Moradores do bairro Petrópolis recorreram a uma ação civil pública para retirar três estações de rádio base (antenas da telefonia celular) instaladas no raio de um quarteirão. As operadoras resistem, temendo que Porto Alegre estabeleça um precedente restritivo no país.
Os vizinhos suspeitam que a série de problemas de saúde que vem afetando quem vive perto das três antenas nos últimos cinco anos é causada por elas. Na denúncia à Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público eles afirmam que as antenas “formam um triângulo de doença e morte”.
Vários casos foram listados no pedido de ação pública. Na rua General Souza Doca, três mulheres que moram em frente às estações de rádio base (ERBs) tiveram câncer de útero quase ao mesmo tempo. Um rapaz que mora na esquina da Felipe de Oliveira com Álvares Machado descobriu um câncer no olho.
Perto dali, na travessa Dr. Feliciano Falcão, uma senhora contraiu câncer pancreático, de evolução rápida, morrendo em poucos meses. Uma jovem teve câncer de mama e foi obrigada a fazer mastectomia este ano.
Mais: em outra casa das redondezas, tia e sobrinha morreram de câncer, respectivamente há dois e quatro anos. Existem, ainda, casos de catarata e cegueira recentes em habitantes da região.
Todos esses episódios aconteceram nos últimos cinco anos, período em que foram instaladas as ERBs – duas em 1999 e outra em 2004. “Será tudo coincidência?”, questiona o texto que antecede o abaixo-assinado dos moradores.
Na lista com nomes de 127 pessoas de oito ruas do bairro, uma peculiaridade. Além de assinar e colocar o número de identidade, cada um enumera os sintomas que surgiram ou se agravaram depois da chegada das antenas. O grupo que entrou com a representação no MP fez entrevistas, porta a porta e por telefone, em toda a vizinhança. Descobriu que muitas pessoas sofrem de males semelhantes. Os mais comuns são insônia, zumbido nos ouvidos, cansaço, dores de cabeça e dores pelo corpo.
Ninguém sabe se problemas de saúde são efeito direto da radiação das antenas de celular. Mesmo quem teve algum prejuízo à saúde em casa, com um parente ou amigo, é cauteloso ao tratar do tema. É o caso da fotógrafa Eneida Serrano, que trabalha na rua Álvares Machado há 10 anos, e mora lá faz dois anos. Ela participou do abaixo-assinado, indicando como sintomas o aumento de suas dores de cabeça. “Não posso atribuir às ERBs. Mas receio que possa haver uma irradiação excessiva. Até pela dificuldade de monitoramento desses equipamentos, não sabemos se a potência está ou não maior do que a permitida”, observa.
A vizinha Leda Boniatti Moraes (foto), 74 anos, que mora há 35 anos na Álvares Machado, tem a mesma aflição. Tanto que foi uma das líderes do movimento dos moradores. Ela explica por que resolveu arregaçar as mangas. “Não podemos provar nada. Mas o fato é que toda hora um vizinho fica doente, aparece alguém com câncer, as pessoas se queixando de dores que antes não tinham. Por isso, não vamos esperar que surjam mais coisas horríveis até fazer alguma coisa”, explica. Dona Leda também se queixa do barulho constante das ERBs, que, para ela, são sinônimo de insônia.
Odete Costa, funcionária pública, mora desde 1996 no perímetro. Teme a radiação das antenas por não saber como se dá o controle. “Desconheço até que ponto elas são seguras”, afirma. “Só acho que deveriam ficar mais afastadas das casas”, completa.
Quando as ERBs começaram a chegar no Petrópolis, em 1999, houve resistência dos moradores, com abaixo-assinado. Não adiantou. Vivo, Tim e Claro montaram o triângulo.
A Vigilância Sanitária de Porto Alegre deve fazer um estudo de campo na área do bairro para medir a influência delas na saúde da população. “Será o primeiro trabalho desse tipo feito no Brasil”, aponta a médica Geila Radunz Vieira, assessora técnica do órgão. Ela trata do assunto desde 1996 e não descarta a possibilidade de que os diversos casos de câncer ocorridos numa mesma área tenham relação com as três ERBs. Geila está trocando informações com pesquisadores internacionais, além de assessorar o Ministério da Saúde para criar uma nova norma nacional para regular as ERBs no país.
As normas da cidade para as antenas de celular seguem são baseadas na legislação da Suíça, que segue o princípio da precaução. “Mas as primeiras ERBs que foram instaladas não tinham esse cuidado”, aponta Geila, que acha que a legislação tem que ser aprimorada.
Em nível internacional, seguem os avanços. “Em 2004, recebi com alegria a manifestação da Organização Mundial de Saúde pedindo que se adote o princípio da precaução sobre os efeitos das radiações das ERBs, e que se evite o uso de celular por crianças”, diz a doutora.
O pesquisador do Laboratório de Comunicações da Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor Álvaro Salles, garante que a radiação das três torres, próximas uma da outra, aumenta a exposição de quem vive ali perto.
A representação dos moradores do Petrópolis está com a promotora Sandra Segura. Ela diz que recebeu dezenas de ações deste tipo nos últimos anos. A maioria das ERBs funciona sem licença ambiental. A Prefeitura exigiu que as operadoras se adequassem à legislação, mas isso ainda não aconteceu. O prazo esgotou-se em 30 de abril.
* Guilherme Kolling é jornalista em Porto Alegre, editor do site Ambiente Já.
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