Reportagens

Terminou em samba

Mangueira vai levar a transposição do São Francisco para a avenida. O samba é pura exaltação ao patrocinador. Mas o enredo promete falar dos problemas.

Ana Antunes ·
3 de fevereiro de 2006 · 20 anos atrás

O São Francisco vai desaguar na Marquês de Sapucaí. Pelo menos do que depender da Estação Primeira de Mangueira. A escola de samba pretende contar a história do rio na avenida.

Tarefa complicada. Quem conhece um pouco do Carnaval carioca já sabe que os sambas-enredo não têm grande potencial explicativo. Ainda mais em se tratando de um dos temas ambientais mais polêmicos do país. Importante mesmo é o refrão empolgar:

O Sertanejo sonhou
Banhou de fé o coração
E transbordou em verde e rosa
A esperança do Sertão


Até aqui, nenhuma surpresa. Ninguém poderia esperar que a Mangueira, ainda mais financiada pelo governo do Ceará, fosse encarar as críticas à transposição e os riscos ecológicos que ameaçam o São Francisco.

Pois encarou. Por trás de um samba-enredo feito sob medida para agradar o público e o patrocinador, há uma justificativa que não foge dos problemas. No site da escola, a chamada Sinopse do enredo fala muito da cultura nordestina, mas também aborda temas como irrigação, assoreamento e vazão necessária à transposição. Sem abrir mão da poesia.

Já começa com um alerta:

Tu que nasces tão pequenino e fraco
Dois filetes de água na grama
Como podes tão longe chegar, no mar,
Se no meio do curso
Quase te tornaste lama?


Vale ponto

A sinopse é escrita assim que o tema é escolhido para virar samba. É ela que dá as informações necessárias para os compositores do samba-enredo e para os artistas que desenham as fantasias e os carros alegóricos. A sinopse também vale ponto no desfile. No quesito “Enredo”, os cinco jurados devem analisar se o que está no papel foi bem representado durante a apresentação.

Eis o risco para a Mangueira. Por exemplo, um trecho da sinopse lista problemas ambientais como o desmatamento e a poluição do rio: São Francisco Peregrino, padroeiro da ecologia [que ironia!] talvez possa me informar onde é que foi parar a bela mata ciliar. Não permita, São Chico, o mercúrio do garimpo e o vinhoto do canavial. Quero o rio sempre limpo para alegrar meu carnaval”. O samba-enredo, por sua vez, se limita a exaltar as maravilhas do crescimento econômico da região:

E tem fruta de primeira pra saborear
Um brinde à exportação, um vinho pra comemorar
O Velho Chico!
É pra se orgulhar.


Não há no samba uma ode direta à transposição do São Francisco. Mas quase. A letra diz que a Mangueira chegou “nas águas da integração” (por acaso o nome do ministério de Ciro Gomes), que o rio é “gigante pela própria natureza”, que “se expande pra mostrar sua grandeza” e que “vai cumprir sua missão”. Não por acaso, ambientalistas contra a transposição entraram na Justiça tentar impedir que o governo estadual banque o desfile.

Enquanto isso, na justificativa, tanto defensores quanto opositores do projeto estão representados: “Há quem diga que o Velho não tem força pra bombar. Há quem veja nesse sonho o direito de ousar”.

Como as alegorias são guardadas a sete chaves até a hora do desfile, é difícil saber se o carnavalesco Max Lopes foi fiel aos problemas e contradições apontados na sinopse. Osvaldo Martins, autor do texto, foi diplomático o suficiente para finalizar deixando em aberto a questão: “Se o Chico sobe a serra ou se fica como está… não se aflija, nada de pressa – quem viver verá”.

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