Uma operação liderada por cerca de 100 homens das polícias Federal e Militar comandou a retirada dos índios avá-guarani do Parque Nacional do Iguaçu, local em que permaneceram por 80 dias. Durante a ação dentro do parque, nada aconteceu. Mas logo que retornaram à reserva em que viviam, em Santa Rosa do Ocoí (região oeste do Paraná), os indígenas agrediram os policiais com arco e flecha, pedras e paus e em resposta foram alvejados com balas de borrachas.
O ônibus que os transportava ficou seqüestrado na aldeia. “Esse aqui agora é nosso, ninguém mais tira da gente”, exaltou-se o cacique Simão Tupã Vilialva, apontando para o veículo estacionado logo em frente. Ainda furiosos com o conflito do dia anterior, os índios da reserva de Santa Rosa não estavam nada solícitos com a reportagem de O Eco, que foi até o local apurar rumores sobre uma possível reinvasão do parque. “Índio não quer falar e você está obrigando índio a falar”, diz Vilialva.
Entre as poucas palavras ditas, o cacique disse que os policiais mentiram para que o grupo entrasse no ônibus no dia da retirada. Lhes foi prometida uma viagem à sede da Funai em Guarapuava, e não a ida até a aldeia. “Fiquei nervoso quando vi que não cumpriram e aí comecei a brigar. Se não fizesse nada, eles ainda iam sair dando risada de índio”, afirmou, alegando que os policiais usaram balas de fogo durante o conflito. Os policiais têm outra versão. “Desde o início, o grupo sabia que o levaríamos para Santa Rosa do Ocoí. Tanto é verdade que, na ida para lá, como não conhecíamos o caminho, o próprio cacique foi dirigindo”, conta o delegado da Polícia Federal de Foz do Iguaçu Renato Lima.
Lima destaca que três viaturas e sete policiais federais acompanharam os índios até a reserva. Os militares foram embora assim que saíram do parque. “Os indígenas estavam em mais de 50 e gritavam que, naquele lugar, era eles quem mandavam.” Sobre o uso de munição letal, Lima confirma que os policiais as utilizaram, mas sempre atirando para cima, a fim de espantar os indígenas. O balanço da luta é desolador. Policiais levaram diversos pontos no rosto e na nuca por causa de flechadas e pedradas. Os índios foram feridos com balas de borracha.
A retirada dos indígenas foi possível graças a uma liminar que liberou a reintegração de posse solicitada pelo Ibama um mês depois da invasão. Segundo o diretor do Parque Nacional do Iguaçu, Jorge Pegoraro, antes de a decisão ser tomada houve uma reunião na tentativa de alcançar a conciliação. Nada foi resolvido. “A Funai queria um prazo de 60 dias para arrendar as terras solicitadas pelos índios. Demos 10 dias, mas nada aconteceu.”
Apesar de não se considerar responsável pelo episódio, o Ibama tomou a frente das ações visando a preservação do parque. “A Funai esteve omissa o tempo todo. Precisamos correr atrás deles para que tomassem alguma atitude”, ressalta Pegoraro. A opinião é compartilhada pelo superintendente do Ibama no Paraná, Marino Elígio. “Herdamos algo que não nos cabia.”
Quando invadiram o Parque Iguaçu, os indígenas reivindicavam mais terras para morar. Como a Funai não tem verbas para comprar as áreas (apenas para arrendar), o Ibama pensou na possibilidade de o Incra adquiri-las e repassá-las à Funai. Porém, a legislação, de acordo com Marino Elígio, não permitiria esse trâmite. A discussão resultante do conflito no Parque Iguaçu provocou uma reunião numa câmara técnica, em que esteve presente a Advocacia Geral da União, que deve preparar em breve um parecer avaliando a viabilidade do processo. “É possível que haja brechas na legislação que possibilitem isso. Se conseguirmos, daremos salto significativo na resolução de conflitos entre governo e indígenas.”
Destruição
Não foi pouca a degradação causada pelo grupo de 54 indígenas durante a invasão. Um breve levantamento realizado um dia depois da retirada por uma equipe de biólogos do Ibama mostrou que mais de mil árvores foram cortadas, o equivalente à área de 5 hectares. Os indígenas ainda mataram algumas espécies que correm risco de serem extintas, como cotia, veado, gato maracajá e lagarto. “Encontramos peles de todos esses bichos”, lamenta o biólogo Nelson Apolônio Rodrigues, chefe de Manejo e vice-diretor do Parque Iguaçu.
Dentro da mata na região invadida é possível avistar várias picadas. As 20 barracas instaladas na área deixaram marcas. Madeiras e palha de coqueiros permanecem pelo chão e ilustram o caos instaurado. Algumas roupas, bonés, galinhas e até um cachorro compõem os rastros deixados pelas famílias. Num determinado ponto da área invadida, penas de aves confirmavam a caça praticada durante os últimos dias.
Um sonho revelou ao pajé da etnia avá-guarani que as áreas do Parque Nacional do Iguaçu seriam a terra prometida de seu povo. A área escolhida para a instalação foi previamente analisada pelos índios. “Eles já estavam sondando o local. Escolheram uma região próxima a córregos e ao rio Iguaçu, para facilitar a estadia. Lavavam roupas, comiam e tomavam banho com as águas de lá”, diz Rodrigues.
Mais invasão
Uma Área de Preservação Permanente (APP) da Usina Itaipu, próximo ao município de Santa Helena (Paraná), foi invadida há menos de 15 dias por 81 índios da etnia tupi-guarani, do mesmo tronco lingüístico dos avás. Procedentes de uma reserva em Diamante do Oeste (Paraná), as famílias abriram 10 clareiras na mata, cerca de dois mil metros de degradação. O corte de árvores começou em áreas a 20 metros de distância do rio Iguaçu. Ainda não é possível saber quais outros danos foram causados ao meio ambiente. “Somente depois que eles saírem, poderemos calcular todos os estragos”, comenta o cabo da Polícia Florestal Célio Vogt.
A reivindicação dos índios não é pouca. O cacique Onório Carai diz que enviou um documento à Funai pedindo 2 mil e 500 hectares de terras. E não vale arrendamento. Enquanto isso não acontece, eles pedem a presença do órgão no local (até o dia do fechamento desta matéria a Funai não tinha visitado a área invadida) e a doação de cestas básicas suficientes para não passarem fome. Esta não é a primeira vez que os tupi-guaranis invadem esse pedaço de terra. Há cerca de um ano, permaneceram por 18 dias na região, em busca da mesma reivindicação. Não conseguiram. Voltaram para a reserva e continuaram em terras arrendadas. Agora, parecem mais decididos. “A gente vai embora quando tiver o papel [a escritura] na mão”, reforça Carai. A briga promete.
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