Reportagens

Chiadeira desnecessária

Políticos e empresários catarinenses tentaram derrubar legislação que restringe aproximação de barcos para avistagem de baleias francas. Não conseguiram.

Fabrício Escandiuzzi ·
12 de julho de 2006 · 18 anos atrás

Uma disputa de interesses sobre pequeníssimas áreas encravadas no litoral sul de Santa Catarina foram motivo de uma reunião convocada às pressas em Brasília nesta quarta-feira com a presidência do Ibama. Felizmente, para o bem das baleias francas, governo estadual e empresários não conseguiram o que queriam: derrubar uma Instrução Normativa recém publicada pelo órgão federal que tão somente ordena o uso do espaço marinho na Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca. Mas, eles avisam, a batalha ainda não chegou ao fim.

O rebuliço foi armado porque a instrução normativa 102/06 proíbe que barcos a motor usados no turismo de observação de baleias trafeguem por seis pontos entre os municípios de Garopaba e Imbituba – áreas que, somadas, equivalem a 0,3% da APA, que se estende por cerca de 140 quilômetros entre Florianópolis e o Farol de Santa Marta. A proibição só vale durante a temporada de avistagem dos cetáceos, que vai de julho a novembro.

Em ano de eleição e devido a um hipotético prejuízo causado pelas restrições aos barcos – que se aproximam das baleias para delírio dos turistas – o empresariado mobilizou políticos de Santa Catarina, entre os quais o senador Leonel Pavan, candidato a vice-governador e o deputado Edinho Bez, presentes à reunião. A líder do governo no Senado, Ideli Salvatti, também mandou representante.

Na reunião, Eduardo Peixoto, presidente do Instituto Baleia Franca (IBF), entidade que vive do turismo de observação de baleias, apresentou um relatório apontando supostas falhas na elaboração da instrução normativa. Segundo ele, a discussão da delimitação de áreas teria que contar com a participação da União, do governo estadual e dos municípios envolvidos. O argumento não conseguiu revogar a legislação, mas postergou o debate e foi determinante para os próximos passos. Um deles será a regulamentação das áreas em que o turismo embarcado poderá ser explorado livremente. E o outro um ajuste na instrução normativa, que será assunto da próxima reunião do conselho gestor da APA, no dia 22 de julho.

Necessidade da conservação

O crescimento desordenado do turismo de avistagem preocupou os pesquisadores do Projeto Baleia Franca (PBF), que há 24 anos atua no estudo e na conservação dos cetáceos na região. O local é tido por eles como um “santuário” dessas baleias na costa brasileira. Ali, a espécie busca refúgio após o verão, e mães e filhotes permanecem áreas de baixa profundidade, muito próximas do litoral. Por isso mesmo é perfeitamente possível apreciar os dóceis visitantes a partir de postos de observação em terra. Aliás, não é demais lembrar: o turismo em mar aberto não foi proibido em 99,7% da área da APA.

Mas isso não convenceu os representantes do IBF presentes à reunião, que espalharam em tom de alerta máximo que “70% do turismo na região de Garopaba e Imbituba estaria prejudicado na temporada das baleias”. Mal sabem eles que muito mais revoltados com todo esse barulho estão os pesquisadores e ambientalistas que trabalham na APA e no Projeto Baleia Franca.

José Truda Pallazzo Junior, co-fundador da entidade, não se conforma com a polêmica e diz que o IBF representa interesses puramente comerciais de proprietários de embarcações marítimas. “A crítica vem de um único operador de turismo argentino, que é dono de uma Ong que tenta clonar as nossas atividades com dois objetivos claros: não se submeter a nenhuma restrição e desestabilizar a diretoria da APA”, afirma. Referindo-se ao presidente do IBF, Truda desabafa. “Ele está aproveitando que o governo de Santa Catarina é cúmplice de qualquer bandalheira que se faça contra as unidades de conservação e, escorado na ignorância das pequenas prefeituras, tem conseguido apoiadores ao movimento”.

Áreas de refúgio

Truda explica que a instrução normativa foi baseada em um estudo que sugeriu proteção integral dos cetáceos durante a temporada em três praias de Garopaba e outras três em Imbituba. “São as áreas em que as baleias têm o menor espaço de manobras, com alguns obstáculos físicos e topografia muito boa em terra para que se faça a avistagem da costa”, justifica. Segundo ele, são áreas intercaladas com locais abertos que permitem o acompanhamento científico e o próprio turismo, seguindo padrões internacionais. “O que nós não podemos aceitar é que a pressão dos operadores comerciais defina como vai ser feita a proteção das baleias numa unidade de conservação”, esclarece Truda.

Posicionamento semelhante tem a chefe da APA da Baleia Franca, Maria Elizabeth da Rocha. Ela afirmou que um grupo de trabalho multidisciplinar estudou por dois anos a questão, seguindo as recomendações Comissão Internacional da Baleia (CIB), realizada na África do Sul, em 2004. “O turismo de observação em embarcações não é a atividade mais importante dentro da APA da Baleia Franca”, diz. “Questiono o retorno sócio-econômico, pois é um turismo de elite e que incomoda as baleias. Além disso, o Ibama só está fazendo cumprir os acordos internacionais que o Brasil assina como país pró-conservação”.

Maria Elizabeth afirma que a intenção não é proibir o turismo na APA, como vem sendo divulgado, e que a ação do IBF tem colocado a população contra o Ibama. “Nosso trabalho é sério, reconhecido e busca preservar uma espécie ameaçada. Não temos a menor intenção de prejudicar atividade econômica. Quando é para realizar empreendimento imobiliário e destruir dunas ou o meio ambiente, ninguém se lembra de consulta pública”, desabafou, bastante emocionada.

A chefe da APA também explicou que com a proibição será possível realizar estudos de comportamento das baleias e seus filhotes, sem a interação com os barcos. “As baleias não se alimentam aqui, contam apenas com sua proteção de gordura. Cada vez que um barco com turistas histéricos aparece, ela tem se movimentar, gastando o que é seu alimento”, acrescenta.

O triste dessa história é o fato de que os apenas 0,3% destinados exclusivamente às baleias francas possam ter gerado tanto barulho. Por “nada”. Se para os empresários essa área vale muito, deviam colocar a mão na consciência e perceber que, para uma espécie ameaçada de extinção, vale muito mais.

* Fabrício Escandiuzzi é jornalista em Santa Catarina e bacharel em Direito.

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