Contrariando a tendência histórica de desmatamento no Brasil, uma boa notícia: São Paulo está cada vez mais verde. Em dez anos, a cobertura vegetal do estado teve acréscimo de 3,8%, o equivalente a 126,6 mil hectares – o mesmo que 1.266 parques do Ibirapuera. O dado é do Inventário Florestal da Vegetação Natural, divulgado no ano passado pelo Instituto Florestal, e que foi interpretado recentemente por uma publicação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente: Desmatamento e Recuperação Vegetal.
O levantamento mostra que os remanescentes de cobertura vegetal natural do estado ocupam 3,46 milhões de hectares, quase 14% de sua área total. Se comparado à situação da época do descobrimento, quando São Paulo tinha 82% do território composto por mata, o número é inexpressivo. Mas a tendência, segundo especialistas, é que a vegetação cresça nos próximos anos. Hoje, boa parte é mata atlântica. Quase 12% do total de área verde são compostos por floresta densa e capoeira (vegetação intermediária que se desenvolve em áreas abandonadas). O restante é de cerrado, cerradão, campo cerrado, vegetação de várzea, mangue e restinga.
O professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Ricardo Rodrigues aponta o incremento da fiscalização como principal motivo para o acréscimo da cobertura vegetal. “A pressão da Polícia Ambiental cresceu muito nos últimos anos”, destaca. A idéia é comprovada por números. Em 2001, o órgão registrou 3 mil ocorrências de degradação em Áreas de Preservação Permanente (APP) no estado. No ano passado, esse número caiu pela metade. Quando o assunto é áreas degradadas fora de unidades de conservação e APPs, a redução é ainda mais significativa. Foram cerca de 7.500 ocorrências em 2001 contra 2.500 no ano passado: 67% menos.
“São Paulo é o estado que, além de repreender a supressão de desmatamento irregular, tem os maiores esforços para a regeneração de áreas do país. É um exemplo que deve ser aplicado em outros lugares”, destaca o tenente da Polícia Ambiental Marcelo Robis. Ele informa que o número de atendimentos prestados pelo órgão em relação à flora aumentou 21% de 2001 a 2005. “Isso é possível porque existem hoje, no estado, 117 bases do comando de policiamento, o que agiliza a chegada até os chamados.”
Robis conta que, ao longo dos anos, a quantidade de multas aplicadas vem diminuindo muito. “A queda, para nós, representa aumento de ostensividade, ou seja, esforço preventivo eficaz que permite que o dano ambiental seja evitado.” Enquanto em 2001 foram emitidas 6.500 autuações em APPs, no ano passado a polícia registrou menos de 4 mil multas para a mesma categoria. A atuação de órgãos como o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) também foi fundamental, como ressalta o pesquisador científico do Instituto Florestal Hélio Ogawa. “Hoje, existe muito mais controle do DEPRN para as emissões de licenças para a supressão de vegetação.”
O aumento da cobertura vegetal, segundo Ogawa, pode ser atribuído ainda à crise na pecuária. “À medida que sai o gado, entra o reflorestamento, principalmente para atender à indústria de papel e celulose. Assim, a área é utilizada de forma mais sustentável”, explica. Um exemplo é o que ocorre no Vale do Paraíba. Com topografia íngreme, a área foi ocupada pela pecuária depois da devastação alimentada pelo ciclo do café. Atualmente, está sendo tomada pela silvicultura com o plantio de eucalipto – o que representa acréscimo de área verde. As regiões de Sorocaba e do eixo Campinas-Ribeirão Preto também têm bolsões de reflorestamento. Ainda assim, a área plantada de espécies exóticas não é representativa, se considerada a cobertura vegetal de todo o estado. A mecanização da agricultura também teve seu papel para a recuperação da vegetação em São Paulo. “O motorista de trator não chega mais tão perto dos rios. A área vai sendo regenerada naturalmente.”
Outra explicação para o crescimento da mata é, de acordo com Ogawa, a instalação de usinas de cana-de-açúcar em áreas degradadas do oeste do estado. Na região de Dracena, por exemplo, o índice de cobertura florestal – hoje em torno de 1% – está crescendo com a chegada das usinas. Pode até parecer estranho, mas, segundo ele, existe hoje um compromisso muito maior do setor sucroalcooleiro no que diz respeito à recuperação da mata. “Para exportar o álcool, eles precisam obter um selo verde que exige a recomposição da mata ciliar”, conta.
A legislação também está mais rigorosa, diz Ogawa. A recente aprovação do decreto estadual que regulamenta a reserva legal no estado pode contribuir para um aumento ainda maior das áreas verdes. “A tendência é que o índice de cobertura vegetal continue crescendo.”
Metodologia
Apesar da boa notícia, é preciso levar em consideração que o acréscimo registrado pelo instituto se deve também ao maior detalhamento deste inventário, em relação ao anterior, realizado nos anos 90. O uso de imagens dos satélites Landsat 5 e 7 e de fotos feitas a partir de aviões que voam próximo ao solo permitiu um nível de detalhe pelo menos três vezes maior. Desta forma, foi possível identificar trechos de vegetação antes imperceptíveis, de até 4 hectares, em especial os que estão em processo de regeneração.
O relatório do Instituto Florestal, divulgado em média a cada 10 anos, é resultado também de trabalhos in loco. Eventualmente, os pesquisadores descem aos solos para fazer o que chamam de “verdade de campo”. É uma forma de auditar as informações obtidas por meio do sensoriamento remoto. A divulgação não tem periodicidade mais curta devido aos altos custos e volume de trabalho.
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