Reportagens

Porção de Cerrado em meio à floresta

Espécies típicas do Brasil central e origem de campos em plena floresta amazônica ainda são enigmas para pesquisadores. Endemismos justificariam preservação.

Redação ((o))eco ·
23 de dezembro de 2008 · 16 anos atrás
Foto: Adriano Gambarini
Foto: Adriano Gambarini
O campo natural aberto, com árvores espaçadas e presença de palmeiras, denuncia a paisagem do horizonte e a areia fina e branca dá destaque ao mato raso que cresce sobre ela. Não, não estamos em áreas do Brasil central, mas sim no meio da Amazônia. Complexa e diversa, a floresta tem dessas surpresas: em sua porção oriental encontram-se grandes enclaves de Cerrado, com savanas abertas, arborizadas e densas.

Além de tais formações, a região apresenta diversas nascentes e áreas alagadas, o que propicia o crescimento de uma outra vegetação semelhante às veredas típicas da região central – os buritis ou buritiranas, um tipo de palmeira. Apesar de a paisagem ser relativamente conhecida, tal porção dos campos, localizada no extremo sul do estado do Amazonas, divisa com Rondônia, ainda é pouco estudada por pesquisadores. O que se sabe é que a área possui elevada “heterogeneidade ambiental”, conferindo a ela grande importância biológica.

A presença de savanas isoladas no bioma amazônico é considerada uma evidência dos ciclos climáticos durante a história geológica da floresta. Uma das teorias para a presença de enclaves como este diz que, durante os períodos frios e secos, os campos (cerrados) ampliaram sua distribuição, enquanto as matas retraíram, formando manchas florestais. Nos períodos mais quentes e úmidos, as florestas ampliaram sua distribuição e os campos recuaram, sendo que algumas manchas foram isoladas pela floresta.  

A movimentação do solo, propiciada pelos ciclos climáticos e fluviais da região, deram origem a um terreno cuja camada mais superficial é arenosa e rasa, de baixa fertilidade e muito suscetível à erosão. “Quando o solo é mais argiloso, em um tom avermelhado devido à presença de ferro, há mais nutrientes, o que propicia o crescimento e dá sustentabilidade para a floresta”, explica Eloiza Della Justina, geógrafa da Universidade Federal de Rondônia.

Nesta breve aula de geologia, no entanto, uma questão ficou sem resposta: Quem chegou primeiro à região, o Cerrado ou a floresta? “Esta pergunta é para ser respondida em um pós-doutorado”, brinca a pesquisadora. (Texto segue abaixo do slideshow)

Riqueza animal

Tão intrigante quanto saber se foi a floresta que invadiu as áreas de campos ou o contrário é descobrir a procedência da população animal da região. Isso porque, por lá, foram identificadas espécies endêmicas de Cerrado, como o joão-bobo (Nystalus chacuru), o tapaculo-de-colarinho (Melanopareia torquata) e a cigarra-do-campo (Neothraupis fasciata), por exemplo.

Para o ornitólogo José Flávio Cândido, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), se a teoria sobre retração e expansão da floresta está correta, é possível que as espécies encontradas por lá já apresentem alguma modificação genética em relação a seus ancestrais. Isto é, que o isolamento tenha criado sub-espécies, ou mesmo novas espécies por ali. “Seria interessantíssimo coletar alguns bichos e fazer avaliação genética pra determinar se existe mesmo essa separação e se conseguimos detectar alguma variação genética nesses grupos”, diz o pesquisador.

Grande porção daquela formação fica dentro do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, criado justamente para tentar preservar esses enclaves. Entre os dias 10 e 30 de novembro, trinta pessoas, entre pesquisadores e grupo de apoio, percorreram trechos da unidade, para realização de seu Plano de Manejo. Por isso, pesquisadores vindo de longe, como o ornitólogo José Flávio Cândido, do Paraná, estavam reunidos com outros da região, a exemplo da geógrafa Eloiza Della Justina.  

O objetivo geral da expedição foi entender como anda o estado de conservação e a fragilidade dos diversos ambientes do parque nacional. Da avaliação, devem surgir ações, principalmente de conservação, proteção e manejo das pressões humanas de dentro e do entorno da unidade. A elaboração do documento está em curso e, entre os pesquisadores, uma opinião já é unânime: a variedade de espécies típicas do Cerrado e a grande quantidade de endemismos (espécies únicas de animais e de plantas) justificam mais ações de preservação para a área protegida federal.

Além de tudo, a velha questão da origem dos campos amazônicos, por enquanto, permanece sem resposta, como a alegoria do ovo e da galinha…

A próxima reportagem sobre o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que será publicada no dia 26 de dezembro, explica o novo modelo de Plano de Manejo adotado na unidade e as principais pressões antrópicas a que ela está submetida. Confira!

Leia também

Análises
9 de outubro de 2024

Porto Alegre votou insegura e sob ataque

Se resta alguma esperança para mudar o rumo da capital gaúcha, ela está na atitude dos mais de 345 mil eleitores que não votaram no primeiro turno

Reportagens
9 de outubro de 2024

Deputado quer cortar parque no Maranhão para legalizar fazendas

Área é a maior fonte de água da capital São Luís e um grande abrigo de espécies ameaçadas, como o gato-do-mato-pintadinho

Salada Verde
9 de outubro de 2024

Mudanças Climáticas colocam em estado crítico 70% dos sinais vitais da terra, mostra estudo

Dos 35 sinais usados para monitorar efeitos das mudanças climáticas na Terra, como temperatura média dos oceanos, 25 atingiram recordes extremos em 2023

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Milena diz:

    quem escreveu? Gostaria de entrar e, contato com a autora ou autor desse artigo.