Para quem vai pela primeira vez, a beleza do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses ainda surpreende. São 155 mil hectares de dunas ensolaradas, mar de um lado, mata de outro. Um cenário surreal, de tirar o fôlego – literalmente, pois a caminhada debaixo do sol não é para qualquer um. Dá aquela sensação de que você está sendo redefinido pela força da natureza e que depois nunca será o mesmo.
O mau gosto, o aperto e o preço salgado podem encalhar os “flats”? Não é o que pensa um corretor da construtora, que atende pelo nome de Facó. Ele argumenta que o espaço é coisa fina, e que os clientes são “juízes, desembargadores, empresários”, segundo ele “gente esclarecida, que sabe investir seu dinheiro”. Facó explica o bom negócio a um comprador em potencial: “Os novos proprietários fazem um pool e entregam para nossa administradora, porque os flats vão funcionar como hotel. Os donos têm direito a usar 12 diárias por ano, e o investimento vai render 10% ao ano, por baixo”.
No quesito legalidade, o empreendimento caminha aos trancos e barrancos. Em 2002, quando iniciaram as obras, o Ministério Público Estadual suspendeu a licença dada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, pois esta não contava com a anuência do Ibama. Qualquer desmatamento no entorno de um Parque Nacional tem que passar pelo aval do órgão federal. Então os construtores recorreram ao velho expediente de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público. Bom negócio: uma multa de 100 mil reais, que acabou substituída pela doação de um Corsa pick-up à gerência do Ibama, e sinal verde para as obras.
Mas parte da população reclamou. O Ministério Público ainda se mexeu para que fosse feita uma audiência pública em Barreirinhas, com os técnicos da construtora. Eles prometeram construir uma estação de tratamento de esgoto independente e jogar somente água limpa no rio.
É o mínimo. Fazendo as contas do número de apartamentos, mais hóspedes e funcionários, o local vai concentrar aproximadamente mil pessoas em alta temporada, o equivalente a 2% da população de todo o município. Será uma difícil tarefa amainar o efeito dessa multidão na beira do rio Preguiças. Até porque a Franere não parece que vai parar por aí. Já demonstrou interesse em construir uma marina para os barcos, assim como um restaurante para atender aos turistas nas bordas do rio.
A atual chefe do Parque Nacional Lençóis Maranhenses, Erika Fernandes Pinto, garante que está de olho. “Numa análise das construções à beira-rio, constatamos mais de 200 situações irregulares, o que inclui a construção da Franere”, diz. O muro de contenção do empreendimento está a exatamente 100 metros da margem do rio, mas o aterro para sua fundação invade a distância mínima de proteção da mata ciliar, que é Área de Preservação Permanente (APP).
Já na humilde Prefeitura de Barreirinhas, tive o prazer de presenciar a abertura recente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que não existia até o mandato anterior do prefeito. Josinaldo da Luz, primeiro ocupante do cargo, foi direto ao ponto: “Aquilo enfeia a cidade. Além de ser de mau gosto dos proprietários, é um desserviço para o turismo. Totalmente inadequado para a região”. Diz ter apoio do prefeito e ensaia uma resistência contra a urbanização descontrolada. Um Plano Diretor para o entorno do Parque Nacional está saindo do forno este mês para ordenar o crescimento de Barreirinhas e municípios vizinhos.
O projeto da Franere já está em fase de acabamento. Tem até data para entrega: 19 de outubro. Quer comprar?
* Bruno Prada é jornalista recém-formado.
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