A faixa de praia é cada vez menor em alguns pontos da costa brasileira. E um dos motivos é a erosão costeira associada à elevação do nível do mar. O Ministério do Meio Ambiente dispõe de diversos estudos que comprovam o fenômeno.
Em Conceição da Barra, no Norte do Espírito do Santo, a água já tomou um vilarejo. Histórias parecidas são testemunhadas em Atafona (próximo à foz do rio Paraíba do Sul no Rio de Janeiro), na foz do rio São Francisco (na divisa de Alagoas e Sergipe) e em Mostardas, no litoral médio do Rio Grande do Sul.
O Ministério tem mapeadas quais seriam as primeiras áreas afetadas não só por águas salgadas, mas também por possíveis inundações e enchentes decorrentes do aumento do volume dos rios. As áreas de maior potencial de risco são aquelas com baixas altitudes e com grande adensamento populacional, como a Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro e as regiões metropolitanas das capitais Recife, São Luis e Macapá.
A publicação “Erosão e Progradação (onde a faixa de praia aumenta) do Litoral Brasileiro”, organizada pelo professor da UFRJ Dieter Muehe, aponta que em Paraíba e Sergipe aproximadamente 50% do litoral sofrem de erosão costeira. No litoral da Bahia, o maior do Brasil, com 1.054 quilômetros de extensão, 26% (274 km) apresentam um quadro de erosão acentuada. Principalmente no Sul, na região da Costa do Descobrimento, onde estão as praias de Cumuruxatiba, Prado e Caravelas e na Bahia de Todos os Santos, em Salvador e Vera Cruz. Em outros 14%, a faixa de praia está maior.
Problemas para portos
Além da erosão, o aumento do nível dos oceanos pode gerar sérios problemas de infra-estrutura em portos e hidrovias e a salinização de estuários. O geógrafo João Nicolodi, doutorando em geologia marinha do Programa de Gerenciamento Costeiro e Marinho do Ministério do Meio Ambiente, cita o caso da Laguna dos Patos, a maior em extensão do Brasil. Atualmente, a água salgada entra aproximadamente 60 quilômetros Laguna a dentro até a ponta da Feitoria, no município de Pelotas. Mas em condições extremas, com vento Sul forte, a água salgada já atingiu 110 km, nas proximidades do Delta do Rio Camaquã. “Caso as previsões do IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) se confirmem, da temperatura aumentar 2 graus acima dos níveis pré-industriais, em um caso extremo, a água salgada aumentará a sua distribuição, podendo chegar na porção norte da Laguna, no encontro de suas águas com as do Lago Guaíba. Isso causaria grandes impactos, pois mudaria o habitat de diversas espécies”, exemplifica.
“Mesmo que o avanço seja menor do que está se prevendo neste século, ou mesmo que as taxas de elevação se mantenham iguais aos que já têm sido observados pelos pesquisadores brasileiros (uma média de 4,1 milímetros por ano), os impactos serão enormes, com graves conseqüências.”, diz Nicolodi. Outra mudança estudada é a salinização de aqüíferos, os grandes reservatórios de água doce.
Falta de monitoramento
>Apesar de se saber as conseqüências do aumento do nível do mar, o governo brasileiro destina poucos recursos para o acompanhamento do problema. O monitoramento da erosão costeira hoje é feito em apenas alguns pontos, de forma isolada e por pequenos períodos por centros de pesquisas. O próprio Ministério não sabe exatamente quantos locais são monitorados. O único monitoramento contínuo é o do nível do mar, feito pelo Sistema de Observação Global dos Oceanos (GOOS, sigla em inglês do Global Ocean Observeing System) , vinculado à Marinha do Brasil. O GOOS/Brasil dispõe de uma rede de marégrafos (equipamento que mede o nível do mar) espalhados pelo Brasil.
O climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que contribuiu com os relatórios do IPCC, disse recentemente à imprensa que o Brasil é um vazio no monitoramento de fenômenos físicos e biológicos. Segundo ele, é preciso criar núcleos de pesquisas em diversas áreas, incluindo as regiões costeiras, para se avaliar os efeitos do aquecimento.
Já Nicolodi defende a adoção de um controle mais rigoroso, que impeça a ocupação desordenada da zona costeira, onde as Áreas de Preservação Permanente (APPs) – como dunas, mangues e restingas – sejam respeitadas. Esses ambientes protegem a costa do avanço do mar. Outra restrição seria a proibição de construções em uma faixa de praia e nos seus ambientes contíguos, com largura mínima entre 100 a 200 metros. Um dos problemas é que o licenciamento para ocupação dessas áreas é feito pelos estados e municípios, que muitas vezes fazem “vistas grossas” para o que determina a legislação ambiental.
O pesquisador acredita que para encarar essa ocupação “insustentável” sob o ponto de vista ambiental, o ideal seria a incorporação de critérios ecológicos para aplicação de recursos e financiamentos. “O financiador precisa se perguntar: vale a pena colocar dinheiro em áreas vulneráveis, como tem ocorrido com os resorts a beira mar no Nordeste?”, indaga.
* Sílvia Franz Marcuzzo é freelancer em Brasília.
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