Trata-se de pato de muito bom gosto. Escolheu viver em regiões montanhosas que também são cobiçadas por turistas do mundo inteiro. Aliás, é uma das poucas aves brasileiras adaptadas a rios de regiões montanhosas. No Brasil, já foi avistado na Serra da Canastra (MG), na Chapada dos Veadeiros (GO), no Parque Nacional de Emas (GO), no Paraná e no Jalapão. Só lugares deslumbrantes.
É selvagem e tem uma forma muito atraente. Sua vocalização também difere dos parentes distantes: ao invés do quá, quá, quá tradicional, entoa algo próximo a um au, au, au, tipo um cão mesmo. Talvez uma adaptação para afugentar os predadores, supõem alguns ornitólogos. Tem bico fino, para bem pescar e não o bico chato, como dos demais patos.
Ao contrário de seus parentes domesticados que preferem as lagoas de águas paradas, o pato mergulhão (Mergus octosetaceus) (foto acima) frequenta rios limpíssimos, de água corrente e encachoeirada. Vive em simbiose com a água, da qual pouco se afasta. Mesmo quando voa, voa rente ao rio. É justamente por causa dessa relação intrínseca com o meio líquido que o pato mergulhão vai se tornar símbolo de uma exposição que começará a itinerar em agosto deste ano pela região do Parque Nacional da Serra da Canastra, no sudeste mineiro. Tendo o pato como bandeira, a exposição associará a conservação da ave à preservação dos mananciais hídricos.
O pato já está acostumado a fazer marketing. Antes de empresar sua fina estampa à causa aquática, ele virou emblema de uma campanha educativa idealizada em sua causa pela organização não-governamental Terra Brasilis, de Belo Horizonte. A ave é a estrela da campanha Procura-se: Vivo. A estratégia compõe-se de um calendário onde o bicho é apresentado ao público por meio de fotos. No calendário, vêm presas fichas destacáveis para serem preenchidas por quem tiver a sorte de encontrar os patinhos (coisa que mesmo alguns pesquisadores ainda não tiveram) e quiserem repassar os dados para a ONG.
“Nossa intenção é levantar o maior número possível de dados sobre o pato mergulhão para compor um banco de dados que permita estabelecer um programa profundo de conservação da espécie”, informa Lívia Lins, da Terra Brasilis. Apesar de constar na lista brasileira das espécies ameaçadas de extinção como “criticamente ameaçado”, o pato-mergulhão ainda é pouco conhecido e não conta com amplas estratégias de conservação que possam ajudá-lo a sobreviver, a não ser o trabalho da ONG mineira e algumas pesquisas isoladas.
Sabe-se muito pouco sobre esse pato, essa é a verdade. O esforço agora é mapear todos os locais de ocorrência e continuar as pesquisas em campo. Em uma delas, sob a tutela da Terra Brasilis, a bióloga Ivana Lamas descobriu há três anos, o segundo ninho identificado dessa espécie, quase meio século depois do primeiro ninho descoberto em 1956 na Argentina. O ninho achado no Brasil fica no Parque Nacional da Serra da Canastra (foto). O fato trouxe consigo outra importante revelação: ao contrário do ninho argentino, esse nosso estava localizado em paredões de pedra e não nos costumeiros troncos de árvores velhas onde sempre se procurou pelos patos em fase reprodutiva. Um ninho nas pedras ampliou o espectro de ocorrência da espécie.
As pesquisas também têm sido fundamentais para levantar a população do pato mergulhão. “Em 2001, sabia-se da existência de apenas seis casais na Canastra. Com a ampliação do monitoramento para outros cursos d’água, hoje já contamos uns quarenta casais”, anima-se Lívia Lins.
Segundo a bióloga, é preciso mapear a população, conhecer seu estado de conservação e descobrir como funciona a biologia do pato. Dificuldades não faltam para isso. O bicho é dos mais ariscos. Foge ao menor sinal de perigo. É preciso muito tempo no campo para se flagrar o pato mergulhão no seu habitat. E ficar no campo requer dinheiro e investimentos. Por ora, o Programa do Pato Mergulhão tem o apoio do Instituto Estadual de Floresta/ABPED, Fundação Boticário, da Duck Unlimited, dos Estados Unidos e da Fundação Rufford Maurice Laing, da Inglaterra.
*Jaime Gesisky é jornalista catarinense radicado em Brasília. Há cinco anos, dedica-se a estudar e escrever sobre a biodiversidade brasileira.
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