Nesta segunda–feira, os brasileiros finalmente terão noção de que quando o assunto é mata, eles detêm nas mãos um grau de riqueza capaz de deixar babando a população de qualquer país do mundo. Segundo os dados do Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP), que será divulgado hoje pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), somos donos de 193 milhões e 835 mil hectares de terras cobertas por árvores. Dá pouco mais de 20% do território nacional. “O tamanho desse patrimônio é impressionante”, diz Tasso de Azevedo, diretor do SFB. E ele tem tudo para ser bem maior porque muita região de floresta no Brasil ainda ficou de fora dessa primeira versão do CNFP. Para começar, ela contabilizou apenas as Florestas Públicas federais. E assim mesmo, nem todas.
Dentro destes quase 194 milhões de hectares estão as áreas com árvores localizadas em Terras Indígenas, Unidades de Conservação tanto de uso restrito quanto sustentável e assentamentos. Elas foram classificadas como Florestas Públicas de tipo A porque já possuem uma destinação. Nesse número incial estão também as Florestas Públicas de tipo B, que ficam em terras da União na Amazônia que ainda não têm um uso específico. Mas ainda falta somar nessa conta as matas que crescem em terras arrecadadas de outras regiões do Brasil – informação que o Incra não repassou ao SFB – e as Florestas Públicas de tipo C, que se encontram sobre terras devolutas, como são chamadas as áreas do país com cadeia dominial indefinida.
Quando todo esse cálculo for fechado, estima-se que ele mostrará que entre 35% e 40% do território nacional em poder do governo federal está coberto por matas. “Acho que a gente chega fácil aos 300 milhões de hectares de Florestas Públicas”, diz Azevedo, lembrando que o número final pode ser bem maior quando forem agregadas ao CNFP as áreas de floresta de propriedade de estados e municípios. Ele reitera que além de dar aos brasileiros uma idéia mais precisa do tamanho do ativo florestal que lhes pertence, o cadastro servirá para orientar os governos na gestão desse patrimônio, uma questão que também a partir de hoje, do ponto de vista prático, se tornará fundamental.
É que junto com o lançamento do cadastro, o Serviço Florestal Brasileiro vai publicar o seu Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF), que definirá as áreas federais na Amazônia passíveis de serem concedidas, talvez já antes do final de 2007, à iniciativa privada para a exploração florestal. Entre as zonas consideradas prioritárias estarão a Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, no Pará. A estimativa é que ao longo da próxima década, em torno de 3% de áreas federais com florestas na região Norte serão entregues à agentes privados em regime de concessão. Fora de lá, deverão constar desse primeiro PAOF algumas áreas públicas onde crescem florestas plantadas.
Desperdício
Os números preliminares do cadastro confirmam algo que há muito já se sabe. A maior fonte da nossa riqueza florestal atual é a Amazônia. Lá estão 92% das Florestas Públicas brasileiras, equivalentes a cerca de 178, 5 milhões de hectares. Em seguida vem o Cerrado, com 12 milhões e 310 mil hectares ou 6% do número total. O cadastro serve também para deixar claro o quanto de fortuna florestal nós brasileiros já jogamos fora. A Mata Atlântica, que um dia cobriu uma região do país que ia do Paraná até o Rio Grande do Norte, contribuiu com apenas 1%, ou 1, 5 milhão de hectares, das Florestas Públicas contabilizadas nessa primeira versão. A Caatinga, o Pantanal e os Pampas foram, juntos, responsáveis pelo 1% restante.
Em relação aos tipos de floresta que passaram a fazer parte do CNFP, a maior contribuição em hectares veio daquelas classificadas na categoria A, que já têm uma destinação específica. As terras indígenas somaram cerca de 109 milhões de hectares com florestas, as Unidades de Conservação outros 53, 5 milhões e as zonas destinadas a assentamentos colaboraram com quase 2 milhões de hectares. As terras arrecadadas da União ainda sem uso definido, incluídas na categoria B, somaram mais de 29 milhões de hectares de terrenos com mata para fechar o número final dessa primeira versão preliminar, que está prevista para ser colocada na Internet até a próxima sexta-feira, no site do Serviço Florestal.
Azevedo avisa que pelo menos no início, as páginas eletrônicas com estes dados deverão estar funcionando à meia bomba. A razão é simples. Por detrás do número com a extensão de cada área incluída no CNFP, o Serviço Florestal pretende fornecer uma série de outras informações, como suas coordenadas geográficas, seu bioma e tipo de vegetação, se já foi objeto de estudos e qual o seu status para fins de concessão. “É coisa para demorar ainda uns quatro, seis meses, porque para que tudo isso possa ser oferecido nós precisaremos desenvolver uma ferramente de Internet mais parruda”, diz. Comparado ao tempo que deve levar para completar todo o cadastro, a execução do site parece até que será feita a jato. A previsão oficial é que o CNPF deve demorar no mínimo dez anos para ser concluído.
Azevedo explica que esse primeiro número divulgado sobre o tamanho de áreas públicas com floresta no Brasil, além de incompleto, é apenas a fase inicial de todo o trabalho. “O que fizemos agora foi o levantamento de informações sobre terras públicas federais”, diz. Os dados de Terras Indígenas vieram da FUNAI. Os números das Unidades de Conservação saíram do Ibama. Ao Incra coube a tarefa, aliás incompleta, de fornecer os dados sobre assentamentos e terras arrecadas ainda sem destinação. Como é na Amazônia que estão 98% de todas essas áreas, não foi difícil ter certeza que a esmagadora maioria das terras incluídas no cadastro está com florestas em cima dela.
Crime federal
Para tanto, bastou ao Serviço Florestal examinar as imagens de satélite de março de 2006 obtidas pelo Prodes, o sistema do Inpe que monitora o desmatamento na Amazônia. Ainda assim, o Prodes serve no máximo como referência inicial para a constituição do CNFP. Primeiro porque ele se restringe à Amazônia e o Serviço Florestal tem que obter imagens de satélite também de março de 2006 sobre o estado das florestas em terras públicas de outras regiões do país. E depois, para a gestão dessas florestas, seus técnicos precisarão de fotografias com resolução melhor do que a oferecida pelo sistema do Inpe, capazes de mostrar não só que há uma cobertura florestal sobre determinado terreno, mas também o estado da vegetação.
Isso significa formar um banco de dados com imagens praticamente do zero. O Serviço Florestal está em vias de contratar esse serviço e prevê que até fins de 2008 ele esteja concluído. Isso deve por um ponto final na feitura do mapa de florestas públicas federais do Brasil, mas não significa o fim do trabalho. Fechada a fase de levantamento de dados e da situação da cobertura vegetal, entra-se na etapa de averbar as áreas públicas com florestas, uma tarefa que inclui visitas a cartórios espalhados por todo o país para verificar e regularizar a sua situação dominial. Depois disso vem a demarcação definitiva dessas terras, com a instalação de marcos geográficos e placas em seus perímetros. Levando-se tudo isso em consideração, não parece nada espantoso que todo esse trabalho demore uma década para terminar.
E dada a confusão fundiária do país, há grande chance de que ele talvez nunca acabe. O cipoal jurídico em torno das Florestas Públicas que podem ser enquadradas na categoria C por se localizarem em terras devolutas e que Azevedo estima estarem espalhadas por 100 milhões de hectares, é de fazer qualquer advogado desisitir da profissão. Ele cita um exemplo para dar a dimensão do problema. Terras que se encontram numa faixa de 100 quilômetros às margens de rodovias federais devem, por lei, ser de domínio da União. Muitas estão ocupadas e se não forem arrecadadas, o governo perde seu direito sobre elas. Mas não se sabe quem tem o dever de arrecadá-las, porque boa parte dessas áreas são terras públicas estaduais.
Mas nem tudo é confusão no horizonte legal do CNFP. A mera inclusão de um terreno no cadastro servirá para disciplinar melhor a ocupação e uso de grandes extensões de áreas públicas no Brasil. Até agora, quem era flagrado desmatando em terras federais, estava no máximo sujeito a um inquérito administrativo conduzido pelo Ibama, que poderia ou não virar um processo judicial. E para obter uma condenação, o governo antes de mais nada precisava provar que o local do crime lhe pertencia. Com a publicação do cadastro, a situação fica inteiramente diferente. A terra que faz parte dele é comprovadamente nossa e quem estiver derrubando árvores dentro dela estará cometendo um crime federal.
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