Reportagens

Calha verde

Simão Jatene, governador do Pará, tem tudo pronto para criar na região ao Norte do rio Amazonas, o maior mosaico de áreas protegidas em extensão contínua do mundo.

Manoel Francisco Brito ·
26 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

Político em fim de mandato no Executivo não faz nada de relevante? Simão Jatene, que deixa o governo do Pará em fins de dezembro, está com tudo para desmentir essa velha máxima. Ele tem em mãos os decretos, baseados em estudos técnicos e 12 consultas públicas, para criar um mosaico de unidades de conservação do tamanho de Portugal, Bélgica e Dinamarca juntos na Calha Norte do rio Amazonas no Pará. Somadas à Reserva Biológica do Trombetas, Estação Ecológica do Jari, Floresta Nacional Sacará-Taquera e três Terras Indígenas já implantadas na região, chega-se à 27, 2 milhões de hectares de áreas protegidas em extensão contínua, a maior do mundo. A cerimônia de assinatura dos decretos está marcada para o dia 4 de dezembro, em Belém.

Eles versam sobre o status futuro de 12, 7 milhões de hectares da Calha Norte a serem distribuídos por 3 Florestas Estaduais e duas unidade de proteção integral. As florestas, Parú, Faro e Trombetas, cobrirão cerca de 7, 6 milhões de hectares ao longo da faixa central da região. O que resta fora de Terras Indígenas na faixa Norte será repartido em uma Estação Ecológica, a Escudo da Amazônia, e uma Reserva Biológica. Mesmo em pedaços, a iniciativa é cheia de superlativos. A Floresta Estadual do Parú, com 3,6 milhões de hectares vira o maior terreno dedicado à produção florestal sustentada do mundo. A Escudo da Amazônia, do alto de seus 4, 2 milhões de hectares, leva o campeonato mundial em tamanho de área de proteção integral, título que agora pertence a uma unidade federal, o Parque Nacional do Tumucumaque, com 3,9 milhões de hectares.

Apesar de ter tudo planejado e pronto, Jatene ainda não deu um sinal definitivo aos técnicos que estão desde o início do ano envolvidos nesse projeto de que vai mesmo assinar os decretos. Mas incentivos não faltam. Os possíveis passivos fundiários e políticos, com quilombolas na região central e ruralistas ao Sul, estão resolvidos. No primeiro caso, seus direitos foram respeitados. No segundo, os interesses foram acomodados com a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) e o reconhecimento da faixa Sul da Calha Norte como zona de consolidação, conforme prevê a lei de macrozoneametno do estado. Ela praticamente não restringe a atividade econômica, que aliás, se desenvolve há algum tempo nessa faixa.

Conflito

É uma situação bem diferente da que existe nas áreas central e Norte da Calha, onde a presença humana ainda é esparsa. É provável que os ruralistas façam beicinho, reclamando que o Pará está com muita unidade de conservação, mas sem um boi ou agricultura crescendo sobre aquela floresta, sua capacidade de pressão é próxima do zero. Mas isso não quer dizer que para toda essa história chegar onde chegou, o processo tenha sido um passeio. Afinal, criar áreas protegidas no Brasil é sempre um projeto arriscado, sujeito à pancadas de tudo quanto é lado. Jatene tinha planos de criar as Florestas Estaduais em agosto e imaginava que elas incentivariam o governo federal a fazer unidades de proteção integral conectadas com as Terras Indígenas ao Norte.

Mas a campanha eleitoral esfriou os ânimos. Brasília não se mexeu como o governador gostaria e a disputa no estado entre seu partido, o PSDB, e o PT o fez sentar em cima da proposta. Áreas de proteção podem gozar de prestígio no imaginário popular, mas não costumam render muitos votos no plano local. O governador, no entanto, não parou de pensar no asunto e aacabou indo além do que pretendia. A idéia de criação das unidades de proteção integral consolidou-se em outubro, quando ficou claro que o governo federal não pretendia tomar essa iniciativa, mas se dispunha a dar uma ajuda discreta no processo.

Por essa época também, Jatene decidiu-se de vez a incluir no pacote outras duas Florestas Estaduais, ambas localizadas na Calha Sul do rio Amazonas, a do Iriri, na Terra do Meio, e a da Amazônia, na zona de influência da rodovia Transamazônica. Esta última é palco de conflitos entre madeireiros e comunidades da região, que têm visões diametralmente opostas ao destino que deve ser dado a ela. Os madeireiros acham a idéia da Floresta palatável. Os comunitários defendem a criação de uma Reserva Extrativista, promessa antiga de Brasília a eles. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Jatene, andaram conversando nos últimos dias sobre o futuro da área.

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