Reportagens

Mutação forçada

Pesquisador alerta sobre a necessidade da interferência do homem na adaptação dos ambientes selvagens às mudanças climáticas. As unidades de conservação são estratégicas.

Redação ((o))eco ·
19 de junho de 2007 · 17 anos atrás


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A adaptação da humanidade às mudanças climáticas não deve ignorar a necessidade de preparar as áreas naturais para enfrentar os novos tempos. Elas têm papel primordial na salvação de espécies. E uma aliança entre cientistas, governo e conservacionistas é fundamental para transformar esta idéia em ação, afirmou Jeff Price, do Departamento de Ciências Geológicas e Ambientais da Universidade Estadual da Califórnia (EUA) , em palestra no V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Foz do Iguaçu.

No passado, os ecossistemas do nosso planeta vivenciaram mudanças climáticas drásticas e foram capazes de responder ao processo. Mas eles lutaram basicamente contra um fator natural. Hoje a presença humana desequilibra esta batalha ao expor o meio ambiente a outras pressões como espécies invasoras, poluição e degradação de habitat. Por isso, na visão de Price, para a natureza vencer o desafio climático imposto pela sociedade moderna, ela precisará de intervenção humana em seu favor. A começar, pelo desmatamento evitado, que freia tanto a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera quanto permite uma maior preservação da biodiversidade. Segundo Price, reduzir as emissões de CO2 e evitar novos desmatamento seria o equivalente à criação de um seguro de proteção à biodiversidade dos ecossistemas – o que seria um bom começo.

Se as medidas de mitigação contra o aquecimento global hoje adotadas conseguirem impedir que a temperatura suba mais de 2o C acima do nível registrado na época pré-industrial, já será um grande passo para a conservação. Acima deste ponto, os riscos de extinção se tornam maiores e os processos se aceleram. Abaixo disso, adaptar a natureza à nova realidade terrestre será mais viável. E os métodos mais baratos.

O objetivo primário dos gestores de unidades de conservação deve ser aplicar técnicas de manejo que ajudem os ecossistemas protegidos a criar defesas contra as novas temperaturas. Para isso, eles devem entender a natureza das alterações climáticas e ecológicas previstas para acontecer em suas regiões. Na América Latina, por exemplo, o segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2007 prevê que um aumento significativo da temperatura e o conseqüente ressecamento do solo devem transformar partes da Amazônia em savanas empobrecidas. E que regiões hoje semi-áridas, como o Nordeste, podem mergulhar num processo de desertificação. O monitoramento dessas mudanças e a observação da reação dos ecossistemas a elas indicarão o que precisa ser feito para minimizar seus impactos.

Enquanto os sinais não forem claros, é possível proteger a biodiversidade mantendo-a saudável para enfrentar os desafios futuros. Portanto, e necessário eliminar espécies invasoras, poluição e evitar degradação e fragmentação de habitas. Como também é importante garantir a existência de corredores ecológicos entre as unidades de conservação para permitir tanto a migração de espécies – se necessário – quanto a troca genética, um importante álibi na luta contra a extinção. Como lembrou Price, “Quanto mais diversa uma população for geneticamente, maior será a possibilidade da espécie ser capaz de se adaptar naturalmente às mudanças climáticas.” O mesmo modelo se encaixa aos habitats. “Mudanças rápidas no clima e nos habitats provavelmente aumentarão a oportunidade para espécies invasoras se espalharem devido à fácil adaptação a situações de distúrbio.” Para o pesquisador, gestores de áreas protegidas não devem tirar o olho das espécies invasoras.

A expansão dos limites de unidades de conservação em regiões ainda bem protegidas também é uma ação válida na opinião de Price, que sugere que elas sejam feitas na direção dos pólos ou em termos de altitude – uma forma de antecipar a resposta das espécies às mudanças de temperatura. Este tipo de reação já foi detectado em algumas partes do planeta.

Como a migração de animais e plantas selvagens é cada vez mais difícil diante das barreiras urbanas e agrícolas cada vez maiores que os separam de outras áreas conservadas, políticas nacionais para compor mosaicos e corredores verdes através de reservas públicas ou particulares é uma ação eficaz e com um bom custo-benefício, diz Price, que ainda defende estratégias de migração transfronteiriças.

A falta de ação hoje, tanto para diminuir o aquecimento da Terra quanto para ajudar na adaptação da biodiversidade às mudanças climáticas, pode obrigar a sociedade a adotar medidas mais caras num futuro não muito distante. Principalmente para recuperar serviços ecossistêmicos escasseados ou perdidos. O homem então terá que fazer a tarefa de polinizador, dispersor de sementes, terá que contribuir para os ciclos de nutrientes e garantir a estabilidade dos ecossistemas. A restauração de habitats sob forte degradação ou a criação de novos onde a regeneração natural é pouco provável serão opções demasiadamente caras e provavelmente refutadas, acredita Price. Mas a engenharia de habitats para facilitar a migração de espécies tem tudo para se tornar um novo campo de estudo no século XXI.

Afinal, apesar do esforço de alguns países, ainda faltam informação básica, observação e monitoramento de sistemas, infra-estrutura política, institucional e tecnológica, verba e priorização de áreas vulneráveis. “Devemos ser céticos quanto aos eventos climáticos”, diz Price. É essencial ainda não dar preferência a apenas algumas áreas tidas como as mais importantes, mas sim a múltiplas áreas ao mesmo tempo, incentivando a ampliação de corredores ecológicos. Cerca de 60% dos ecossistemas estudados por ele não são utilizados de forma sustentável e demonstram sinais crescentes de degradação. Fora isso, estudos atestam que o aumento da temperatura média da Terra tem provocado mudanças nos sistemas naturais, tanto em termos físicos quanto biológicos. A natureza do mundo está em mutação.

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