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Com a faca e o queijo

Deputados de Mato Grosso aprovam redução de 30 mil hectares de florestas e áreas úmidas nos parques estaduais Cristalino I e II. Agora, só o governador pode vetar a decisão.

Andreia Fanzeres ·
1 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

Por treze votos a quatro, deputados de Mato Grosso aprovaram um projeto de lei que finalmente unifica os parques estaduais Cristalino I e II, no extremo norte do estado. Desde 2001, essa tem sido a luta dos técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) por uma maior eficiência na gestão das áreas. Mas como os parlamentares de lá não costumam dar ponto sem nó, eles acrescentaram um substitutivo à proposta que excluiu dos parques uma área de 30 mil hectares, rica ecossistemas extremamente frágeis como brejos, afloramentos rochosos e floresta densa, além de áreas abertas clandestinamente após a criação das unidades de conservação.

Assim que soube da decisão, a superintendente de biodiversidade da Sema, Eliane Fachim, acionou o secretário de meio ambiente do estado, Marcos Machado, para uma conversa urgente com Blairo Maggi na manhã de segunda-feira, dia 4 de dezembro. O governador é o único com poderes para vetar a decisão dos deputados. Só que a sua sensibilidade ambiental é para lá de duvidosa. Foi seu vice-governador eleito, e atual presidente da Assembléia Legislativa do estado, Silval Barbosa, um dos parlamentares mais interessados na redução das unidades de conservação. Pudera: seu irmão é posseiro dentro do parque. “Se o governador for omisso ou não vetar essa redução absurda, estará assumindo a responsabilidade pelas consequências deste ato”, disse Fachim.

Mas não foi só. Além de reduzirem ainda mais os parques, que atualmente somam 187 mil hectares, os parlamentares determinaram a anexação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, vizinha aos parques e de propriedade de Vitória da Riva Carvalho – que não foi consultada nem ao menos comunicada previamente. Eliane Fachim não vê razões para a inclusão de uma área que já é titulada, protegida, e particular para dentro de um parque que tem terras públicas, regularizadas e também conserva áreas importantíssimas. “É inadmissível sobrepor essas áreas”, diz. Dona Vitória é que vai sair no prejuízo, já que tanto as terras quanto as benfeitorias de sua RPPN correm o risco de serem declaradas utilidade pública, para fins de desapropriação, como aliás, todas as outras que se encontram dentro dos limites redefinidos.

Os parlamentares ainda elaboraram artigos que aventam a possibilidade de terceiros poderem adquirir, por decisão judicial, título de propriedade dentro da unidade de conservação. Nesse caso, eles serão autorizados a desenvolver atividade de “turismo ecológico”. Na mesma linha, um outro artigo autoriza o poder executivo a manter uma estrada-parque na área protegida “a fim de possibilitar o turismo ecológico e propiciar o incentivo à pesquisa”, diz o texto. Uma brecha para ocupação não apenas das áreas importantes que foram excluídas, como do que restou dentro do parque. “Turismo sustentável já é premissa de qualquer parque. Não é preciso mais um recurso para garantir isso”, alega Fachim.

A superintenente, que vai comparecer pessoalmente à reunião com o governador, reconheceu que diante dessa proposta desastrosa é melhor deixar tudo do jeito que está e solicitar a Blairo Maggi que, por decreto, apenas unifique os parques. A Sema já havia admitido mudanças no traçado dessas áreas quando enviou sua proposta para a Assembléia Legislativa. A intenção era tão somente uni-los e retirar as áreas abertas antes da criação das unidades de conservação. “Mexeram tanto que agora é melhor esquecer. E que arquem com as consequências quem desmatou onde não devia”, diz.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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