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Cartão vermelho para o lixo nas ruas

Indignado com a sujeira nas vias públicas, o mato-grossense Hélio Gomes criou o fiscal do lixo. Com apito em mãos, mostra cartão vermelho a quem não cuida da natureza.

Redação ((o))eco ·
17 de novembro de 2008 · 15 anos atrás
Foto: Felipe Lobo
Foto: Felipe Lobo

A manhã desta segunda-feira transcorria normalmente na redação de O Eco quando a campainha tocou. Do outro lado da porta, um senhor com roupa camuflada, típica de oficiais do Exército, pediu para entrar. Nas mãos, um estandarte que serve como apresentação de seu trabalho: fiscal do lixo. No Rio de Janeiro para o 1o Congresso Estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclado, Hélio Augusto Gomes (foto ao lado) lembrou de uma conversa que teve com a repórter Andreia Fanzeres no último ano, em Mato Grosso, e decidiu nos visitar.

O papo, de pouco mais de uma hora, rendeu boas histórias. Nascido em Várzea Grande, cidade vizinha à Cuiabá (MT), Hélio mudou ainda criança para a capital. Quando pequeno, costumava passar as férias na fazenda onde seu pai trabalhava, encravada no meio do Pantanal. “Sempre soubemos da importância da natureza, que não podíamos fazer mal aos animais da região”, disse. Ele, inclusive, tinha um apelido na ponta da língua para os amigos que jogavam lixo no chão: Sugismundo, personagem criado por Ruy Perotti e que fez muito sucesso na televisão brasileira dos anos 1970.

Mas não foi logo que o rapaz escolheu a preservação ambiental como carreira. Ainda jovem, abriu uma oficina de mecânica e ajudou a mãe no restaurante “Dona Alice”, que mantinha em Cuiabá – usou o espaço, inclusive, para montar um centro cultural com a história da capital de Mato Grosso. Sua verdadeira vocação, no entanto, surgiu lendo reportagens sobre a Eco-92, evento que reuniu os principais líderes políticos no Rio de Janeiro e foi a base para o Protocolo de Kyoto. “Em homenagem à Agenda 21 – documento assinado durante o encontro que prevê a participação dos países no combate à crise ambiental – criei um movimento chamado “Doze Verdes”, pela educação e conscientização ecológica”, contou.

O grupo não foi para frente, mas Hélio sim. Preocupado com o destino do lixo, descobriu seu personagem por obra do acaso, em 1996. Certa vez, viu um amigo jogando a guimba do cigarro na rua, em frente ao “Dona Alice”. Tomou a primeira atitude que lhe veio à mente: levantou de sua cadeira, puxou a toalha vermelha de uma das mesas e a mostrou em sinal de protesto. Estava criado o “Fiscal do lixo” que, entre outras traquitanas, anda com um cartão vermelho e outro verde nos bolsos da jaqueta camuflada e um apito em volta do pescoço.

Em 1997, decidiu procurar o prefeito recém-eleito de Cuiabá, Roberto França, e apresentou um projeto de coleta seletiva. “Na época, aproveitei o gancho da inauguração de um aterro sanitário. Mas foram oito anos de governo e nada foi feito”, diz. Hélio não desistiu e, na última década, se especializou em mostrar o cartão vermelho pelos quatro cantos da cidade em que vive. Mas, caso o lixo seja retirado das ruas, apresenta o verde logo em seguida, para “reabilitar” o cidadão.

Sua paixão pelo personagem é tão grande que fez de sua própria residência um ponto de coleta de lixo, ou Local de Entrega Voluntária (LEV), como batizou. Desta forma, qualquer pessoa ou empresa que quiser destinar corretamente o lixo seco, pode enviar para o seu endereço. E nem precisa sair de casa. “Basta me ligar, que eu busco. Depois, envio tudo para as cooperativas, que reciclam. Agora vou ganhar um carrinho para carregar os resíduos e tudo ficará mais fácil”, contou, orgulhoso.

Atividades sem fim

Seu trabalho quase voluntário começou a render frutos em 2006, quando foi chamado para integrar o quadro de funcionários da Secretaria de Estado do Ambiente do Mato Grosso (Sema). Sem necessidade de ir ao escritório ou fazer trabalhos burocráticos, Hélio recebe um salário mensal do órgão, mas atua na rua, da mesma forma que antes.

Depois de um encontro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Conama) em Cuiabá, no último ano, Hélio recebeu um convite para conhecer a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. E não se fez de rogado: pediu para que ela entregasse a Lula um projeto que incluía os fiscais do lixo na Política Nacional de Resíduos Sólidos, ainda em trâmite no Congresso Nacional. Seu esforço ainda não ecoou nos corredores de Brasília, mas há quem o conheça bem lá dentro.

Trata-se de Bazileu Alves Margarido, ex-presidente interino do Ibama. Em 2007, durante intervalo em em encontro na capital federal, Hélio viu o escudeiro de Marina Silva jogar um cigarro no chão, com uma lata de lixo ao lado. Cartão vermelho para ele! Sem graça, Bazileu abaixou e pegou a guimba. Ganhou um sinal verde, contou o fiscal.

No Rio de Janeiro desde sexta-feira (14), Hélio caminhou pelo centro com cerca de cem manifestantes do congresso que veio acompanhar e distribuiu punições para a sujeira que encontrou pela frente nas praias de Ipanema e do Leblon. “Uma tristeza. Ipanema é a praia mais famosa do Brasil, inspirou Tom Jobim. Não pode ser tão mal cuidada”, disse.

Ele volta para Cuiabá ainda hoje, para seguir a rotina de catador e de educador ambiental, com palestras sobre o desperdício de água e de energia. Mas, antes disso, deixou uma carta com os assessores de Eduardo Paes, para ser transmitida ao novo prefeito dos cariocas. No texto, afirma que a destinação de resíduos sólidos no Rio de Janeiro é um problema sério e sugere que Paes crie uma “Assessoria de Mobilização Social”, com fiscais como interlocutores entre o cidadão comum e as cooperativas.

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