Foi a partir da Inglaterra do século XIX que o modelo econômico liberal, coroado pela Revolução Industrial, passou a ditar os rumos do planeta. Quão surpreendente não é ver que duzentos anos depois, são os britânicos a chegar a uma trágica conclusão: o mundo vive hoje uma falha de mercado jamais vista. O aquecimento global é o nome deste enorme erro. A equação é simples: toda a atividade econômica atual tem sido bastante lucrativa, mas como está baseada em emissões de poluentes é provável que num horizonte não muito distante tudo vá por água abaixo. O resultado foi delineado pelo ‘lord’ Nicholas Stern, antigo economista-chefe do Banco Mundial, que produziu sob encomenda do Ministério da Fazenda britânico o relatório “A Economia da Mudança Climática”.
Já apelidado de o “Relatório de Stern”, é possível que o documento se torne um marco das questões climáticas, como foi o “Relatório Brundtland” para o conceito do Desenvolvimento Sustentável, 1987. Nele estão reunidos as mais concretas evidências científicas de que o aquecimento global está em curso. Além disso , o economista esteve em diversas regiões do mundo, inclusive no Brasil, para avaliar quais seriam os impactos na economia caso se confirme que até a metade do século a temperatura mundial sofra uma elevação de 2 graus centigrados. De acordo com o estudo, existe a probabilidade de 77% que isso ocorra. Chegado o fim do século, se mantidos o formato atual dos sistemas de produção, o planeta pode estar até 5 graus mais aquecido. “Tais mudanças vão alterar a geografia do mundo, a humanidade entrará em um terreno desconhecido”, alerta o relatório.
O tom do relatório, como se pode ver pela frase acima, é bastante alarmante. Pelos conclusões a que chegou não poderia ser diferente. A perda que o aquecimento vai infligir sobre a economia são piores do que se imaginava. As estimativas anteriores estavam otimistas, pois falavam em 0,2% a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Mas no ritmo em que está, o mundo pode se preparar para perder pelo menos de 5% a 10% de sua atividade econômica no próximo século, garante o estudo. “A mudança climática terá no futuro um papel de ruptura como tiveram a depressão econômica e as grandes guerras no ínicio do século 20”.
Mas o quadro pode ser ainda pior. Os custos da mudanças climáticas são difíceis de mensurar pois não há muita precisão nos cálculos de perda da biodiversidade ou dos danos a saúde das populações. Assim mesmo, o estudo arrisca. Somando-se os impactos sobre os sistemas de produção com danos físicos sobre os seres-vivos, a redução da riqueza global poderá passar dos 10% e chegar a 20% já no próximo século, algo como 7 trilhões de dólares.
Recado para Bush
A maioria dos danos físicos será veículado pela água como a inudanção de cidades localizadas à beira-mar e a variação das monções no Sudeste Asiático. Além disso, é possível que milhares de pessoas na África deixem de obter sustento com a atividade agrícola. A Amazônia também poderia entrar em um regime climático que a levasse a perder sua biodiversidade. Com o aquecimento, poderemos observar a perda de 15% a 40% das espécies existentes na Terra.
Em seu relatório, Stern frisa o que muitos já vem dizendo: serão os pobres os mais afetados pela elevação das temperaturas. Não haverá recursos para a adaptação de moradias e sistemas de saúde. Neste último caso, observa-se que o aumento do calor poderia facilmente causar uma epidemia de doenças tropicais, como a malária. Entretanto, é interessante notar que num primeiro momento o aquecimento global poderá trazer benefícios econômicos alguns países ricos e frios do planeta, como o Canadá, a Rússia e os escandinavos. É possível que as safras agrícolas aumentem com o calor, assim como o economia de energia com sistemas de calefação. Por outro lado, outras nações desenvolvidas, como o próprio o Reino Unido, passariam a perder quase 1% de seu PIB agrícola.
O discurso que emerge das conclusões do “Relatório de Stern” parece afiado o suficiente para desfazer a ladainha do governo do presidente americano George W. Bush. Os Estados Unidos, como se sabe, recusam-se a cortar suas emissões alegando o impacto sobre a economia do país. Porém, colocando na ponta do lápis os riscos econômicos que estão embutidos em continuar a poluir a atmosfera, mitigar o aquecimento global é hoje um grande investimento. E ainda: quando mais se demorar para começar a combater o efeito estufa, maior será o custo.
O relatório defende que é preciso “descarbonizar” a atividade econômica, uma vez que desde 1850, todo aumento do consumo per capita é acompanhado por aumento de emissões. Para isso, as políticas desenhadas para conter as emissões deverão permitir que o pico de concentração de gás carbônico na atmosfera seja atingido em 10 anos para depois fazê-la cair a 3% ao ano, o que permitiria chegar a 2050 com uma concentração 25% menor que a prevista (550 partes por milhão). Se deixar para agir só na metade do século, os cortes anuais terão que ser 4 vezes maior.
Os recursos necessário para tal operação equivalem a 1% do PIB mundial, algo “totalmente possível” visto que a perda pode ser de até 20% se nada for feito. Quatro formas de mudar o rumo da economia são apontadas: reduzir o consumo de bens intensivos em emissão, aumentar a efiência no consumo evitando emissões, alterar as matrizes de energia e adotar políticas de desmatamento evitado.
O “Relatório de Stern” foi submetido à apreciação dos maiores economistas vivos do mundo, a maioria deles já ganhadores do Prêmio Nobel. Todos concordaram de que se trata de uma das análises mais precisas sobre a relação custo-benefício de se adotar ou não políticas de combate ao aquecimento global. “Ficou claro que a questão não é se podemos pagar para agir, mas se teremos recursos para pagar no futuro por não termos agido”, pontuou o Nobel de Economia Joseph Stiglitz.
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