Há exatos cem anos eram finalizados os 15 volumes de uma das maiores obras botânicas do mundo e a mais completa referência que se tem hoje sobre as plantas do Brasil, a Flora Brasiliensis. Em março de 2006, as 22.767 espécies botânicas reunidas na obra tornaram-se acessíveis num clique de mouse, graças a um site coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A história desta obra começa bem lá atrás, em 1817, com o casamento da arquiduquesa austríaca Leopoldina com o futuro imperador Dom Pedro I. Como parte do dote da duquesa, foi financiada pelo rei da Baviera uma viagem de naturalistas e cientistas europeus ao Brasil. O objetivo da expedição era coletar material da flora brasileira e relatar à Europa o que havia por aqui. No grupo que chegou ao Rio de Janeiro em 15 de julho daquele ano estava o botânico austríaco Carl Friedrich von Martius.
A fascinação que a vegetação dos trópicos exerceu sobre Martius levou o botânico a se separar do grupo e empreender sua própria viagem junto com um único acompanhante, o zoólogo e amigo Spix. Foram dez mil quilômetros percorridos a cavalo, a pé ou de barco em três anos, passando por quase todos os tipos de vegetação brasileira. Os dois estiveram juntos em São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Maranhão e no Amazonas. Separaram-se em Manaus, onde Martius seguiu os rios Solimões e Jupará e Spix subiu pelo rio Negro. Encontraram-se de volta em Belém, em 1820.
O resultado dessa expedição foram 20 mil coletas de espécies de plantas que deram luz à Flora Brasiliensis. “Martius ficou tão fascinado quando fez a viagem que dedicou o resto da vida a completar este trabalho. Antes da Flora Brasiliensis, Martius organizou publicações menores onde fazia comentários sobre a riqueza e a diversidade de nossa vegetação”, revela George Sheperd, professor do Instituto de Botânica da Unicamp e coordenador do site. A Flora Brasiliensis demorou 60 anos para ser finalizada. Spix faleceu em 1826 e Martius em 1868 – 38 anos antes que a obra ficasse pronta.
Do livro para o site
As coletas foram transformadas em litografias – técnica de reprodução de imagens que utiliza um tipo de calcário liso e impermeável. Os desenhos são feitos na pedra com um lápis gorduroso e, depois, passados para o papel, o que preserva ao máximo a autenticidade e os detalhes do material. Agora, todas essas gravuras estão cuidadosamente digitalizadas e disponíveis no site. São 3.811 pranchas que ilustram 6.246 espécies de plantas, 59 de paisagens inteiras, com descrições da vegetação feitas pelo próprio Martius. O total de espécies é de 22.767, sendo que 19.629 foram consideradas nativas e 5.689 exóticas. Toda a estrutura do site foi feita pelo Centro de Referência em Informação Ambiental, o CRIA, uma associação especializada em organização de informações virtuais voltadas para meio ambiente.
“A idéia do projeto surgiu de botânicos que usavam a Flora Brasiliensis para pesquisa, mas achavam complicado lidar com todos os volumes e seu tamanho físico”, conta George. O site, ao contrário, é de fácil navegação. As espécies estão divididas nas suas famílias numa lista em ordem alfabética. Ao clicar sobre elas, aparecem as outras nomenclaturas, como tribos, gêneros, subtribos, subfamílias e nome científico – tudo ilustrado.
As subdivisões trazem ainda informações sobre o volume e página no original da Flora Brasiliensis, para quem quiser procurar à mão. Um ícone em forma de folha leva o leitor às pranchas litográficas correspondentes a cada subdivisão de planta. Essas gravuras podem ser visualizadas em formato de slide show, contam com opção de zoom e podem ser salvas em arquivos pdf ou impressas.
Por enquanto, quem brinca de verdade com o site são os botânicos, pois é preciso já ter um conhecimento mínimo sobre a nomenclatura científica das plantas para encontrar o que procura. Mas o projeto do site prevê uma nova seção para sanar essa limitação. “Vamos oferecer uma introdução para os leigos em que explicamos sobre plantas e vegetações brasileiras, com links para as gravuras. Queremos trazer também imagens atuais da flora brasileira”, conta George.
Outro importante passo para tornar o site mais acessível até para os próprios botânicos é a atualização dos nomes científicos das espécies, que está sendo gradativamente feita. Como a obra é muito antiga, os nomes não seguem as regras atuais de nomenclatura e muitos não são nem mais conhecidos hoje em dia.
Apesar de pouco compreensível para muitos, o conteúdo da Flora Brasiliensis está fazendo sucesso. “São cerca de mil visitas por dia. Fiquei surpreso com essa repercussão. A obra é muito especializada e obscura para a maioria das pessoas”, conta George. “É preciso lembrar que a Flora Brasiliensis ainda é o levantamento mais completo da flora brasileira. Até hoje ele é largamente usado para identificação de plantas”, ressalta.
O endereço da Flora Brasiliensis é http://www.florabrasiliensis.cria.org.br.
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