Reportagens

Deu mico

Grupos de mico-leão-dourado foram avistados numa área do estado do Rio de Janeiro onde a espécie é considerada extinta. Especialistas ainda não descobriram de onde eles vieram.

Priscila Geha Steffen ·
8 de maio de 2007 · 18 anos atrás


Esta é uma das raras e boas descobertas das últimas décadas. A baixada fluminense faz parte da distribuição geográfica original do mico-leão-dourado, mas atualmente a espécie só é encontrada em número significativo na Reserva Biológica Poço das Antas, em Silva Jardim, município fluminense que fica a cerca de 130 km de Duque de Caxias.

O primeiro avistamento aconteceu em agosto de 2006 e o bando era composto por cerca de 15 indivíduos. O biólogo e professor Carlos Burity, diretor do Instituto de Biociências da Unigranrio Duque de Caxias e responsável pela redescoberta da espécie na região, diz que não foi fácil registrá-la. “Estava muito tumulto, tinha muita gente no dia e não deu pra fotografar. Os animais correram, eles são muito arredios”.


Comprovada a descoberta, começaram os questionamentos. Como estes bichos apareceram lá? As opiniões se dividem quanto à origem dos micos-leões-dourados no parque municipal. Denise Rambaldi, secretária geral da Associação Mico-Leão-Dourado, acredita que eles tenham sido soltos na região. “Acho pouco provável que estes animais tenham aparecido ali por vontade própria. Provavelmente foram soltos por alguém que os tinha em cativeiro ou por alguma outra razão”, defende Rambaldi. O primatólogo Alcides Pissinatti, diretor do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, discorda. “Na minha opinião, estes animais ficaram ali, mas saíram do conhecimento da gente. A área em volta é degradada, eles foram um pouco para cima, agora a coisa acalmou e eles voltaram para baixo. Não acho que alguém soltou ali, até porque hoje existe um grande controle, quase total, sobre a população dos micos”, explica Pissinatti.

O biólogo do parque municipal, Nelson Barroso da Conceição, que viu os grupos mais de uma vez, acredita que se os micos tivessem sido soltos, não sobreviveriam. “Os dois grupos que vimos são grandes. São famílias bem estruturadas, não tão novinhas a ponto de alguém chegar e soltar aqui. Existem muitos calitrix (conhecidos como micos-estrela) aqui, que disputam território, e se você soltasse um mico-leão-dourado sozinho ele não sobreviveria”. O professor Carlos Burity pondera e diz que é preciso estudar se é um animal que veio de uma área vizinha ao parque ou se existe uma população remota que nunca foi descrita, e isso só será possível por análise genética.

Mapeados


O parque municipal é limítrofe à Área de Proteção Ambiental (APA) (foto acima) de Petrópolis e à Reserva Biológica (Rebio) do Tinguá, áreas com alta concentração de biodiversidade. Isso poderia explicar a presença do animal ameaçado nesta região de baixada, mas Rambaldi diz que não existem registros de ocorrências de mico-leão-dourado nas duas áreas de conservação. 


A existência deste primata na baixada fluminense já foi descrita pelo
primatólogo Adelmar F. Coimbra-Filho, um dos maiores estudiosos de primatas neotropicais. Ele afirma que, em 1945, esses bichinhos de semblante carismático, porém selvagens, habitavam a região. Na abertura da revista Rodriguésia (Volume 57 – nº 3/ 2006), publicação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Coimbra-Filho descreve que “até poucos decênios atrás, indivíduos de mico-leão-dourado eram capturados e negociados a preços irrisórios nas vizinhanças da cidade do Rio de Janeiro. A distribuição geográfica original do mico-leão-dourado abrangia formações silvestres na Baixada Fluminense, onde ainda eram observados com relativa facilidade nas melhores matas”. Coimbra-Filho diz que mesmo com a população de micos bem reduzida, viu, com os próprios olhos, três indivíduos adultos no município de Itaguaí, mais ao sul do estado. O estudioso cita que Johann Natterer, um zoólogo austríaco, registrou a espécie em Pedra Piai, próximo à Barra de Guaratiba, em meados do século XIX. Portanto, acredita-se na existência do mico-leão-dourado nesta região até meados da década de 40.

A bióloga Cecília Kierulff, do Zoológico de São Paulo, mestre e doutora na distribuição geográfica original do mico-leão-dourado, já observou a ocorrência da espécie até 500 metros de altitude, em uma área onde provavelmente eles foram empurrados pelo desmatamento na baixada. “Originalmente, eles ocorriam até 300 metros,em toda região costeira do Rio de Janeiro, de Itaguaí até o sul do Espírito Santo”, diz.

Área crítica


Atualmente o parque desenvolve o projeto de Guarda Florestal Mirim com a rede municipal de educação e 120 crianças fazem o curso de educação ambiental. Nos finais de semana, quando a visitação é maior, o biólogo Leandro Duarte promove mutirões com estagiários da universidade para conscientizar os visitantes e sinalizar e colocar lixeiras nas trilhas. “O início de um trabalho de educação ambiental é difícil, mas as pessoas têm mostrado interesse em ajudar a preservar”, diz Duarte.

O parque não cobra taxa de visitação e recebe, segundo as contas do biólogo, de 2 a 3 mil visitantes por final de semana. Além da intensa visitação, existem 11 famílias que vivem dentro da unidade de conservação. A região tem ainda a presença de uma fábrica de tecidos, a Nova América, que, segundo o professor Burity, é responsável por grande parte do crescimento populacional no entorno do parque. “Nós temos que inserir a fábrica no processo de preservação, eles têm que fazer investimentos, não tem outra alternativa. Têm que se adequar até porque temos o Rio Taquara cruzando a unidade de conservação. Tem até um paintball na área do parque!”.

A baixada fluminense é exemplo do alto grau de degradação e ação antrópica na Mata Atlântica. A existência do mico-leão-dourado na região pode impulsionar os esforços na preservação.

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