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Palmas para ele

Um horto no Rio de Janeiro reúne o maior acervo de palmeiras do país, entre espécies nativas e exóticas. Tamanha variedade é um convite a pesquisadores, estudantes e curiosos.

Andreia Fanzeres ·
11 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

O estresse do trabalho na cidade fez com que o advogado Moyses Abtibol recomeçasse sua vida aos 50 anos. Largou a direção de uma grande empresa e a rotina alucinante de trabalho de segunda a segunda para se tornar uma das maiores referências no país no cultivo de palmeiras raras, tanto exóticas quanto nativas. Percebeu que no Brasil havia espaço de sobra no mercado para se especializar e lucrar com isso. Mas Moyses não gosta de falar de dinheiro. Prefere contar sua história de amor com as palmeiras, que, aliás, não foi à primeira vista, mas até hoje faz com que aos 67 anos veja a vida como se tivesse 21.

Tudo começou em 1990, quando Moyses teve a despretensiosa idéia de trazer coqueiros da Paraíba para plantar em sua propriedade, na zona oeste do Rio de Janeiro. “Era um matagal só, eu tinha medo de invasão”, conta. Em mais ou menos quatro anos viu os primeiros resultados: 10 mil pés, uma monocultura. Para tentar compensar os custos da vinda dos coqueiros, tentou vendê-los. Foi aí que percebeu quão limitado era seu negócio. Mas notou que o coqueiro é um tipo de palmeira. E, desde àquela época, não havia no Brasil quem investisse em árvores tão diversas e atraentes.

A partir da dica de um americano paisagista que comprou algumas de suas árvores, Moyses mergulhou no mundo das palmeiras. Passou três meses nos Estados Unidos, onde estudou o assunto, participou de exposições, trouxe mais de mil fotografias e as primeiras sementes para plantar o Horto das Palmeiras. Hoje ele é um especialista. Basta observá-lo num passeio de carro pela cidade. Sabe identificar, mesmo à distância, as espécies de qualquer jardim ou praça que tenha palmeiras pelo Rio de Janeiro. Com uma equipe com 25 funcionários, Moyses vive do cultivo e da venda de sementes, mudas e árvores. Saem cerca de 500 por mês, entre as maiores e mais raras, como é o caso da rabo-de-raposa (wodyetia bifurcata – foto), que pode custar até oito mil reais. E mais de três mil vendidas entre as pequenas e populares, como a jerivá e o coqueiro.

Acervo raro

Em 17 hectares, ele cultiva mais de 100 mil exemplares de palmeiras, sendo 150 espécies exóticas provenientes de 17 países, entre Austrália, Madagascar, Índia, Tailândia, Egito, Colômbia, Cuba, e outros. São as mais cobiçadas por compradores e estão entre as mais caras de seu acervo. Entre as nativas, destacam-se duas espécies de buriti, a palmeirinha-de-Petrópolis, ameaçada de extinção, dendê, açaí, etc. “As brasileiras ainda não ganharam mercado”, atesta. Uma das teses de Moyses é que a maioria das espécies nativas ou é espinhosa ou necessita de ambientes muito irrigados para crescer sadia, o que restringe projetos de paisagismo – seus principais clientes.

Apesar de as plantas de Moyses não servirem a quaisquer iniciativas de reflorestamento ou fins estritamente ambientais, tamanha variedade de espécies atrai pesquisadores e estudantes de paisagismo a botânica. Mesmo quem não tem interesse em comprar os exemplares tem a chance de conhecer, em diferentes fases de crescimento, todas as espécies de que Moyses dispõe – cada qual com informações aprofundadas organizadas em um banco de dados. Algumas são de impressionar, como a palmeira azul (bismarckia nobilis), nativa de Madagascar, ou a laca (cyrtostachis renda), árvore asiática que tem caule vermelho e a palmeira camurça (Dypsis lastelliana), que parece um carpete.

No horto, as palmeiras são tratadas como celebridades. Logo na entrada há um espaço que Moyses chama de show-room, com amostras das principais espécies que cultiva. “É a apresentação para enaltecer a beleza da palmeira. É como a preparação de uma noiva que vai casar”, compara. Num passeio por sua propriedade, ele mostra aos visitantes uma estufa climatizada eletronicamente com dois mil metros quadrados onde mantém espécies que já passaram por um estágio de recuperação, depois de serem transferidas de um lugar para outro em decorrência de seu crescimento. “Isso aqui é uma fábrica de palmeiras”, comemora.

As palmeiras são árvores geralmente rústicas e resistentes. Mas precisam de cuidados. Moyses lembra que, quando pequenas, devem estar protegidas do sol e orienta a procura de sementes sadias, além da leitura sobre as necessidades específicas de cada espécie. Os resultados estão na exposição de Moyses, que deseja ver daqui para frente seu horto recebendo delegações, mais pesquisadores e pessoas que venham a se interessar por palmeiras. “Quero que isso se torne um centro de consulta eterna, bem didático, para dinamizar o conhecimento”, afirma. Dedicação é o que não lhe falta. Passa o dia inteiro voltado para as palmeiras, tanto que já causou até ciúmes em sua esposa. “Uma vez minha mulher disse que achava que eu gostava mais das palmeiras do que dela. Eu não neguei, e respondi: mas eu gosto mais de você do que do Botafogo. Ela só faltou me matar”, diverte-se.

O Horto das Palmeiras é aberto à visitação durante a semana das 8h às 17h e fica na Estrada das Tachas, 1613, Ilha de Guaratiba, no Rio de Janeiro.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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