Reportagens

Floresta em terra devastada

Projeto de Distrito Florestal na região de Carajás quer estimular o plantio de florestas exóticas e nativas para uso econômico numa das partes mais detonadas da Amazônia.

Eric Macedo ·
25 de maio de 2007 · 18 anos atrás

Oficialmente, ainda restam 50% de floresta dentro do perímetro do futuro Distrito Florestal de Carajás (que abrange 25 mil hectares entre Pará, Tocantins e Maranhão). Mas viajando pela área, é difícil acreditar no número. Quem pega a estrada de ferro da Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, que liga a Floresta Nacional do Carajás (PA) ao porto de São Luís (MA), encontra pelo caminho uma terra onde impera o pasto, pontuada por algumas plantações de eucalipto ou paricá (uma espécie nativa de crescimento rápido). Se depender dos idealizadores da proposta, levada a frente pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), as pequenas plantações de árvores serão em breve mais presentes na paisagem.

Entre os dias 14 e 18 de maio, uma equipe do governo federal visitou quatro cidades na região – Marabá (PA), Paragominas (PA), Açailândia (MA) e Araguatins (TO) – realizando audiências públicas para colher sugestões e críticas à proposta, que ainda pode se modificar. O procedimento não é obrigatório, mas serve para medir o grau de engajamento da população local. “Se sentirmos que não há aceitação, pode ser que o projeto não saia”, disse nas consultas Tasso Azevedo, diretor geral do SFB. A idéia foi recebida com algum entusiasmo entre empresários e políticos da região, mas com desconfiança por movimentos sociais.

Ao contrário do primeiro distrito florestal implementado na Amazônia, na região da BR163, o distrito de Carajás não se concentrará apenas na concessão de planos de manejo para organizar a exploração da floresta. O motivo é simples: aqui são poucas as árvores a serem manejadas. E o cenário atual não poderia ser mais desanimador para as que restam. A região é uma das duas únicas onde o desmatamento cresceu no último ano (a outra é a Ponta do Abunã,na divisa entre Rondônia, Amazonas e Acre), as indústrias siderúrgicas usam carvão vegetal produzido ilegalmente e o gado ganhou na última semana o estímulo de ser considerado livre da febre aftosa (o que lhe abrirá caminho no mercado externo). O que se pretende com o distrito é propor dispositivos que facilitem o reflorestamento, para uso econômico. Um exemplo é o crédito do BNDES, que incluirá um mecanismo para compra antecipada da madeira produzida (o produtor recebe o dinheiro ao longo do período em que as árvores estão crescendo).

Também será criado um centro em parceria com a Embrapa para desenvolver pesquisas ligadas à silvicultura de espécies amazônicas. O SFB estima que seja possível plantar florestas em cerca de um milhão de hectares, a maior parte com espécies nativas, para produzir anualmente cinco milhões de metros cúbicos de toras para serragem e 17 milhões de metros cúbicos de madeira para carvão. Também haverá espaço para fruticultura e biocombustíveis, com ênfase em sistemas agroflorestais e agrosilvipastoris. Há intenção de ter como parceiros assentamentos rurais, que, segundo o projeto, deverão ter licencamento ambiental (coisa prometida pelo Incra em um Termo de Ajustamento de Conduta de 2003, que tem tido o prazo para cumprimento prorrogado desde o ano passado, já que pouco foi feito). O distrito comporta mais de 400 assentamentos, grande parte dos quais começa com a total derrubada da floresta nativa.

Carvão plantado

O Pólo Carajás é o maior produtor de minério de ferro do mundo. São 14 usinas num raio de 150 quilômetros, que consomem 14 milhões de metros cúbicos de carvão ao ano – três a menos do que o SFB estima ser possível produzir sustentavelmente. Hoje, pelo menos 60% desse total têm origem ilegal, marcada por uso de mão-de-obra análoga à escrava, com péssimas condições de trabalho. Com a imagem cada vez mais desgastada e tendo em vista operações do Ibama que apreenderam 200 mil metros cúbicos de carvão ilegal só no último ano (o que equivale a três mil caminhões), a perspectiva é que a produção seja atingida em breve. A falta de combustível legal tem deixado inquietos os produtores. “Não dá mais para viver nesse país”, reclamava ao fim da audiência de Marabá o presidente da Associação de Produtores de Ferro Gusa de Carajás, Afonso Albuquerque Oliveira.

Azevedo não vê muita saída para a crise, no curto prazo. Segundo ele, é provável que a produção diminua enquanto não houver oferta de carvão legal suficiente para suprir a demanda das indústrias. Associações de carvoeiros apostam na idéia do distrito, assim como o setor siderúrgico. Mas até que as árvores cresçam, lá se vão no mínimo sete anos de espera (no caso do eucalipto, por exemplo). Com isso, marca-se para 2015 a legalização do setor no nível atual de produção. Enquanto isso, (levando-se em conta o esforço do setor em abandonar a ilegalidade) há também possibilidade de que as empresas comecem a empregar carvão mineral (coque) no processo, um combustível mais poluente e caro. Outra opção será o corte do pouco que ainda resta de floresta fora de reserva legal em propriedades regularizadas.

Resistência

A consulta de Marabá, no Leste do Pará, foi marcada por pedidos para que o distrito fosse aumentado. O governo do Pará propôs formalmente a inclusão de mais de 20 municípios. Já em Açailândia , na segunda rodada de discussões, aconteceu exatamente o oposto. A proposta foi recebida com desconfiança por movimentos sociais, que a viram como uma medida imposta à região pelo governo federal e criticaram o estímulo de espécies de rápido crescimento, como o eucalipto (conhecido por gerar impactos ambientais quando plantado em regime de monocultura). Também era clara uma certa desinformação quanto ao teor do projeto. “Isso é uma forma do governo seguir com as obras do PAC”, disse um representante de povos indígenas, Diego Janatã. Logo que a palavra foi aberta ao público, choveram reclamações indignadas. “As quebradeiras de côco de babaçu repudiam essa proposta”, dizia em alto tom a presidente da Associação Interestadual de Quebradeiras de Côco de Babaçu, Maria Adelina Chagas.

Para Adriana Carvalho, superintendente do Ibama em Imperatriz do Maranhão, a posição dos movimentos reflete o trauma da população local com uma série de grandes projetos do governo para a Amazônia, que sempre prometeram o desenvolvimento da região. “Na prática, só se refletiram em mais desigualdade social e degradação do meio ambiente”, diz. O clima da audiência foi “esquentado” por aparelhos de ar condicionado que não davam conta do recado e por cadeiras de plástico que, de tempos em tempos, cediam ao peso de seus ocupantes. Nada propício para uma conversa calma. O SFB quer que o distrito seja decretado na primeira semana de junho, pelo menos no que diz respeito aos estados nos quais as audiências foram mais tranqüilas. Mas Azevedo planeja mais diálogo com os movimentos sociais no Maranhão antes consolidar a idéia ali. “Nada impede que o estado entre depois”, diz ele.

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