Reportagens

Ação e Reação

Assembléia de Mato Grosso exclui área grilada do Parque Estadual do Cristalino e desapapropria Reserva Particular bem conservada ao lado da unidade de conservação. Soa a retaliação.

Eric Macedo ·
20 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

No melhor estilo do toma-lá-dá-cá, os deputados da Assembléia Legislativa de Mato Grosso unificaram os Parques Estaduais do Cristalino I e II na segunda-feira, mas em compensação reduziram a área total da unidade de conservação em 27 mil hectares. Esta área é considerada por ambientalistas e técnicos da Secretaria do Meio Ambiente do estado importante para a conservação – apesar de nos últimos anos ter sido alvo de grilagens, algumas envolvendo políticos locais.

Vinte e quatro horas depois, os deputados se reuniram novamente para votar, já em segunda instância, a criação de um novo Parque Estadual do Cristalino I, com 7,2 mil hectares e incluindo a desapropriação da RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural) Cristalino. A área tem 700 hectares e é mantida pela empresária Vitória da Riva, que corre o risco de perder para o estado outros 7 mil hectares que também lhe pertencem e que estão em processo de se tornar RPPN. A lei, formulada sem nenhum embasamento técnico, vai para sanção ou veto do governador Blairo Maggi – que na semana passada vetou a redução do Parque do Cristalino, mas nada adiantou.

Ao fim das votações, o clima entre Ongs e órgãos do governo envolvidos com o Parque do Cristalino era de tristeza e desabaratamento. A superintendente de biodiversidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), Eliane Fachim, disse à tarde, antes de ter acesso a um mapa que localizasse com precisão a nova área, que não entendia qual a intenção dos deputados. “Se a idéia é incluir no parque áreas que são importantes do ponto de vista ambiental, a Sema também quer acrescentar algumas”, diz ela. Também a secretaria foi pega de surpresa. O projeto não leva em conta as informações levantadas pelos seus técnicos, que divulgaram pareceres contrários à diminuição do Parque.

Retaliação

Revoltada com a medida, Dona Vitória da Riva acredita que se trate de uma retaliação pessoal dos deputados contra ela. “É inacreditável o que essa Assembléia é capaz”, diz. “Eles estão com raiva por causa da força que demonstramos nas campanhas que fizemos contra a diminuição do parque”. Não é a primeira vez que os deputados de Mato Grosso tentam desapropriar a RPPN Cristalino. O projeto de lei que diminuía e unificava os Parques do Cristalino I e II também previa a anexação da área. Mas o trecho foi retirado na segunda votação, depois de forte mobilização contrária do setor de turismo.

Dona Vitória lembra que em 2007 o governo federal fará uma campanha de estímulo às RPPNs. “Que incentivo você vai dar para o proprietário particular, se os deputados de Mato Grosso podem fazer isso?”, questiona. Sérgio Guimarães, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), diz que a Ong considera essa lei “de curta duração”. O Ministério Público, afirma, deve entrar com ações judiciais para impedir sua vigoração, uma vez que tanto a criação como a diminuição de unidades de conservação dependem de estudos técnicos, que não foram feitos. O procurador do Ministério Público Estadual de Mato Grosso responsável pela área ambiental, Gerson Barbosa, disse que aguarda receber cópia dos projetos para estudar medidas.

Dinheiro público

Segundo a assessoria de comunicação da Assembléia Legislativa, o novo parque é um “dente” entre o parque e o rio Cristalino, deixado de lado até o momento justamente por causa da pousada de Dona Vitória. Para a assembléia, a decisão faz todo o sentido. A área, afirma, é bem conservada, ao contrário dos 30 mil hectares excluídos na revisão anterior dos limites. Para a assessoria, tem mais lógica e bom senso incluí-la do que as outras áreas, que criaram tanta polêmica, mas que tinham famílias, igrejas e escolas. O que o assessor não diz é que tudo isso apareceu lá depois que o parque tinha sido criado.

Ele também não explica por que o órgão legislativo escolheu transformar em parque uma área particular bem protegida e referência no Mato Grosso na prática do turismo ecológico. A conservação agora garantida pelo investimento de Dona Vitória passará, no intento dos nobres deputados, a demandar dinheiro público. Sinal de que, em Mato Grosso, ele deve estar sobrando.

Leia também

Salada Verde
17 de maio de 2024

Avistar celebra os 50 anos da observação de aves no Brasil

17º Encontro Brasileiro de Observação de aves acontece este final de semana na capital paulista com rica programação para todos os públicos

Reportagens
17 de maio de 2024

Tragédia sulista é também ecológica

A enxurrada tragou imóveis, equipamentos e estradas em áreas protegidas e ampliou risco de animais e plantas serem extintos

Notícias
17 de maio de 2024

Bugios seguem morrendo devido à falta de medidas de proteção da CEEE Equatorial

Local onde animais vivem sofre com as enchentes, mas isso não afeta os primatas, que vivem nos topos das árvores. Alagamento adiará implementação de medidas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.