No dia 22 de outubro do último ano, a Associação dos Amigos de Itatiaia – AAI (composta, basicamente, pelos proprietários de terrenos dentro do Parque Nacional do Itatiaia) protocolou uma proposta no Ministério do Meio Ambiente para redefinir os limites da unidade de conservação. O grupo pedia que 1.300 hectares da parte baixa do parque – onde está a maioria das casas e hotéis – se tornassem Monumento Natural, um tipo de área protegida que permite a existência de zonas particulares em seu interior.
Desde então, o governo federal não havia se pronunciado oficialmente a respeito, e até os funcionários do parque esperavam que uma contraproposta, definida por um grupo técnico do qual fazem parte servidores da própria unidade e do Instituto Chico Mendes, fosse apresentada. Uma reunião extraordinária, inclusive, estava marcada para o último sábado dentro do parque, mas foi cancelada dias antes. Era ali que, provavelmente, os interessados saberiam a posição do ministério.
Neste mesmo fim de semana, entretanto, o manda-chuva da pasta que cuida dos interesses ecológicos brasileiros, Carlos Minc, informou à imprensa que o parque não perderia um hectare sequer de seus domínios. A decisão diz respeito ao estudo elaborado pela comissão designada dentro do ICMBio e que foi anunciada quase um ano depois do pedido da AAI. Mas pode fazer bem ao parque, apesar de sua complexidade. Um dos próximos passos é criar um “Grupo de Impulsão”, formado por membros do governo, da sociedade civil e um funcionário do parque. Ele será coordenado pelo Chico Mendes e terá a função de fazer o plano dar certo.
De acordo com João de Deus Medeiros, diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, a intenção do presidente do ICMBio, Rômulo Mello, é apresentar o projeto ao conselho consultivo do parque antes de qualquer publicação no Diário Oficial da União. Agora, porém, é difícil que o governo volte atrás na escolha. Em resumo, Minc garantiu que a unidade de conservação será efetivamente implantada depois de 72 anos, mas só não se sabe quando.
O chefe do parque nacional Walter Behr celebrou a notícia e explica os pormenores do processo. Algumas propriedades sem casas montadas e outras que servem apenas para veraneio deverão ser indenizadas a preço de mercado. Neste caso, os terrenos passariam diretamente para as mãos do governo e depois à unidade. Os recursos para isso virão principalmente de compensações ambientais de obras de infra-estrutura. Cinco milhões de reais de Furnas serão usados apenas para regularização fundiária, valor que deve ser suficiente para iniciar os trabalhos, avalia Behr. Ele diz que isto é positivo pois ajuda a tirar o parque da inércia de décadas.
“Mas há outras possibilidades para se chegar a um consenso de regularização fundiária. Caso haja um casal de idosos que fez a sua vida lá, por exemplo, será traumático desapropriá-los. Por isso, haverá uma espécie de usufruto vitalício. Assim, eles continuarão vivendo ali, mas o terreno será imediatamente incorporado ao patrimônio do parque e não continuará com os descendentes”, explica.
Uma terceira alternativa foi pensada para os cinco hotéis dentro do parque. Para dois deles, Ypê e Donati, haverá um processo de amortização. Em primeiro lugar, serão avaliados os valores de cada um. Depois, o governo vai estipular o aluguel da concessão para que o hotel opere dentro de uma unidade de conservação – conforme dita a legislação que não foi cumprida até hoje.
Isso significa que eles permanecerão em atividade durante o número de meses suficiente para que as cotas de permissão cubram o valor total do empreendimento. A partir daí, a propriedade também passa para o estado sem qualquer ônus. É improvável, no entanto, que este trâmite leve menos do que dez anos.
Decisão conturbada
“Esses são os dois hotéis com condições de viabilidade, tanto operacional quanto econômica, para permanecerem no parque”, avisa Behr. Os outros terão, muito em breve, outros usos. Enquanto o antigo Hotel Simon será uma universidade de biodiversidade e gastronomia, o Aldeia dos Pássaros abrigará um complexo de visitação turística, com camping, alojamento e restaurante. Já o Cabanas, por sua vez, deve virar uma biblioteca pública. Leonardo Rodrigues de Britto, dono deste último, não ficou nada feliz com a decisão. “Um absurdo, mas vamos à luta ver o que podemos fazer para mudar”, diz.
João de Deus Medeiros explica, no entanto, que ouviu de Rômulo Mello a necessidade de delinear melhor o projeto para ser discutido com o conselho consultivo. “A proposta é por um acordo coletivo para se aproveitar todo o potencial da área”, afirma. Para Behr, trata-se de um ganho histórico nos 72 anos do parque, recém completos, já que todo o processo será feito de forma gradativa e negociada.
O chefe do parque ficou mesmo animado com a declaração de Minc. “Já imaginávamos que ele não fosse aceitar a recategorização do parque. Agora, há perspectiva real de solução e sucesso, vamos ver as saídas caso a caso. Trata-se de um projeto muito maduro”, avalia.
A dúvida, no entanto, é se o caso abrirá um precedente perigoso para as outras unidades de conservação ao aceitar, mais uma vez, não seguir o que determina o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC): indenizar todos os proprietários de terras e desapropriá-los o mais rápido possível.
Não é o que pensa Maurício Ruiz, diretor-executivo do Instituto Terra, uma das principais entidades sem fins lucrativos de proteção à Mata Atlântica do país. Segundo ele, o Brasil nunca pensou efetivamente em uma estratégia de larga escala para resolver o problema da regularização fundiária nas suas unidades de conservação. Por isso, as soluções precisam ser diferentes para cada lugar.
“É preciso ser um pouco flexível e usar a imaginação. O Itatiaia tem um valor simbólico enorme. Precisamos desse precedente, há ali um passivo ambiental de muitas décadas. Precisamos firmar contratos para ter garantia de que, com o tempo, as áreas ficarão mesmo para o parque. E a sociedade deve acompanhar este processo”, conclui.
A Associação dos Amigos do Itatiaia ainda não possui uma opinião formal sobre o tema, já que não foi informada pelo governo sobre o teor do possível ato administrativo que sacramentará as palavras de Minc. Leila Heizer, presidente da AAI, afirma que os membros da entidade foram pegos de surpresa com a notícia.
“Fizemos uma proposta, o ICMBio ficou de analisar e depois nos procurar com outras idéias. Sempre quisemos conversar, e achávamos que isso aconteceria. Enviamos apenas uma sugestão em outubro, não significa que fosse a solução. Estamos abertos à discussão, não somos especialistas em gestão. Mas quero só reafirmar que o cuidado com o parque é o interesse de todos, e precisamos lutar por ele”, afirma.
Luiz Carlos Bastos, prefeito de Itatiaia e proprietário do hotel Ypê, assegura que só existem duas alternativas para a União: ou juntar dinheiro e desapropriar todos os donos de terras no valor de mercado, ou deixar como está. “Falo isso há vinte anos. Define quanto vale, arrume os recursos e resolve o problema”, diz.
Novos caminhos
Independente dos próximos capítulos, a decisão do Ministério do Meio Ambiente anuncia novos tempos para o Parque Nacional de Itatiaia. Será uma mudança de paradigma, como explica Walter Behr. Segundo ele, é o momento de finalmente implementar a unidade criada em 1937 e triplicada 45 anos depois a partir do enfrentamento de questões que historicamente eram vistas e tratadas sem a devida seriedade e longe dos ditames da legislação nacional.
Agora que a recategorização não vai sair, existem dois caminhos estabelecidos pela chefia do parque como os mais importantes: uma nova ampliação e a reformulação completa do Plano de Manejo. A primeira idéia ainda está em estudos de viabilidade.
“Analisamos áreas sem benfeitorias, ou seja, sem títulos de terras, no entorno do parque, principalmente na região de Engenheiros Passos (limítrofe com a parte baixa, onde está a sede e o centro de visitantes). Mas o acréscimo deve ser de cerca de dez mil hectares”, explica Behr. Antes, no entanto, é preciso que haja reuniões públicas com os habitantes locais.
O segundo tópico, e talvez mais complicado, seja a confecção de um novo Plano de Manejo para a unidade, que definirá todas as regras de gestão e uso público do solo. Desde dezembro, a Câmara de Compensação Ambiental do Rio de Janeiro aprovou a emissão de recursos provenientes da construção de uma siderúrgica da Votorantim em Resende para este projeto. Seis meses depois, o dinheiro ainda não foi direcionado a Itatiaia.
“Acho deselegante esse assunto ter vindo à tona, porque o pessoal do parque não mostrou mais nenhum interesse nesses recursos. Eles não apresentaram termos de convênio para recebê-los, por exemplo. Não é tão simples assim, as unidades de conservação federais estão subordinadas ao ICMBio e a secretaria executiva do Ministério definiu que deseja assinar todos os repasses. Há muitos trâmites a serem resolvidos”, afirma Elisabeth Lima, subsecretária de Meio Ambiente do Rio de Janeiro e coordenadora da Câmara de Compensação Ambiental do estado.
Fato é, porém, que Itatiaia tem boas perspectivas pela frente. O atual Plano de Manejo, por exemplo, só atua sobre os onze mil hectares estabelecidos como parque em 1937. Os outros vinte mil contemplados na ampliação da década de 1980 não podem ao menos ter fiscalização – quanto mais outros usos, como observação de aves ou abertura de trilhas. Mais de 50% da área atual do parque, por exemplo, ficam no sul de Minas Gerais. Não há, lá, um posto sequer para acomodação de equipe técnica.
Em entrevista ao O Eco na última quarta-feira, antes do anúncio de Minc pela manutenção integral dos domínios do Itatiaia, Walter Behr dizia que a decisão teria um enorme reflexo para todo o sistema de unidades de conservação do país. Afinal, desmembrar o primeiro parque do país poderia ser uma ameaça para todos os outros. Agora, resta torcer para um desfecho realmente positivo. O que só o tempo dirá.
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Estranhíssimo. Toda essa história não convence. Certeza q tem interesses escusos por traz.
Mas como um hotel tem de ser fechado por causar impactos e nele transformarao em universidade? A universidade tambem nao causara impactos? Muito estranho isso ai.