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Uma lição complexa

Cristovam Buarque quer valorizar o meio ambiente no ensino escolar. Diz que vai criar um programa de nacionalização da Amazônia e se estende ao propor medidas que já existem.

Andreia Fanzeres ·
15 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

Cristovam Buarque, candidato do PDT à presidência, tentou ser menos generalista e mais detalhista em seu programa de governo. São 142 páginas disponíveis no site oficial da campanha, numa extensa abordagem de como pretende fazer uma revolução pela educação no país, se eleito. Para ele, essa revolução inclui o meio ambiente – e desde a escola. Ele propõe valorização da natureza nas redes de ensino, com ênfase na afirmação da nacionalidade brasileira e na elaboração de um compromisso patriótico com a Amazônia. Mas em seu programa de governo, esse quesito veio na rabeira dos demais.

O candidato fala genericamente sobre maiores investimentos em fontes de energia mais limpas e menos impactantes ao meio ambiente, com um importante comprometimento de criar um programa de modernização de hidrelétricas para que elas se tornem mais eficientes do que são hoje. Tudo com financiamento do BNDES. Diz ainda que vai retomar projetos contra o desperdício de energia e quer manter os investimentos na exploração de óleo e gás, reduzindo a dependência do exterior.

Ao abordar temas mais voltados à saúde pública em seu plano de governo, promete garantir abastecimento de água potável a todos os brasileiros e dar atenção especial à proteção do patrimônio natural. Para tanto, redefine o papel das Forças Armadas, que, entre outras missões, deverão zelar mais pelos recursos hídricos, cada vez mais escassos e cobiçados.

Como se num exercício de previsão das pressões que o presidente vai sofrer nos próximos anos justamente por causa do interesse internacional na Amazônia, Cristovam propõe um plano de “nacionalização” daquela região. Quer deixar claro para a comunidade internacional que o Brasil assume suas responsabilidades nos cuidados com os patrimônios ambientais de lá. No entanto, não parece tão enérgico ao descrever como vai evitar a ocupação desordenada da Amazônia. Restringe-se a disciplinar o adensamento populacional nas áreas já degradadas e “desencorajar” as novas frentes.

À semelhança do que propõe a rival Heloísa Helena, Cristovam se espelha no funcionamento da Petrobras para propor um programa de aproveitamento da biodiversidade amazônica. Diz que vai eliminar o que chama de dumping ecológico (madeira barata sem manejo sustentável, soja e pecuária em produções extensivas). Pretende ainda remunerar os “serviços ambientais”, sem especificar como, e disseminar o uso de um “Selo Amazônia” como grife de produtos regionais no mercado estrangeiro.

Meias explicações

De forma genérica, menciona apoio a atividades econômicas ambientalmente saudáveis, mas não diz como fará isso. Por outro lado, é bastante específico ao sugerir que, em seu governo, os bancos oficiais devam criar linhas de crédito preferenciais para as atividades de reciclagem. Ele propõe ainda estímulos tributários à economia baseada na biodiversidade, “com agregação de valor e reciclagem de materiais”, tributos pelo aproveitamento de conhecimentos tradicionais, e sobre a exploração segundo o princípio “poluidor-pagador”, coisa que já existe. E se compromete a arrumar recursos para implantar coleta seletiva de lixo em todas as cidades brasileiras, tornando-a obrigatória em dez anos.

Uma de suas metas é também negociar acesso ao Oceano Pacífico através de ligações entre o Rio Grande do Sul e a infra-estrutura portuária do norte chileno e o Centro-Oeste brasileiro com portos peruanos. No entanto, não mencionou o projeto IIRSA, que tem como ponto chave a transformação do rio Madeira em um curso navegável. Em todos os momentos em que falou de hidrovias, limitou-se aos rios Amazonas, Araguaia-Tocantins, Paraná e São Francisco. Por sinal, o candidato cita diversas vezes o Velho Chico no capítulo sobre transportes, e promete realizar a revitalização compartilhada do rio através de redes e canais para abastecimento dos cursos não-perenes e açudes, com rigoroso controle ambiental. Para isso, compromete-se com o que chama de “reflorestamento radical” nas margens do rio, mas não detalha o que isso quer dizer na prática.

Embora já exista lei que responsabilize fabricantes de produtos nocivos à natureza pela sua destinação final, como é o caso de pilhas, baterias, pneus e embalagens plásticas, Cristovam adotou a estratégia de fazer uma legislação ainda mais forte, em vez de apostar em maiores esforços para que se cumpra o que está em vigor. A repetição de idéias que já existentes para a área ambiental ganhou cara nova quando seu programa cita a criação do Royalty Verde. Como o ICMS Ecológico, recém criado pela gestão Marina Silva, a medida pretende beneficiar financeiramente municípios com áreas protegidas ou projetos de recuperação ambiental.

Cristovam se comprometeu a aumentar o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas não deixou essa vontade tão explícita em relação aos parcos recursos repassados ao Ministério do Meio Ambiente, que hoje tem o sexto mais baixo aporte do governo federal. E embora tenha ressaltado interesse em apoiar o reflorestamento de áreas do semi-árido nordestino, do Centro-Oeste e da Amazônia, em nenhum momento lembrou da Mata Atlântica.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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