Quem tem que pegar ônibus urbano no Rio de Janeiro sabe como soa improvável que haja alguém preocupado em melhorar o sistema de transportes. Só na Avenida Rio Branco, a principal do centro, passam 85 linhas de coletivos diferentes todos os dias. Muitos deles velhos e barulhentos. A cidade, plana na maioria dos bairros, restringe suas ciclovias a poucos quilômetros das zonas mais nobres. E isso, somado aos investimentos pífios no transporte subterrâneo, transforma a cidade de maravilhosa a caótica neste quesito. Por trás de uma realidade dessas, é surpreendente saber que a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) esteja se engajando em programas ambientais. Mas está. Desde 2007, tenta implantar oito ações para que, em cinco anos, reduza em 24% as emissões de gases estufa da frota de ônibus.
A iniciativa tem o escopo de projetos que já aconteciam há pelo menos uma década, além da parceria com as 210 empresas associadas à Fetranspor. O EconomizAR – uma das oito ações -, por exemplo, já analisou 250 mil veículos desde 1997 para saber se a irradiação de material particulado pelo motor não ultrapassa o máximo permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Até agora, houve 92% de aprovação. “A frota hoje é avaliada por equipamentos homologados pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). A cada ano, os fabricantes reduzem um pouco o valor limite no lançamento de poluentes. Tudo varia de acordo com a tecnologia”, explica Guilherme Wilson da Conceição, coordenador do programa na Federação.
Doze anos depois de seu início, o EconomizAR poupou o uso de 400 milhões de litros de diesel e a emissão de um milhão de toneladas de carbono. Além disso, 20 mil toneladas de material particulado não foram enviadas diretamente para a atmosfera graças à inspeção dos veículos. Explica-se: uma vez que a queima do combustível é feita de maneira errada na engenharia de um ônibus, o volume de material particulado é muito maior.
Outra força-tarefa que faz parte do programa ambiental da Fetranspor é o Despoluir. Desenvolvido pela Confederação Nacional de Transportes e implementado no Rio de Janeiro através da Federação, ele tem como objetivo ajudar na gestão ambiental e administrar cursos sobre educação ecológica nas empresas associadas que demandam este tipo de trabalho. “Também ajudamos com o licenciamento ambiental, inventário de emissão de gases estufa, gestão de pneus e de olhos lubrificantes, por exemplo”, avalia Conceição.
Os ônibus que passam pelo EconomizAR ou aqueles que pertencem às firmas capacitadas pelo Despoluir recebem o Selo Verde, um adesivo colado no vidro dianteiro do veículo capaz de indicar a sua legitimidade ambiental. A história deste certificado começou em 2007, quando a antiga Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente) criou o Programa de Autocontrole de Fumaça Preta em Veículos do Ciclo Diesel. Logo depois, a Fetranspor se credenciou junto ao órgão (hoje incorporado ao Inea – Instituto Estadual do Ambiente) para fazer a medição semestral do material particulado emitido nas empresas associadas.
“É preciso que os veículos atendam a legislação e, por isso, há diversas entidades que fazem medições variadas a cada seis meses. A Fetranspor é uma delas. Seus técnicos nos enviam relatórios e, se aprovados, o Selo Verde é distribuído. O credenciamento do Inea é buscado no mercado”, analisa Antônio Carlos Dias, técnico da Gerência de Qualidade Ambiental, setor da Diretoria de Informação e Monitoramento Ambiental do Inea.
Depois de tudo, compensação
Desde a criação do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve),em 1986, o diesel reduziu grande parte de seus componentes responsáveis pelo lançamento de poluentes. É o caso, por exemplo, do monóxido de carbono, que hoje tem um volume 86% menor do que há 20 anos. O grande problema continua sendo o enxofre.
“Houve uma evolução absurda da década de 90 para cá e que não pode ser desconsiderada. O nível de enxofre caiu de cinco mil partes por milhão (PPM) e hoje está em 500 ppm nas regiões metropolitanas (no município do Rio de Janeiro, já é 50 ppm). Ainda não é o ideal. Estamos testando o diesel com 50 ppm e obtivemos uma redução de material particulado de 12%. Já pressionamos a Petrobrás para mudar”, diz Conceição.
Mas não é só. Durante seis meses, 3.500 ônibus da região metropolitana do estado rodaram com o combustível B5, diesel combinado com 5% de biodiesel. Só isso já provocou uma redução de 10% na irradiação de material particulado e de 4% de gases do efeito estufa. Por enquanto o projeto ainda é muito caro, o que inviabiliza o seu uso, segundo Conceição. Mas novas tecnologias já estão sendo analisadas, assim como o B20, em fase de teste no Rio de Janeiro. Seus resultados não foram computados por enquanto.
Para além das alternativas de mitigação dos efeitos do combustível fóssil, o Programa Ambiental Fetranspor também pretende desenvolver o maior projeto de compensação ambiental do setor de transportes no país. A sua ideia é que em cinco anos pelo menos 5% das emissões dos ônibus seja compensada através do plantio de árvores. Até agora, 120 mil mudas já foram cultivadas, na expectativa de que 72 mil toneladas de carbono sejam seqüestradas da atmosfera. Para completar, o fim do vale transporte de papel em 2006 representou a manutenção de onze mil árvores por ano.
Saiba mais:
Enxugando gelo no meio urbano
O aniversário cinzento de São Paulo
Festinha estatal regada a diesel
Atalhos:
Fetranspor
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