Reportagens

Moradia consciente

Condomínio no Distrito Federal tem mini-usina de processamento de lixo, com reciclagem e produção de adubo. A maioria dos moradores está engajada na separação dos resíduos.

Cristina Ávila ·
4 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

Brasília é circulada por uma rede de 513 condomínios que cresceram em terras públicas e fazendas parceladas irregularmente. Sem controle, casas invadiram o Cerrado e soterraram nascentes. Estimativas indicam que, entre os 2 milhões de moradores do Distrito Federal (DF), até 400 mil vivam nesses conjuntos habitacionais que se espalharam de modo horizontal. Mas nem tudo é desorganização em meio à urbanização desenfreada. Um condomínio na região de Sobradinho, uma das cidades do DF, se transformou em exemplo de consciência ecológica investindo em reciclagem.

O condomínio Vivendas é habitado por 700 famílias de classe média e produz diariamente 10 toneladas de lixo seco e restos de alimentos, além de grama, poda de árvores e de cercas-vivas. E mais de 80% desses resíduos deixam de ir para lixões e aterros sanitários todos os meses e são convertidos em fertilizante orgânico e em material vendido para empresas de reciclagem.

“Temos 63 funcionários; 12 são dedicados exclusivamente para o processamento do lixo”, relata o sub-administrador Laudegar Saraiva de Lima. Para isso, o condomínio tem minhocário, um caminhão de porte médio, trator, um galpão para peneirar e ensacar adubo e outro destinado à seleção e compostagem, com equipamentos para prensar latas, ferros e papelão.

Desse modo, os moradores evitam agressões ao meio ambiente, que é muito sensível na região. O Vivendas Bela Vista faz parte do Grande Colorado, um complexo constituído por outros oito condomínios, que estão incrustados na Área de Proteção Ambiental de Cafuringa. Nas APAs é permitida a ocupação humana, ainda que com normas de uso para a preservação da natureza. Além disso, a unidade de conservação abriga o Parque Nacional de Brasília e a Reserva Biológica da Contagem.

A APA tem 46 mil hectares e, por englobar parte da Chapada da Contagem e ser recortada por riachos da bacia do rio Maranhão, apresenta relevo acidentado e muitas cachoeiras. O local também é privilegiado por grande número de cavernas e por habitantes como a maria-preta (Knipolegus nigerrimus), o cancã (Cyanocorax cyanopogon) e o pula-pula (Basileuterus leucophrys), avezinhas endêmicas de Cafuringa.

Colaboração seletiva

Favorecidos por esses encantos, os moradores do Bela Vista se sentem no dever de investir no tratamento do lixo. Para isso, a despesa com a estrutura necessária é de cinco mil reais mensais. O retorno com a venda de material reciclável é de dois mil reais. A taxa do condomínio, que tem áreas de tênis, futebol, ginástica e vigilância motorizada, fica em 235 reais. Não é tanto, se comparado com os 450 pagos nos prédios das superquadras de Brasília.

A iniciativa resulta em muitas recompensas. Cada família tem direito a 12 quilos de adubo natural por mês. “Estou satisfeito em todos os sentidos com esse trabalho. E não tenho nenhuma dificuldade em colaborar com a separação do lixo em casa”, afirma o servidor público Pedro de Almeida Soares, que não dispensa o fertilizante para suas folhagens.

Pedro faz parte de 70% dos residentes do Bela Vista que são responsáveis por esse sucesso. A população consciente é resultado de uma tarefa permanente. “Mudar hábitos de adultos não é fácil”, exclama o sub-administrador. A gerência do condomínio chegou a suspender o recolhimento de lixo dos portões de alguns arredios à coleta seletiva. E, mesmo com a coleção semanal de elogios expressos por visitantes de escolas e pelos síndicos de outros conjuntos habitacionais que vão lá aprender lições de reciclagem, Saraiva ainda não conseguiu convencer todos os moradores a colaborar.

O importante é que a maioria contribui e isso garante o êxito. O que sobra nas cozinhas das casas é depositado em camadas intercaladas com os restos de podas, alguns punhados de calcário agrícola e cerca de 20% de esterco bovino. “Tentamos aumentar o volume da compostagem colocando mais grama, para reduzir custos com esterco, e com a mudança na quantidade descobrimos um meio de afastar moscas”, comenta o agrônomo Jaques Machado, que trabalha duas manhãs por semana no condomínio.

A mistura com o lixo orgânico fica nas baias de decomposição por 40 dias. Depois do vigésimo é remexida, com um pouco de água para umedecer. Precisa ser vigiada, pois a fermentação é quente e pode queimá-la, o que se evidencia pelo aparecimento de cinzas. Fria e seca, a compostagem segue para o minhocário.

Boa vida às minhocas

O adubo é produzido por minhocas. Mas o serviço delas também tem preço. Transformar restos da cozinha não é tão simples como pode parecer. Esse é um trabalho que foi construído pela contribuição voluntária de muita gente – moradores, síndicos e administradores de diversas gestões que começaram os experimentos há dez anos. Finalmente conseguiram que o Vivendas Bela Vista se tornasse modelo para o Distrito Federal. Eles chegaram a enfrentar períodos de invasão de moscas e ratos que competiam pelos manjares manipulados nos galpões da área verde.

Para afastar as moscas, usaram armadilhas de captura. O artifício atraia os insetos, mas não surtiu o efeito esperado. A dica de Jaques Machado para se livrar do incômodo é evitar o uso de esterco de galinha. “Chama mosca, vira uma loucura”, exclama. Os ratos também perturbaram muito, e não caíram em nenhum tipo de arapuca. “Gato. Não tem maneira melhor”, ensina o agrônomo.

Hoje o minhocário produz livre de problemas, diariamente observado pelo funcionário Aluísio Batista Damasceno, que há mais de seis anos tem a tarefa de oferecer conforto às minhocas. Elas comem e se reproduzem em canteiros de cimento, abrigados do sol com telhas. “O que elas mais gostam são as frutas. Entram na casca da melancia, roem um caroço de abacate”, comenta ele. No lugar dos alimentos que saem da compostagem, as minhocas deixam as fezes, constituindo rico húmus para as plantas.

Três vezes por semana, o caminhão passa nas ruas para o recolhimento do lixo seco. Quando o material chega é separado em 11 grupos para a venda. Papéis laminados junto com embalagens de papel em geral, garrafas pet verdes, garrafas pet brancas, embalagens plásticas, papelão grosseiro, jornais, latinhas de alumínio, sacolas plásticas, papel branco, revistas e as latas com os ferros.

As sobras de grama e das podas vão para o pomar, para ajudar a fertilizar a terra fraca da região. Mas com todo o investimento em estrutura e com o trabalho dos funcionários, ainda resta material que não pode ser aproveitado e é recolhido pelo serviço urbano de limpeza, como papel higiênico, isopor, copos plásticos. “E vidro”, acentua Jaques Machado. “Em Brasília ninguém compra vidro”, lamenta.

Cristina Ávila é jornalista free-lancer em Brasília

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