Na diplomacia internacional, o Brasil reluta em aprofundar seus compromissos no combate ao aquecimento global. Mas, por outro lado, no banimento dos gases nocivos à camada de ozônio, o país está se saindo bem. A meta de eliminar o uso de clorofluorcarboneto (CFC), que deveria ser atendida em 2013, foi alcançada neste início de 2007. Isso foi possível graças ao cumprimento de uma resolução do Conama de 2000, que estabeleceu uma diminuição progressiva de importação de CFC, chegando a zero este ano. Desde 2000, o gás não é mais utilizado na fabricação de sistemas de refrigeração. Agora, o desafio dos gestores ambientais é bastante peculiar: eles têm que fazer um bom ‘manejo de geladeiras’.
Hoje, o que ainda consome CFC no Brasil são geladeiras velhas e bombinhas de asma. Por isso, para garantir que este gás não vá parar na atmosfera, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) articulou um acordo com as empresas do setor elétrico. “Sobrou a manutenção, temos um grande estoque para lidar”, explica o diretor de Qualidade Ambiental do MMA, Rui de Góes. Calcula-se que existam 40 milhões de geladeiras funcionando à base de CFC no país.
A principal medida adotada foi treinar refrigeiristas. Com dinheiro do fundo multilateral do Protocolo de Montreal, o tratado que estipulou metas para a proteção da camada de ozônio, o Ministério firmou uma parceria com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e já formou 7 mil ‘mecânicos de geladeira’. Até o fim deste ano serão 10 mil profissionais. A questão é orientar o refrigeirista a não liberar o CFC quando estiverem consertando um aparelho. Em vez de deixar vazar, ele estoca e, o melhor, vende, afirma Goés. Hoje, um quilo de CFC pode valer de 5 reais a 20 reais.
Além de patrocinar o treinamento, o governo está investindo em empresas de reciclagem de CFC. Elas compram o gás estocado pelos refrigeiristas, tiram as impurezas e revendem a empresas que fazem manutenção de sistemas de refrigeração ou incineram o gás. Até agora existe apenas um companhia de reciclagem de CFC, a Frigelar, em São Paulo. O ministério ainda vai abrir concorrência para mais três recicladoras, uma no Rio, uma no Nordeste e outra em São Paulo. Todos os equipamentos de reciclagem são pagos pelo governo.
Bom negócio
No entanto, a reciclagem não é a única estratégia para lidar com todo o CFC que está disperso em milhões de geladeiras. A preocupação também se estende para uma boa quantidade aparelhos que estão velhos e em más condições. Uma parceria feita entre a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) e o MMA deu origem a um programa de troca de geladeiras. Com recursos que as distribuidoras obrigatoriamente têm que investir em eficiência energética, a empresa vai doar 13 mil geladeiras a pessoas de baixa renda. O cadastro de quem recebe a geladeira é feito com base no Bolsa Família, programa do governo federal.
Segundo a coordenadora de eficiência energética da Coelba, Ana Cristina Mascarenhas, já foram doados 6 mil novos refrigeradores. Neste processo, 350 kg de CFC foram recolhidos e vendidos a Frigelar ao preço de 5 reais o quilo. Ao final do programa, quase uma tonelada do gás daninho à camada de ozônio terá sido coletada. Também foi feita a reciclagem de 355 toneladas de aço, o que rendeu à companhia 92 mil reais; dinheiro que está sendo investido em outros programas sociais.
Além de evitar que o CFC vá para a atmosfera, o projeto de troca de geladeiras tem promovido uma significativa economia de energia. Segundo cálculos da Coelba, a redução média no consumo é de 42,9%. Isso significa que cada casa passou a consumir 39 kilowatts/hora a menos por mês. Somando-se todas as 13 mil geladeiras a serem trocadas, chega-se a 516 MW/h, o que depois de um ano acumula uma economia de 6 mil MW/h.
A razão para o impacto tão significativo é que a geladeira tem um peso enorme nas contas de luz da camada mais pobre da população. As estimativas são de que, no Sul e Sudeste, o eletrodoméstico representa 30% do consumo; outros 30% vão para o chuveiro elétrico e o restante para outras funções. No Nordeste, onde o calor dispensa a água quente, os refrigeradores podem ocupar 70% do consumo de energia de uma casa. Por isso, em termos de renda, uma geladeira nova representa, em média, um acréscimo de 20 reais. “Pode não parecer muito, mas para a população de baixa renda é muito importante, tem muito valor”, pondera Ana Cristina.
Para a companhia, o efeito econômico também tem sido positivo, pois houve um aumento de 50% na adimplência. Muitos passaram a receber as tarifas sociais de energia, o que permitiu o pagamento das contas. O bom resultado atraiu outras distribuidoras de energia. As companhias do Pará, Minas Gerais e Espírito Santo já desenharam programas semelhantes de trocas de geladeira. Nas estimativas do Ministério de Meio Ambiente, mais 40 mil aparelhos devem ser trocados.
Rui de Goés, do MMA, só lamenta que o CFC não possa ser remunerado dentro do esquema de redução de emissões de gases de efeito estufa criado pelo Tratado de Quioto. O CFC está entre as substâncias mais danosas no processo de aquecimento global. Mas as convenções do clima e do ozônio não se misturam, explica o diretor de Qualidade Ambiental. “É uma pena, porque se pudéssemos compensar as emissões de CFC, cada geladeira poderia render até 100 dólares”, calcula.
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