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O que vem pela frente

Programa do governo federal criado para controlar a poluição do ar acaba de completar 20 anos. Apesar dos méritos alcançados, ainda há muito que fazer.

Aline Ribeiro ·
14 de julho de 2006 · 18 anos atrás

Quem passa ao menos um inverno em grandes centros como São Paulo dificilmente sai ileso. Principalmente nesta época, doenças respiratórias e alergias se manifestam freqüentemente em decorrência do tempo seco e dos altos índices de poluição do ar. Mas, se hoje a situação é preocupante, acredite: poderia ser ainda pior. Nas últimas duas décadas, a média de determinados poluentes emitidos pelos veículos que circulam no Brasil caiu 94%. Como conseqüência, a massa de ar sujo que cobre as grandes cidades do país também diminuiu. Um dos grandes responsáveis por essa queda é o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que acaba de completar 20 anos.

Sucessos à parte, o fato é que ainda há muito que ser feito. O grande desafio no horizonte do Proconve é a implementação da inspeção veicular. A medição das emissões de modelos antigos já era prevista na primeira fase do programa, mas até hoje foi adotada apenas no estado do Rio de Janeiro. Segundo o secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Victor Zveibil, é necessário aprovar o projeto de lei 5.979, de 2001, para obrigar os estados a introduzir inspeções dos veículos. Segundo um levantamento do Ibama e do MMA, se isso acontecesse as emissões atuais de monóxido de carbono e hidrocarbonetos seriam reduzidas em até 40% e 50%, respectivamente.

Tamanha queda se deve ao grande número de automóveis sem manutenção adequada em circulação. Um estudo do ano 2000 feito pela empresa de consultoria Environmentality analisou a situação de 22 mil veículos de diferentes idades e modelos em São Paulo e apontou que 20% dos automóveis testados estavam em condições precárias. Eles emitiam de cinco a 10 vezes mais poluentes do que o aceitável. “Os carros que poluem não são necessariamente os velhos, mas os mal mantidos de todas as idades. Durante o teste, 60% dos modelos Brasília avaliados foram aprovados”, explica Gabriel Branco, diretor da empresa de consultoria Environmentality.

O estudo do MMA mostra que o número de veículos vem crescendo em ritmo acelerado nos últimos anos. A frota nacional subiu de 10 milhões para 25 milhões, de 1996 até o ano passado. O diretor de qualidade ambiental do MMA, Ruy de Góes, afirma que com isso as emissões tendem a se elevar novamente a partir de 2020. Medidas adicionais de controle terão de ser tomadas. E já há uma nova fase do Proconve para veículos leves prevista para começar em 2009. Conhecida como Fase V, ela restringe ainda mais a emissão de hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio (NOx), precursores do ozônio. “As medidas adotadas ainda são insuficientes para as reduções necessárias das emissões de CO e NOx. É recomendável a adoção de novos limites, especialmente para os veículos pesados”, opina Branco.

Mais preocupante do que o aumento da frota de automóveis é o crescimento do número de motocicletas. Branco afirma que, a cada ano, 300 mil novas motos são vendidas no Brasil. “Daqui a dois ou três anos as motocicletas emitirão mais poluentes do que os carros. Mais uma vez, precisamos discutir valores limites para reduzir as emissões.” Em 2003, o governo federal lançou programa semelhante ao Proconve, desta vez voltado às motos. Conhecido por Promot, ele propõe metas de redução que terão de ser atingidas até 2009. Já no ano de sua criação, o programa apresentou redução de 2/3 nos fatores de emissão para os modelos novos.

Medidas

O futuro do Proconve também precisa de mais investimentos na qualidade dos combustíveis, o que é responsabilidade da Petrobras. Segundo o gerente de desenvolvimento de produtos da empresa, Frederico Kremer, 54% dos recursos em pesquisa são consumidos na melhora do refino de combustíveis. O petróleo brasileiro é rico em enxofre, o que torna ainda mais difícil o processo. Entretanto, do início do Proconve até hoje, alguns resultados expressivos foram alcançados. O chumbo foi retirado da gasolina e o teor de enxofre no diesel caiu expressivamente.

Em 1980, o diesel apresentava um teor de enxofre de 13 mil partes por milhão (ppm). Hoje essa proporção caiu para duas mil ppm no diesel distribuído em todo país. No caso de algumas regiões metropolitanas, como São Paulo e Rio de Janeiro, o teor de enxofre chega a 500 ppm. O coordenador do Proconve no Ibama, Paulo Macedo, revela que um novo acordo está sendo feito com a Petrobras para que, a partir de 2009, boa parte do país passe a usar diesel com teor de enxofre de 50 ppm.

Para Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP), a eficácia do programa ainda depende da mudança dos motores de ônibus e táxis para gás natural. “Por lei, eles deveriam trocar o diesel, a gasolina e o álcool pelo gás”, diz, referindo-se à Lei Municipal 10.950/1991, aprovada pela então prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PT). “Em Santiago, no Chile, toda a frota de ônibus roda com o combustível menos poluente. E o detalhe é que esses veículos são fabricados no Brasil”, acrescenta. Gabriel Branco faz ressalva, ao explicar que o fato de o veículo ser movido a gás “não o concede diploma de limpo e que a alteração do motor só tem resultados se for feita corretamente”.

Resultados

Durante a comemoração do aniversário do Proconve em Brasília, o governo federal mostrou que a melhoria da qualidade do ar se reverte em economia e saúde pública. De 1996 a 2005, cerca de US$ 1,3 bilhões deixaram de ser gastos na região metropolitana de São Paulo com internações e tratamentos de pacientes. A Faculdade de Medicina da USP calcula que, nesse mesmo período, foram evitadas 15 mil mortes por doenças cardíacas e pulmonares. Extrapolando os resultados de São Paulo para o país todo, estimam-se ganhos econômicos da ordem de US$ 4,5 bilhões e quase 49 mil mortes evitadas.

Os ganhos estão diretamente ligados à redução das emissões de poluentes por fontes móveis, como mostram os dados do levantamento apresentado pelo ministério e o Ibama. Para os veículos leves (álcool e gasolina), a média de emissão de monóxido de carbono (CO), um dos gases mais tóxicos para a saúde humana, foi reduzida em cerca de 97% nos últimos 20 anos. Houve ainda a diminuição de 92,5% para os hidrocarbonetos (HC), 93% para os monóxidos de nitrogênio (HC) e 91% para os aldeídos (considerando os mesmo veículos).

* Gustavo Faleiros colaborou com esta reportagem.

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