Volta e meia algum filme de espionagem em Hollywood mostra um mocinho, ou bandido, sendo perseguido por alguém que vigia cada passo seu por satélite, ao vivo. A tecnologia do sensoriamento remoto não chegou ainda a esse ponto. Mas as imagens geradas do espaço dão uma bela ajuda no monitoramento de áreas naturais importantes. No Brasil, em especial, dão uma mão à vigilância da Amazônia. Um exemplo é a nova ferramenta que será usada pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, para vigiar as áreas de floresta que terão a exploração seletiva de madeira permitida: o Detex (Detecção de Exploração Florestal).
Aprovada e regulamentada, a Lei de Gestão de Florestas Públicas ainda gera discussão. São muitas as vozes contrárias, que volta e meia destacam as incertezas quanto ao grau de controle que o governo terá sobre as florestas exploradas pelos madeireiros. Afinal, a derrubada de poucas árvores de determinadas espécies no meio da floresta não é tão visível quanto o desmatamento puro e simples. A ajuda de cima, nesse caso, será essencial.
O Detex já funciona, em uma fase inicial, mesmo antes de qualquer projeto de exploração ter sido aprovado pelo SFB. O projeto é o terceiro a fazer parte do programa Amazônia do Inpe, que conta com o Prodes (que faz a quantificação anual do desmatamento na região) e o Deter (que detecta quase em tempo real o desmate, permitindo a atuação em campo de equipes do Ibama).
As imagens do satélite Cbers (lançado pelo Inpe em parceria com a China) vão possibilitar ver se os madeireiros que tiverem um plano de manejo aprovado pelo Serviço Florestal estão se atendo às áreas permitidas e se estão respeitando o tempo necessário de recuperação da floresta. “O sistema só não permite ver a quantidade que está sendo retirada, nem as espécies que estão sendo exploradas”, diz Dalton Valeriano, coordenador do Programa Amazônia. Segundo o diretor do SFB, Luiz Carlos Joels, o monitoramento por satélite não substitui a constatação de campo. “Ele orienta essa ação, apontando as áreas problemáticas”, diz.
Essa fiscalização in loco vai ficar por conta do Ibama e dos órgãos ambientais estaduais. O que está sendo feito agora pelo Inpe é o mapeamento da exploração já existente – sem a regulação do SFB – na região do distrito florestal da BR163. Também é lá que devem aparecer as primeiras concessões, depois que tudo estiver mapeado e ao passo que cada um dos planos de manejo das sete Florestas Nacionais que compõem o mosaico ficarem prontos. “O Ibama está fazendo o zoneamento, com o apoio do SFB”, diz Joels.
Outras tentativas
A idéia do Detex surgiu a cerca de um ano e meio. Veio do chefe do SFB, Tasso Azevedo, antes mesmo que a instituição existisse. “Ele me perguntou se dava para monitorar por satélite. Eu respondi que sim”, conta Dalton. Alguns trabalhos científicos apontavam para essa possibilidade. Apesar de ser difícil ver a exploração numa imagem fiel da floresta, a cena (como são chamadas as imagens de satélite) pode ser manipulada para ressaltar os rastros deixados na área depois da retirada de árvores (foto). O que, na imagem original, fica camuflado e difícil de identificar em uma imagem completamente verde, sobressai a partir de uma combinação especial entre os elementos que compõem a imagem (as folhas verdes, o solo e sombras). “Nós não conseguimos ver o espaço vazio deixado por uma única árvore. O que se vê são os pátios abertos pelos madeireiros, além dos caminhos feitos por eles em meio à floresta”, explica.
Outros métodos para o monitoramento estão sendo testados paralelamente. O Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) tem uma metodologia própria, baseada nos estudos do diretor do instituto, Carlos Souza, que escreveu uma tese de doutorado sobre o assunto. O sistema deles, entretanto, usa imagens, mais precisas, do satélite norte-americano Landsat – que, no entanto, está com o prazo de validade vencido há tempos e deve bater as botas em breve. O Imazon estuda agora como aplicar a sua metodologia às imagens do Cbers.
Passo a passo
Mais tarde, haverá um cruzamento dos resultados obtidos por ambas as tentativas, para estabelecer o método mais eficiente. Souza diz que esse tipo de monitoramento pode ter precisão de 85% a 95%. “Nós temos muito boa resposta a todo o dano causado ao dorsel [às copas das árvores]. O que é feito embaixo, no sub-bosque, é difícil. Tem coisa que não vai dar para fazer”, diz Souza. “O desafio agora é fazer com que o sistema dependa menos das pessoas. A abordagem do Imazon é computacional, enquanto o sistema do Inpe depende muito de intérpretes”, completa.
Além do Inpe e do Imazon, participam das pesquisas o Inpa (Instituto de Pesquisas da Amazônia), o Museu Goeldi e o Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia). Eles se encontraram em outubro de 2006 para discutir a metodologia a ser usada no sistema. O Ministério do Meio Ambiente liberou 1 milhão de reais para o desenvolvimento da tecnologia. Segundo Dalton, nesse trabalho inicial talvez sobre espaço (ou melhor, dinheiro), para um mapeamento maior, incluindo outras áreas prioritárias para o Serviço Florestal, como a BR-319 e a região de Carajás. No limite, a idéia é ter informações de toda a Amazônia. “Nós trabalhamos sempre na frente da demanda. Mas é preciso dar um passo de cada vez”, diz.
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