Você já deve ter percebido: apesar do discurso de que a moda está cada vez mais democrática, de tempos em tempos, algumas tendências reinam quase que absolutas nas araras e prateleiras. Algumas coleções atrás, os sapatos de bico redondo eram unanimidades nas lojas de calçados femininos, principalmente para as mais jovens. E ai da mulher que procurasse por um bico fino para ir a um casamento. Já na moda masculina mais jovem, não faz muito tempo, a influência da cultura negra americana (com seu culto ao hip-hop e ao basquete) foi tamanha que era impossível encontrar uma blusa masculina que não tivesse algum número estampado em tamanho gigante. Tanto que, até hoje, sexta-feira à noite as boates mais parecem uma espécie de bingo humano, com tantos 33, 18, 29, 69 e 11 enfileirados e se sacudindo. É ou não é verdade?
De algumas coleções para cá, parece que foi oficialmente aberta a temporada de bichos. Basta uma rápida olhada nas vitrines de outono/inverno – principalmente as de roupas femininas – para percebermos a presença de estampas e materiais que celebram onças, zebras, crocodilos, vacas, cobras, leopardos, numa verdadeira apoteose zoofashion.
Segundo Mey Leng Pereira, do Departamento de Moda da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, o fenômeno pode ser explicado pelo fato de a moda estar sob a influência da década de 80. “Aqueles foram anos com muita estampa animal – muita onça e zebra especialmente. É que, nos anos 80, as matérias-primas se baratearam e, pela primeira vez, foi possível imitar o glamour das peles verdadeiras que, antes, só eram usadas pelas divas de Hollywood, nas décadas de 50 e 60.”
O cinema também é a razão apontada por Lu Catoira, coordenadora da Faculdade de Design de Moda do Senai-Cetiqt e professora em outros cursos de moda no Rio de Janeiro. “É a Sétima Arte que traz a idéia de que a mulher chique usava uma estola com rabo de raposa, a partir dos anos 30. E isso entrou no inconsciente coletivo como um símbolo feminino de força, de poder de conquista, de sensualidade… e a pele ficou como um elemento de charme.”
Um charme que, aliás, de ecologicamente correto não tinha nada. Inevitavelmente, surge uma dúvida: será que todo esse revival das estampas animais pode influenciar o público consumidor, afastando-o de um comportamento ecologicamente comprometido? “Só num mercado de alto luxo. Porque aí estamos falando de casacos de pele legítimos”, é a opinião de Thaís Faria, que até bem pouco tempo era responsável pela estamparia da grife Maria Bonita e recentemente partiu em carreira solo. “Acho que qualquer pessoa hoje em dia tem a noção de que a onça, a zebra ou o ‘croco’ que ela está comprando é falso, é sintético. O consumidor de classe média, quando adquire um produto com estampa de animal, não está pensando no animal em si, mas no efeito visual que aquela estampa vai gerar.”
A Professora Mey Leng acrescenta: “Mas, mesmo que usar oncinha não seja o comportamento mais ecologicamente correto, como podemos dizer para as mulheres não usarem? Principalmente no caso do universo feminino, em que quase todas as peças de roupa são tingidas ou estampadas, ou seja: passam por processos químicos que são ecologicamente questionáveis. O que quero dizer é: tal como a oferta da moda é hoje, se elas só puderem usar roupas ecologicamente corretas, vão acabar não tendo nada para vestir!” E isso num país em que o debate sobre moda ecologicamente correta é um dos mais avançados, conforme afirma a professora, que acaba de chegar de uma viagem em que percorreu cidades como Barcelona, Londres, Paris, Xangai e Tóquio: “O debate sobre o ecologicamente correto, no mundo de um modo geral, é ainda muito fraco. Eu diria que o Brasil é que está bombando sobre o tema! Aqui e no Japão é que o assunto ganha mais destaque. E na França, um pouco. No resto da Europa e nos EUA você nem vê tanto esse assunto”.
Uma das razões para que o debate sobre o tema ainda seja tão incipiente é que a moda ecologicamente correta ainda é muito cara. Mey Leng acrescenta: “Ainda não dá pra debater o ecologicamente correto porque não há produção de matérias-primas, de fios, de tecidos que viabilizem uma moda ecologicamente correta numa escala que seja acessível ao consumidor final. O consumidor médio ainda não tem poder aquisitivo para consumir o ecologicamente correto.”
Mas há iniciativas que demonstram uma conscientização. Segundo Lu Catoira, a indústria da moda hoje em dia usa couros de bois e peixes que, de qualquer forma, já são mortos para o consumo de suas carnes. Os couros desses animais passam por um processo de curtume para ficarem com o aspecto da pele de um desses animais cobiçados pelo mundo da moda. “Dependendo da espécie de peixe, o couro dele fica mesmo parecendo com pele de cobra. Já o couro de boi, por conta dos processos tecnológicos, pode ganhar um aspecto de crocodilo, de lagarto – mas tudo imitação, preservando os animais originais.” Afinal de contas, as estampas de animais já demonstraram que têm fôlego para permanecer na moda, ora como personagens principais, ora como coadjuvantes ou às vezes em detalhes quase imperceptíveis. Mas é pouco provável que elas entrem num processo de extinção fashion.
Trocando em miúdos: a evolução tecnológica da indústria da moda já dá a chance ao público de usar e abusar das onças sem que uma única precise ser morta. E, dessa forma, elas possam ser – tal como os diamantes da canção – para sempre. Já é um passo no sentido da conscientização ecológica e da atenção à preservação, ainda que, como muitos profissionais do próprio setor admitem, a estrada seja longa e haja muito o que debater e melhorar.
*Diego é jornalista no Rio de Janeiro.
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