amazônia e de que o plano de combate ao desmatamento não deu certo”.
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