As recentes viagens de pesquisadores e gestores ao Parque Nacional do Juruena (MT/AM) renderam mais do que registros importantes para biodiversidade. Eles tiveram a certeza de que não estão trabalhando sozinhos por lá. Barqueiros, ribeirinhos e garimpeiros confirmam que têm visto há meses técnicos do setor elétrico subirem e descerem os rios Juruena e Teles Pires realizando medições. Isso, para eles, não é novidade. Mas para os analistas ambientais do Instituto Chico Mendes (ICMBio) responsáveis pelo parque, foi uma desagradável surpresa saber que não estão sendo nem avisados sobre o ingresso de servidores do próprio governo e de empresas privadas na unidade de conservação.
O acesso de técnicos da Empresa de Planejamento Energético (EPE) no Parque Nacional do Juruena e em outras unidades de conservação de proteção integral foi autorizado, em julho de 2007, pelo então diretor do ICMBio, Marcelo Françozo. Regada de polêmicas por ter permitido a realização de pesquisas de potencial hidrelétrico dentro de áreas em que o próprio governo impede, por decreto, atividades econômicas, essa permissão também continha uma condição: “que os profissionais autorizados se identifiquem junto à equipe local para que juntos planejem a melhor forma de atuação”. A intenção era estabelecer uma maneira de garantir a plena execução das tarefas para os dois lados.
Mas foi por vias muito tortas que, em novembro de 2007, os gestores do parque do Juruena souberam pela primeira vez da presença desses técnicos na unidade de conservação. “Não achamos indícios, mas evidências mesmo. Marcos geodésicos, réguas pluviométricas da EPE, além de depoimentos de moradores e piloteiros”, descreve um dos analistas lotados no parque. As discussões sobre a coerência de se promoverem estudos assim dentro da unidade de conservação não entram no mérito, desta vez. Os analistas pedem apenas que sejam respeitados. “Eles têm que cumprir esta condicionante e não estão fazendo. Estamos em contato direto com a EPE. Se continuar assim, vamos tentar suspender essa autorização”, avisa.
Piloteiros de voadeiras que guiam os interessados em navegar pelos rios Juruena e Teles Pires confirmam a presença desses técnicos na região desde junho do ano passado, um mês antes do Instituto Chico Mendes autorizar as pesquisas nas unidades de conservação. Um dos piloteiros que trabalharam na expedição científica para diagnóstico de biodiversidade no Parque Nacional do Juruena lembra do que viu.
“Desde junho eles vêm aqui. Escolhem áreas onde tem ‘serras’ dos dois lados do rio, pedem para parar o barco, fazem anotações”, diz. Segundo ele, técnicos contratados pela empresa Camargo Correa executaram os levantamentos no rio Juruena, desde a região do Salto Augusto, no sul do parque, até seu encontro com o rio Teles Pires. Este rio, por sua vez, teria sido investigado pela Eletronorte. “Todo mês eles retornam para cá”, diz o piloteiro. Apesar disso, até hoje os gestores do parque jamais receberam comunicação oficial informando sobre a presença desses profissionais na unidade.
Respostas
A Eletronorte garantiu que não existe a possibilidade de técnicos terem sido vistos naquela área ano passado. “A empresa, juntamente com Eletrobrás e Furnas, foi responsável pelos estudos de inventário da bacia hidrográfica do rio Teles Pires, aprovados pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] em 21/07/2006”, informou a assessoria de imprensa. Já a Camargo Correa confirma a presença de técnicos da CNEC Engenharia S.A. na região, mas ressalta que tudo foi devidamente autorizado. Não deu detalhes sobre a conduta de não avisar sobre seus trabalhos aos responsáveis pelo parque. Informou apenas que redigiu uma nota de esclarecimento em conjunto com a EPE.
Diz a nota da Empresa de Planejamento Energético que os estudos de inventário do potencial hidrelétrico da bacia do rio Juruena começaram em setembro de 2006 – dois meses depois da criação do parque nacional. E que a CNEC Engenharia venceu a licitação pública para executar os trabalhos, abrangendo sobrevôos de reconhecimento, circuitos terrestres e fluviais. Para identificar o potencial hidrelétrico da bacia do rio Juruena e seus principais afluentes, a EPE explica que foram programados levantamentos e serviços de campo, “com a finalidade de coletar dados e informações geológicas, hidrológicas, climáticas e socioambientais”.
A EPE assegura que todas as informações solicitadas para o ingresso de seus técnicos foram entregues ao Instituto Chico Mendes no dia 9 de abril de 2007. No dia 30 de julho, veio a autorização, com a condicionante do contato com as equipes locais do parque. “Entretanto, ao chegar à área, os referidos profissionais não encontraram qualquer representação local do Instituto Chico Mendes”, afirma a nota. Se o local a que a EPE se refere é o interior do parque, a possibilidade de encontrar analistas ambientais lá dentro eram remotas. Afinal, os gestores trabalham no escritório regional do Ibama na cidade de Alta Floresta e se dirigem à unidade de conservação em situações pontuais, no atendimento a demandas específicas ou para execução de tarefas de campo de acordo com seu cronograma.
Cada ida ao parque requer imenso esforço logístico, pois são pelo menos três dias de voadeira até um ponto dentre seus 1,9 milhões de hectares, ou 1h30 de vôo, em média, até as poucas pistas de pouso nas proximidades ou mesmo no interior da unidade. No entanto, se tivessem procurado os analistas em seu local de trabalho, Alta Floresta, as chances de êxito seriam maiores. “Não existe nenhuma possibilidade de não terem conseguido falar com a gente aqui”, rebate um dos gestores.
De todo modo, os trabalhos correram de vento em popa. A EPE informou ainda que “nessas condições, e preocupados com o atendimento aos prazos previstos no programa de levantamentos, a equipe de campo cumpriu todas as atividades programadas, atentando com os cuidados necessários para evitar qualquer dano às perfeitas condições de conservação desta unidade de proteção integral”, diz empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). A EPE prometeu disponibilizar ao Instituto Chico Mendes os resultados dos levantamentos e análises, que serão consolidados em um diagnóstico socioambiental.
O mesmo documento que permitiu o ingresso de técnicos da EPE no Parque Nacional do Juruena autorizou-os também a acessar a Estação Ecológica de Iquê (MT), para estudos na bacia do rio Aripuanã. De acordo com a chefe da estação ecológica, até agora não se tem notícia sobre a presença de técnicos dentro da unidade de conservação, sobreposta em 98% pela Terra Indígena Enawenê Nawê. Na verdade, não houve nem oportunidade de procurar a fundo, uma vez que ainda não ocorreram expedições ou outros trabalhos de campo que dessem conta de conhecer seus 200 mil hectares. Oficialmente, a chefia da unidade também não recebeu nenhuma comunicação sobre a realização de pesquisas na área.
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