Reportagens

O governo do manejo

A exploração de madeira passará a ocupar lugar de destaque na economia do Acre. Para os extrativistas o desafio é não deixar que a atividade se torne prioridade.

Gustavo Faleiros ·
17 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

No enorme galpão, à beira da BR-317, cerca de 500 pessoas suam sob o teto de zinco escaldado pelo sol amazônico. Do lado de fora, os ônibus que trouxeram os seringueiros manobram ao lado das Toyotas Hilux dos empresários. Todos se acomodam para assistirem à solenidade que é aguardada há anos. Neste dia, 23 de outubro de 2006, serão assinados os contratos de madeireiras e 140 famílias extrativistas que fornecerão madeira nativa à fábrica de pisos de Xapuri, a cidade berço de Chico Mendes, no Acre.


Quando começar a operar, a indústria consumirá uma quantidade significativa de madeira: 50 mil metros cúbicos por ano, o que equivale aproximadamente à carga de mil caminhões. Cumaru-ferro e breu serão as principais espécies de árvore a serem comercializadas. No evento, grandes empresas e pequenas comunidades assumiram o compromisso de atender a esta demanda. O governador do Acre, Jorge Viana, exaltado pela promessa cumprida, discursou longamente sobre sua política de desenvolvimento econômico que prioriza a exploração de produtos nativos. Segundo ele, é o momento da madeira ganhar um status maior. “Por 100 anos o Acre viveu apenas de duas árvores, a castanheira e a seringa. Isso não pode continuar.”


O manejo madeireiro, diz Resende, tem um grande potencial para consolidar a economia do Acre. Em 2005, o estado movimentou algo em torno de 200 milhões de reais com produtos florestais, uma cifra bastante inferior aos lucros advindos da pecuária, 316 milhões de reais. A intenção é que atividade madeireira possa elevar os ganhos do extrativismo a 1 bilhão de reais por ano.

De onde vem a madeira?

O manejo florestal se tornou uma porta de entrada para obter a madeira que está nas terras das pequenas propriedades. O Acre possuí um território de 15,3 milhões de hectares dos quais 92% ainda são cobertos por florestas. Deste percentual, 6 milhões de hectares são contabilizados pelo governo para se tornarem alvos de planos de manejo, sendo que 2,5 milhões hectares estão nas mãos de comunidades extrativistas.

O governo de Jorge Viana defende que a madeira se torne uma importante fonte de renda para os assentamentos. Parte da concessão da fábrica de pisos de Xapuri foi destinada à CooperFloresta, a cooperativa de extrativistas que negocia madeira. De acordo com o contrato, ao menos 15% dos lucros da indústria deverão ser dirigidos às comunidades. Os planos de manejo dos assentamentos serão feitos por consultorias contratadas pelo governo estadual. Ao todo, serão gastos 6 milhões de reais nesta etapa, dinheiro que sairá de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Dionísio Barbosa de Aquino, diretor da CooperFloresta, expõe com muita clareza que a madeira tem que ser apenas mais um produto a compor a renda dos assentados, e não a salvação da lavoura. A dificuldade será fazer com que as comunidades gerenciem muito bem seus ativos madereiros para que possam ao mesmo tempo continuar a explorar os produtos não madeireiros, como a castanha e o leite da seringa. “A vantagem que eu vejo quando se fala em plano de manejo é o estudo da floresta com outros olhos, passar a valorizar o uso múltiplo, usar tudo que a floresta pode lhe dar”, diz.

As experiências de manejo comunitário promovidas pelo governo do Acre até hoje geram muitas controvérsias. O caso emblemático é o da Floresta Estadual do Antimary, localizada na região central do estado. Estudos da Universidade Federal do Acre (UFAC) demonstraram que 80% da renda obtida com exploração madeireira ficou na mão da iniciativa privada. O que sobrou para os extrativistas locais foi dirigido a investimentos indiretos, como benfeitorias à comunidade. Apenas muito pouco, cerca de 10% dos lucros, se transformou em renda direta.

Com relação às questões ambientais, o que se viu no Antimary, observa o pequisador Gerson Albuquerque, foi a concentração dos planos de manejo em propriedades de poucas famílias o que acabou por esgotar o potencial econômico da madeira com uma rapidez muito superior que a prevista. Ao mesmo tempo, as comunidades empregaram toda a mão de obra no manejo e deixaram de obter renda em outras atividades. “Com os planos de manejo, o governo está fazendo exatamento o contrário do que sempre pregou, que é a diversificação de produtos”, critica Albuquerque.

Resende, secretário de Floresta, refuta as críticas ao Antimary. “Prefiro acreditar na certificação do Imaflora”, pontua ele ao citar o órgão certificador brasileiro. No caso das 140 famílias que participarão da fábrica de pisos, ele reconhece que o desafio é a gestão. As pequenas comunidades, diz ele, terão de aprender a valorizar sua madeira, caso contrário ficarão sujeitas a serem fornecedoras de toras, um mercado que tem mais oscilações de preços do que o produto beneficiado. No primeiro momento, afirma o secretário de Florestas, é esperado que vendam as árvores in natura, mas nada impede que no futuro as comunidades passem a serrar a madeira e negociá-la por preços melhores.

Iniciativa privada

Cerca de 1,8 milhão de hectares das áreas passíveis de exploração florestal no Acre (6 milhões) estão em poder de proprietários privados. Os sinais concretos de que a extração de madeira ganha força já movimentam o mercado. Um hectare de floresta com boa madeira chega a custar 600 reais, enquanto aquele com pasto, 300 reais. Empresas madeireiras que atuam na Amazônia enxergam no Acre uma nova fronteira e sondam proprietários prometendo pacotes completos, da elaboração do plano de manejo à extração da madeira.

Os madeireiros do Acre, contudo, querem afastar qualquer pecha de destruidores. A legalidade se tornou palavra de ordem no setor. Fátima Adelaide de Oliveira, a dona da Nova Canaã e presidente do Sindicato das Empresas Manejadoras do Acre (Simanejo), conta que a Operação Novo Empate acabou com a banda podre do setor no estado. Em junho deste ano, a Polícia Federal fechou cinco madeireiras ilegais e prendeu funcionários do Ibama que comercializavam licenças falsas. “Graças a Deus, hoje todos caminham dentro da legalidade”, garante. Agora o desafio é certificar as 23 companhias associadas ao sindicato. Apenas duas possuem certificação, enquanto outras cinco estão com os processos em andamento.


A madeireira de Fátima foi uma das que atuou na exploração da Floresta Estadual do Antimary e também será uma das sócias acreanas que controlará a fábrica de pisos de Xapuri. Além de gerenciar o empreendimento, a Nova Canaã será fornecedora de madeira. No início, os 50 mil metros cúbicos virão em grande parte de propriedades privadas, admite a empresária. Mas com o passar dos anos planeja-se que até 70% possa vir das comunidades extrativistas.

Na opinião de Fátima, para que as parceria entre as madeireiras e os extrativistas ocorram, o chamado manejo comunitário precisa “dar uma guinada” e adotar práticas comerciais mais eficientes. Ao lembrar a experiência no Antimary, a dona da Nova Canaã reclama que os custos de se explorar madeira com planos de manejo e certificação são muito altos. “Hoje os maiores compradores, os Estados Unidos e a China querem saber de preço e não de certificação”.

Para se obter os 50 mil metros cúbicos de madeira para a fábrica de piso de Xapuri serão necessários manter a exploração de ao menos 5 mil hectares de floresta a cada ano, a considerar que a média observada nos planos de manejo na região amazônica tem sido a obtenção de 10 m3 de madeira a cada hectare. Levando-se em conta apenas os 15 primeiros anos de concessão, necessita-se de 75 mil hectares manejados. Juntando-se a isso a infra-estrutura para a atividade, como estradas e barracões, tem-se uma porção expressiva de floresta para viabilizar o suprimento da fábrica de Xapuri.

O cientista do Centro de Pesquisa Woods Hole, Foster Brown, que atua há 14 anos como professor da UFAC estudando questões de desmatamento e queimadas, argumenta que o manejo florestal madeireiro é uma opção melhor do que o corte raso da floresta. Mas diante das largas áreas que sofrerão intervenções, ele levanta uma dúvida importante. “Haverá capacidade de fiscalizar tudo isso?”.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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