Diferente da estação anterior, quando o São Paulo Fashion Week tematizou o meio ambiente, a 24ª edição da semana de moda mais importante do País terminou no último dia 21 sem tanto espaço para as tendências ‘ecologicamente corretas’. Ainda assim é pouco provável que as questões ambientais saiam totalmente da pauta do mundo fashion daqui por diante. A dificuldade é transformar o modismo em realidade, pois faltam fornecedores e até consumidores para a moda verde.
Um bom exemplo no SP Fashion Week foi o desfile da Cavalera, que decidiu levar suas modelos para as margens do Tietê. “Queríamos gerar uma conscientização sobre a saúde do rio e outros problemas ambientais”, explica Valentina Faro, do departamento de Marketing da marca. Acabou gerando controvérsia: alguns jornalistas não compareceram devido ao mau tempo e ao mau cheiro e houve quem questionasse se não haveria formas mais eficazes de chamar a atenção para o problema do rio. Por outro lado, vários jornalistas especializados elogiaram a iniciativa. Polêmicas à parte, a Cavalera não pensou no seu desfile às margens do Tietê como um fenômeno isolado. “A idéia é criar uma ação com as imagens registradas no evento, independente da campanha publicitária. E algumas peças terão porcentagem revertida para institutos relacionados”, assegura Valentina.
A pergunta que fica é: na hora de debater questões importantes para o futuro do planeta, todas as iniciativas são bem vindas? É preferível gerar polêmica, como a Cavalera, do que não fazer nada? Pequenas iniciativas também contam? Basta olhar um pouco além do Fashion Rio e SPFW para perceber várias iniciativas interessadas na causa ambiental no Brasil afora.
A marca carioca Semearte, que abriu sua primeira loja de rua em novembro, com o objetivo de apostar em uma moda feita com responsabilidade social e ecologicamente correta. Mas o sonho esbarra em alguns problemas: a dificuldade de encontrar uma pluralidade de fornecedores, para garantir a variedade de produtos, por exemplo, é grande. “Falta consciência do empresariado e do consumidor, mas esta consciência já está aumentando”, afirma Bia Cavalcanti, uma das sócias da marca. Na hora de encontrar a malha feita a partir da fibra de bambu, a Semearte não conseguiu ir muito além de poucas tecelagens, como a paulistana Marles, que já enxergou o potencial do ‘ecologicamente correto’ no mercado brasileiro e as oportunidades de marketing que o tema traz.
Em seu site, a Marles avisa que suas malhas de bambu “acabam de receber a certificação OKO TEX Standard 100, um dos principais selos ecológicos do mundo e são as primeiras e únicas malhas ecológicas no Brasil, a receberem este selo”. Na mesma página, a empresa garante que “o bambu é uma matéria prima sustentável, que se renova na natureza e não devasta áreas”. E arremata que sua malha de bambu é obtida “através de processos que não utilizam aditivos químicos”.
Quem compra?
Aliás, a preocupação com a certificação das matérias-primas é também outra raridade. Além da dificuldade de encontrar fornecedores (ainda mais aqueles que tenham certificados, garantindo respeito às normas ambientais), colocar em prática a ‘moda ecologicamente correta’ no Brasil esbarra em outro efeito colateral: a elevação do preço. Segundo Fernando Modenesi, gerente de Marketing da Redley, “roupas ecológicas são mais caras porque o processo de produção é feito em escala menor”. E dá uma pista: a diferença pode variar de 25% até 40% a mais no preço do produto final. “Não é uma ação comercial em que se ganhe no volume. É uma ação conjunta ao marketing, que posiciona as empresas como inovadoras, corretas”.
A Redley, que já participou de projetos ecológicos como o TAMAR, no monitoramento de baleias encalhadas, e na última edição do Fashion Rio desfilou roupas feitas de malha de bambu, acompanhou com curiosidade a chegada de suas peças de algodão orgânico desfiladas na coleção anterior (a de verão) às prateleiras. “O consumidor mais informado já valoriza uma peça com essa preocupação ambiental e paga mais por ela. Mas ainda é a minoria”, informa Fernando, para quem a manutenção do padrão de qualidade é também outro problema: “Por tratar-se de um processo mais artesanal, cores e tamanhos não têm o mesmo padrão de uma produção industrial de larga escala. O consumidor mais sofisticado entende e até curte isso. Mas ainda estamos no início de um processo, tanto por parte do consumidor como do fornecedor”.
Embora falar sobre os fornecedores seja “uma questão sempre delicada”, como desabafou uma estilista carioca que preferiu não se identificar, é sabido que um prazo de entrega atrasado é capaz de destruir uma coleção inteira.
O fato é que o apelo do ‘ecologicamente correto’ é capaz de encher páginas e mais páginas de revista, mas nem sempre isso é suficiente para transformar-se em realidade. Foi o que constatou a recém-formada estilista Fabiana Hargreaves, que em 2007 dedicou seu projeto de fim de curso no Senai-Cetiqt ao tema. “Moda e meio ambiente: a viabilidade do desenvolvimento de “coleções ecologicamente corretas” foi o título de sua tese. Nela, Fabiana quis mostrar quais possibilidades o mercado brasileiro atual oferece para um designer de moda que queira desenvolver uma coleção ecologicamente correta.
Infelizmente, suas conclusões não foram nada boas: tudo no Brasil ainda é muito disperso e pouco organizado quando o assunto é ‘moda ecologicamente correta’. Empresas que já trabalham com esse conceito, como a Amazon Life, que desenvolve bolsas e acessórios com o couro vegetal, e a Coexis, que trabalha com o corante natural, ajudaram na pesquisa da então estudante. Mas tudo foi difícil, desde encontrar material escrito, até o endereço de fornecedores e informações sobre iniciativas no setor. “Não há livros específicos sobre o assunto”, reclama. “Precisei recorrer a livros sobre o conceito do ecodesign; e outros, mais técnicos, sobre a parte ambiental na indústria têxtil para poder me familiarizar mais sobre como essa indústria – mais especificamente o setor de acabamento – prejudica tanto o meio ambiente”.
Como se vê, os problemas de se ter uma moda brasileira que respeite o meio ambiente começaram a aparecer. E só entraram no foco de visão porque é um dos setores que mais crescem e mais geram empregos no Brasil. Daqui para frente, fornecedores, estilistas e a mídia tem que transformar o ‘ecologicamente correto’ de um modismo da estação em algo viável aos consumidores.
Diego Rebouças é jornalista free-lancer no Rio de Janeiro.
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