Reportagens

O outro lado da integração

Em Washington, pesquisadores mostram perigos que obras de infra-estrutura representam à preservação da Amazônia. Solução, diz Carlos Nobre, do Inpe, é investir no conhecimento.

Chico Mendez ·
17 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás

A partir de julho de 2010, o caminho para o Pacífico será mais curto. Nessa data, está prevista a inauguração da BR 317, uma estrada que vai ligar os estados do Acre e de Rondônia aos portos no Peru. Com um custo estimado em pouco mais de um bilhão de dólares, a obra está entre os 540 empreendimentos de infra-estrutura planejados para conectar os países da América do Sul. A integração regional, iniciativa defendida tanto pelo governo Fernando Henrique como pelo governo Lula, é uma das prioridades da política externa brasileira e, ao que tudo indica, deve ser levada adiante pelos próximos presidentes. Até o momento, dos 540 projetos de infra-estrutura, 145 estão em andamento, a um custo de 20 bilhões de dólares. Toda a coordenação dos empreendimentos está a cargo da IIRSA, a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana, lançada em 2000 para facilitar a ligação física da região. Todas as obras sob o manto da IIRSA são na área de transporte, energia e comunicação.

Ninguém hoje em dia contesta a importância e a necessidade da integração continental. Mas há quem conteste, sim, o modelo de integração sul-americano. Muitas das obras que fazem parte da carteira da IIRSA estão programadas para acontecer na região amazônica, e os impactos ambientais que a integração física do continente pode causar são grandes, segundo estudo da Conservation International encomendado especialmente para medir os impactos da integração regional. Conduzido pelo biólogo Timothy Killeen, o levantamento, chamado de “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”, foi o ponto de partida de uma tarde inteira de discussões entre membros da IIRSA, de grupos ambientais e representantes do governo brasileiro nesta quarta-feira em Washington. “O relatório é crítico à iniciativa, mas é muito bem feito”, afirmou o brasileiro Mauro Marcondes, coordenador da IIRSA no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

No estudo, Killeen reconhece a importância e a urgência da ligação entre os países. “As mudanças que decorrerão dos investimentos da IIRSA em combinação com mercados globais terão, sem sombra de dúvidas, um grande impacto sobre os atuais habitantes dessa região. Os projetos reduzirão expressivamente o isolamento das comunidades rurais e irão promover novas oportunidades de negócio. Mas a História tem mostrado que esses recursos serão distribuídos de maneira uniforme e poderão acentuar a marginalização das populações rurais mais pobres”, escreve. Ele aposta que com a abertura de novas estradas na região amazônica haverá um surto migratório de milhões de pessoas que irão competir pelos recursos naturais com as populações locais. “Os residentes locais terão que desenvolver novas habilidades para competir em economias modernas e funcionar adequadamente nas novas sociedades”.

HIV e desmatamento

Em suma, a região amazônica e os habitantes rurais não estão preparados para absorver os impactos da integração regional da forma como ela foi pensada inicialmente. Killeen prevê, ainda, o aumento da incidência de contaminação por HIV. “A prostituição está em todo lugar da Amazônia. Quanto mais fácil a locomoção, mais rápido o vírus se espalha”, disse. Tudo isso junto, segundo Killeen, vem acompanhado da aceleração do desmatamento. O pesquisador do Instituto de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE) Carlos Nobre mostrou durante sua apresentação que 90% dos desflorestamentos da Amazônia ocorrem num raio de até 100 quilômetros dos eixos rodoviários. “Infra-estrutura tem levado à devastação da região”, afirmou. Nobre, no entanto, não esconde que é impensável trabalhar com a hipótese de barrar as obras de infra-estrutura. “Sendo pragmático, cada vez mais os países precisam de energia”.

Como, então, evitar o desmatamento e permitir o desenvolvimento econômico da região? Para Nobre uma das respostas está na criação de centros de pesquisa na região. Ela adiantou que vai apresentar para o presidente Lula o projeto de criação dos Institutos de Tecnologia da Amazônia (ITA), que deve funcionar como uma faculdade, com cerca de 1500 alunos. “Educação precisa ser tão valorizada como a infra-estrutura”, afirmou. A iniciativa deve ter um custo de dois bilhões de dólares em 10 anos. Nobre aposta que as respostas para o desenvolvimento da região devem ser elaboradas na região. “Por que é tão difícil encontrar um novo paradigma para a Amazônia? É porque não há nenhum país tropical desenvolvido, portanto, não há modelos para copiar”, argumenta.

O desenvolvimento da região pode abrir espaço para a exploração de hidrocarbonetos no coração da floresta. Segundo o estudo, o Peru já abriu 15 novos postos de exploração próximos da fronteira com o Brasil, processo semelhante ao que vem ocorrendo o Equador. “Fora a Antártica, a região da Amazônia é a maior área ainda intocada no mundo. Sabe-se que nos Andes há grandes reservas de petróleo e, muito provavelmente, há também na Amazônia”, relata Killeen. A dificuldade de acesso e escoamento na região ainda dificulta os potenciais investimentos, mas, com as altas do preço do barril de petróleo Killeen lembra que os investimentos se tornam viáveis para as empresas. “A presença de empresas petrolíferas estrangeiras pode exacerbar o desmatamento na medida em que os especuladores de terra locais usam a presença dessas empresas como pretexto para expandir suas reivindicações”, escreve.

Se o desmatamento continuar no atual nível e a destruição da floresta atingir 40% do total, as chances da área destruída se tornar um deserto aumentam consideravelmente. Nobre mostrou que é possível recuperar as áreas desmatadas caso a destruição pare nos atuais 20%. “A partir dos 40% a floresta não volta ao normal. Vão predominar as savanas”, disse. A biodiversidade será fortemente afetada pelas obras da IIRSA, segundo Killeen. “A IIRSA exporá a Amazônia ocidental e os contrafortes andinos a potentes forças econômicas globais e regionais e os ecossistemas interconectados da região serão irreversivelmente mudados”. Como exemplo ele cita o corredor Interoceânico, no sul do Peru, que trará impactos enormes para a biodiversidade, pois “é uma rodovia fechada durante diversos meses do ano e que possui colonização esparsa nos trechos em que cruza florestas montanhosas”.

Regulação nos mercados

Como saída, Killeen mostrou algumas alternativas de desenvolvimento para a região. Segundo ele, as atuais formas de preservação, o incentivo do manejo florestal e a conservação de áreas preservadas em áreas privadas, não se mostraram eficientes. “O desmatamento continua em níveis recordes. A queda nos índices de desmatamento nos últimos anos é resultado do fraco desempenho internacional dos mercados de commodities e não do sucesso das políticas governamentais para reprimir mudanças no uso da terra”, relatou.

Ele admite a necessidade de reconhecer “a predominância dos mercados e manipula-los por meio de mecanismos regulatórios que se mostraram eficientes em outras partes do mundo”. A política de subsídios agrícolas da União Européia, Japão e Estados Unidos deveria servir como exemplo para o incentivo da preservação no Brasil. “Países com subsídios agrícolas argumentam que eles são necessários para assegurar as atividades tradicionais, essenciais das suas economias e propiciam bem-estar social. Este argumento aplica-se igualmente bem à conservação do ecossistema florestal da Amazônia”.

Se os países concordarem em reduzir o desmatamento em 5% ao ano durante 30 anos, os ganhos segundo Killeen, podem ser altos. Ele mostra que no primeiro ano o ganho com crédito de carbono seria de 650 milhões de dólares. No longo prazo, passaria de 100 bilhões de dólares. Como alternativa para as estradas, o biólogo sugere o investimento em hidrovias e aeroportos. Para Nobre, os investimentos em infra-estrutura devem ser acompanhados de um investimento científico e tecnológico para explorar melhor a região. “O governo faz um plano de desenvolvimento que só pensa em um setor. Acho que os projetos de infra-estrutura são incompletos. O Brasil deveria ter um projeto de tecnologia da Amazônia que faria o PIB da região se multiplicar por dez em 20 anos, e isso deveria ser visto como um projeto de infra-estrutura também”, diz. No setor de energia, Killeen recomenda incentivar o uso de energia solar. “Deduções fiscais seriam oferecidas a empresas que tivessem instalações fabris movidas a energia solar nos centros urbanos da Amazônia”.

O coordenador da IIRSA no BID diz que a preocupação ambiental nas obras existe e que eles têm tentado melhorar sempre as avaliações de impacto ambiental. Segundo Mauro Marcondes, a IIRSA tem uma metodologia que não é aplicada pelos países. “O que há é uma dificuldade de implementação das leis”, disse. Quem sofre com isso? A floresta.

Ouça entrevista completa com pesquisador Carlos Nobre, do INPE.

* Chico Mendez é mestrando em Ciência Política pela Universidade de Georgetown e correspondente das rádios Bandeirantes e Band News FM nos Estados Unidos.

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