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Ultimamente têm sido crescentes as reivindicações pela criação de reservas de desenvolvimento sustentável (RDS), dentro ou fora da Amazônia. A categoria de unidade de conservação permite a existência de comunidades em seu interior, que utilizem práticas consideradas tradicionais e pouco impactantes ao meio ambiente – justamente como sua prima-irmã, a reserva extrativista. Diferenciar esses dois tipos de unidades de conservação é o mínimo que a regulamentação da categoria deve fazer, para que, ao menos no papel, haja determinações claras do que é permitido e o que não é, para citar apenas um ponto essencial à efetividade da conservação. Foi com esse intuito que o WWF-Brasil elaborou um livro que serve, sobretudo para mostrar ao governo o tamanho do problema que tem nas mãos.
Lançado na noite desta terça-feira em Foz do Iguaçu, “Reservas de Desenvolvimento Sustentável: Diretrizes e regulamentação”, é um livrinho fino, fácil de ler, que expõe de forma sucinta o resultado das entrevistas com técnicos, autoridades e representantes da sociedade diretamente vinculados a algumas reservas. Recomenda ainda condições para a regulamentação desta categoria, ponto a ponto, mostrando inclusive que o que diferencia as RDS das reservas extrativistas hoje é a opção de não deixar a terra quando os moradores têm título e não desempenham atividades econômicas predominantemente extrativistas. Mas definir o que são essas ações é a grande dúvida. Tanto que uma página inteira do livro se propõe a explicitar as inúmeras interpretações dadas pela maioria dos entrevistados sobre as diferenças entre as duas categorias.
Para reforçar seus argumentos e subsidiar as análises, o livro apresenta três estudos de caso nas RDS de Mamirauá, no Amazonas, do Rio Iratapuru, no Amapá, e da Ponta do Tubarão, no Rio Grande do Norte. “A intenção era observar as características comuns às reservas para tentar sugerir propostas de regulamentação, mas acabamos nos deparando com realidades muito diferentes nessas unidades”, conta Ticiana Imbroisi, assessora de políticas públicas do Programa de Áreas Protegidas do WWF-Brasil.
Mamirauá é um caso a parte. É a RDS que nasceu em condições especiais, em 1996, com atenção do governo e recursos para sua implementação exemplar, numa área de mais de um milhão de hectares. Sobre esta RDS, são numerosos os pontos positivos, tanto que, graças a ela, o modelo foi disseminado e exportado inclusive para fora da Amazônia. No Amapá, a RDS do Rio Iratapuru funciona com características que diferem inclusive das condicionantes de regulamentação propostas pelo WWF-Brasil no início da publicação. Dentro da reserva não há moradores. Comunidades próximas assentadas em área privadas são consideradas “guardiãs” da reserva, sua usuárias e também beneficiárias. Sem conselho gestor nem plano de manejo desde que foi criada, em 1997, as análises reconhecem que a RDS tem características de reserva extrativista.
Reserva potiguar
O caso da Ponta do Tubarão é característico entre as reservas de desenvolvimento sustentável que se estabeleceram fora da Amazônia. E também foi motivo de um trabalho técnico apresentado separadamente no congresso. O estudo, desempenhado por pesquisadores potiguares, revela justamente as principais dificuldades de implantação dessas reservas. No litoral do Rio Grande do Norte, ela tem 12.960 hectares de dunas, praias, mangues e tabuleiros, ocupados por sete mil pessoas. Os moradores vivem basicamente da pesca e da mariscagem, embora haja casos de criação de gado e atividades de prestação de serviços dentro e fora da reserva.
As crescentes ameaças da tomada da região litorânea do espaço por empreendimentos de exploração de petróleo e gás, além da ocupação de fazendas de camarão, colocaram a região entre Macau e Guamaré em perigo do ponto de vista sócio-ambiental. Não por outro motivo uma unidade de conservação foi reivindicada para a região. De acordo com o trabalho, por três anos foram discutidas as idéias para a proposição da reserva de desenvolvimento sustentável, cuja área apresenta condições ambientais únicas. Só as dunas representam 38% da área da unidade de conservação, que ainda tem 19% do espaço na formação de tabuleiros e vegetação de Caatinga.
No entanto, depois de dois anos de existência, os pesquisadores admitem que um dos principais fatores para que a área ainda apresente boa qualidade ambiental é a mescla de baixa densidade populacional com meios simples de produção – e não outra coisa. Mas conforme passa o tempo, essa situação tende a se agravar. Falta infra-estrutura na unidade de conservação, como sede física, saneamento básico e sistema de recolhimento de lixo, sem falar em problemas fundiários antigos. Não menos importante, falta definir quais são as zonas de proteção integral da reserva – que permite presença de população considerada tradicional, mas também exige que outras áreas sejam restritas a qualquer uso. Por enquanto, passado todo esse tempo, o zoneamento só contemplou as áreas de uso sustentável.
A decepção diante da unidade de conservação demonstrado pelos moradores é também sintoma das novas regras às quais eles se defrontaram, especialmente quanto a mudança de comportamento. Segundo um trabalho técnico também em exposição no V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, “Verificou-se na reserva um processo de luta ‘pelos direitos’ (de morar, de pescar, de estar…), mas descontentamento em assumir os ‘deveres’ associados a estes próprios direitos (cuidar bem dos recursos naturais, negociar e seguir as regras, participar, etc.)”.
Para a conservação, tantas maneiras de a sociedade interpretar e se comportar nessas reservas gera uma sensação de insegurança para a biodiversidade. Mas para o WWF-Brasil, o fato de existirem tantas dúvidas sobre as reservas de desenvolvimento sustentável não pode ser visto como motivo para crer que elas não são eficientes. “Como qualquer outra, com ou sem população dentro, ela tem que cumprir com os objetivos da conservação. E as garantias são uma gestão boa e a execução de políticas públicas”, diz Ticiana.
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