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Antes que seja tarde

Plantio de teca em Mato Grosso pode ajudar a reduzir a pressão sobre exploração de madeira nativa. Mas traz importantes riscos ambientais e econômicos.

Andreia Fanzeres ·
6 de julho de 2006 · 18 anos atrás

No interior de Mato Grosso, as paisagens predominantes são de extensivos plantios: soja, arroz, milho, algodão, cana-de-açúcar e, mais recentemente, teca (tectona grandis). Trata-se de uma árvore de grande porte originária do sudeste asiático e com a madeira tropical mais valorizada do mundo atualmente. Na Europa, chega a valer mais do que o mogno, a espécie mais nobre do Brasil. As empresas certificadas que investem na teca cultivam a árvore obrigatoriamente em áreas degradadas e vendem o produto como alternativa à exploração de madeira nativa.

De fato, a teca pode substituir muitas árvores brasileiras ameaçadas pela exploração ilegal, especialmente na Amazônia. Atende a indústrias de móveis, construção civil e naval. Suas principais vantagens são a boa estabilidade dimensional (ou seja, ela não varia muito quando sujeita a mudanças de temperatura e pressão), durabilidade, resistência a insetos, além da beleza. Aparentemente, não faltam pontos positivos. Mas ainda é cedo para achar que a teca pode salvar a floresta.

Os primeiros plantios de teca em Mato Grosso datam da década de 70, mas não foram grandes o suficiente para terem algum impacto no mercado de madeira. No entanto, tiveram bons resultados que estimularam a entrada de outras empresas no setor. Inclusive a que tem o maior plantio privado do mundo, a holandesa Floresteca, em 1994. Embora seja possível encontrar culturas de teca espalhadas por todo estado – que reúne condições ideais de plantio como clima quente, úmido, mas não excessivamente chuvoso – os principais pólos produtivos são os municípios de Tangará da Serra, Rosário do Oeste e Cáceres, onde pela primeira vez a espécie foi introduzida.

Hoje, Mato Grosso tem 60 mil hectares plantados com teca em 16 fazendas. Só a Floresteca é dona de áreas que somam 23 mil hectares e mantém uma expansão anual de aproximadamente três mil hectares. Ainda é pouco, mas não insignificante.

No Brasil, os plantios da Floresteca têm ciclo de corte estimado em 20 anos – curto se comparado com os países que originalmente cultivam a teca, entre 60 e 80 anos. “Plantamos 1.111 árvores por hectare e na medida em que crescem, precisamos retirar algumas. Entre o 3º e o 4º ano, acontece a primeira seleção para corte, que acaba servindo como lenha para secagem de grãos”, explica Fernando Torres, diretor do setor de melhoramento genético da empresa. Ele explica que há uma segunda seleção (ou desbaste) no 6º ano, até que a partir do 10º ano de plantio sobram 160 árvores por hectare, cultivadas até o fim do ciclo.

Com exceção da empresa Cáceres Florestal, Mato Grosso ainda não tem plantios de teca maduros para o corte final. Por aqui as culturas mais avançadas da Floresteca, por exemplo, têm apenas 12 anos – tempo ainda insuficiente para a madeira servir aos seus principais objetivos. Torres credita a este fato a pouca popularidade que a madeira tem no mercado consumidor interno. E André Ferreti, engenheiro florestal da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, concorda. Ele lembra dos tempos da faculdade, no início dos anos 90, quando vendiam a idéia da teca como uma espécie de “caderneta de poupança”: o lucro era certo. Depois de esperar a cultura entre 20 e 25 anos, o investidor ganharia 60 vezes mais do que o pinus ou o eucalipto.

Em terras estrangeiras, entretanto, a teca já é velha conhecida. “Os consumidores externos já estão mais acostumados à teca vinda da Ásia, e pagam até mais caro por madeira de reflorestamento por causa do argumento de que indiretamente os nossos plantios aliviam a pressão sobre as florestas tropicais”, diz.

Riscos ambientais e econômicos

Só que esse argumento pode ir por água abaixo se não for bem dimensionado. Não adianta plantar extensivamente a teca acreditando estar protegendo florestas nativas quando ainda não se sabe os efeitos que uma exótica, como ela, pode ter sobre os ecossistemas tropicais daqui. “Por enquanto, a teca não tem inimigos naturais no Brasil, mas não está livre disso”, considera Ferreti. Ele explica que pragas nativas podem contaminar a planta, do mesmo modo que também não se pode garantir que a espécie não vá se comportar como invasora no futuro, espalhando-se sozinha e sem controle, como acontece hoje com pinus, nas regiões Sul e Sudeste.

De acordo com Ferreti, a questão não é substituir a madeira nativa pela teca, pois no Brasil existem diversas espécies com potencial madeireiro, como o guanandi, típico da Mata Atlântica. “Como a teca, quem produz o guanandi faz a mesma propaganda, mas se todo mundo plantá-lo o preço vai cair e as pragas vão aparecer, como qualquer produção agrícola”, alerta. Portanto, não se trata apenas de um risco ecológico, mas econômico também.

O engenheiro florestal admite a necessidade da oferta de madeira para as populações, e, para isso, realizar plantios homogêneos. Mas enfatiza que a monocultura, por si só, é uma agressão à floresta tropical. “O correto é não ter grandes extensões para que haja por perto áreas nativas que promovam um equilíbrio ao ambiente”, orienta. Segundo ele, os impactos do plantio de teca são idênticos aos de eucalipto, pinus e qualquer outra monocultura.

Mas quem tem objetivo de exportação não está interessado em pequenos plantios. E isso pode ser preocupante para o país. Mesmo com a produção em estágio inicial, cada vez mais investidores estrangeiros estão de olho nas áreas brasileiras disponíveis para a cultura de teca. Torres, da Floresteca, explica que os espaços para plantio no sudeste asiático estão cada vez menores por causa do crescimento demográfico na região e a necessidade de cultivar alimentos. “Hoje temos problemas de comercialização de teca no maior exportador mundial dessa madeira, Mianmar, por causa das derrubadas ilegais e falta de reposição da árvore nas florestas nativas”.

Por isso, os estoques orientais estão com os dias contados. “Se a gente não plantar muito, vai haver uma defasagem entre a oferta do produto e o consumo”, diz. Para suprir esse mercado, o Brasil reúne as melhores condições de espaço, clima e temperatura e ganha de países africanos devido à estabilidade política. Segundo Torres, em terras brasileiras a teca tende a expandir para os estados de Rondônia, Pará, Tocantins e Goiás. Diante da tendência, vale o alerta de Ferreti: “Isso indiretamente pode ser um incentivo ao desmatamento. Afinal, se a teca ocupa áreas degradadas, não cai sobre ela a culpa do desmate”, opina o engenheiro florestal. Mas ele mesmo faz questão de lembrar: “Nenhuma planta é ruim. O manejo tem que ser bem feito. O problema é o uso que fazem dos recursos naturais”.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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