Quatorze dias após a publicação da reportagem Teoria e prática, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e presidente-interino do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio procurou O Eco para dar sua visão sobre as realizações do órgão criado há um ano.
Durante a conversa, realizada na última sexta-feira (9), em Brasília (DF), João Paulo Capobianco evitou fazer um balanço do primeiro ano do ICMBio, mas tratou dos investimentos previstos e da situação das unidades de conservação brasileiras, do planejamento do novo órgão federal. Ele rebateu algumas críticas, principalmente aquelas de parcela dos servidores do antigo Ibama, e revelou parte dos planos em estudo para funcionamento e gerenciamento de áreas protegidas. Tudo para tentar dar fim à pindaíba histórica do setor.
Capobianco também fala sobre o polêmico aluguel do prédio para o instituto, por R$ 6 milhões anuais, e desvenda que foram os presidentes da Natura que doaram recursos para encaminhar estudos sobre o planejamento estratégico do órgão.
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Qual o balanço do primeiro ano de ICMBio?
Embora a medida provisória que criou o instituto autorize esse período, em respeito ao debate interno e à intensa discussão que houve no Congresso, não podemos dizer que há um ano de operação. Além disso, nossa opção foi por um processo de construção institucional, baseada em planejamento e definição da estrutura e dos processos do novo órgão. Não poderíamos cometer o erro de passar a operar imediatamente, sem ter tudo isso organizado. Para tanto, buscamos uma parceria especializada em gestão pública estratégica, cuja primeira fase de trabalho deve estar pronta até julho. Assim, pretendemos colocar o ICMBio em um patamar inovador, em ações e gerenciamento.
O balanço, então, é positivo?
Sim. Trata-se de uma transição cuidadosa. Recentemente fizemos uma oficina com vários gestores de unidades de conservação (UCs) e criamos também uma comissão interna para auxiliar no encaminhamento de todas as mudanças, inclusive de pessoal. Queremos chegar ao fim do ano com uma instituição moderna, construída e organizada. O planejamento estratégico também mostrará o volume de recursos necessários à gestão e estruturação das áreas protegidas federais.
O orçamento anunciado de R$ 570 milhões é suficiente para MMA e órgãos subordinados? Com quanto deve ficar o ICMBio?
Nossa posição é favorável. Saímos com mais recursos do que executamos no ano passado e nossa perspectiva é de elevarmos o montante ao longo do ano, principalmente com emendas de parlamentares. Nosso horizonte gira em torno de R$ 700 milhões, apesar de este ser um ano difícil, de eleições. Ano passado, o ICMBio operou no modelo e com recursos do Ibama. Tínhamos quase R$ 130 milhões, mas operando em moldes que levaram à destinação de R$ 24 milhões a áreas protegidas federais e cerca de R$ 2,9 milhões a programas de conservação da biodiversidade. Boa parte desses recursos não chegou na ponta, nas unidades de conservação. Foi gasto, por exemplo, em veículos e computadores que não alcançaram parques e reservas. Ficaram em outras áreas, em escritórios. Mas de agora em diante, o ICMBio terá orçamento próprio. Este ano serão aproximadamente R$ 146 milhões para investimentos. Mas os valores ainda são muito baixos.
Como os repasses funcionarão?
Por exemplo, cada unidade de conservação terá orçamento específico. Assim, os gestores poderão planejar mais adequadamente suas ações e serem cobrados por sua atuação. Antes, tudo era diluído nos montantes repassados aos escritórios e superintendências regionais.
Mas não falta infra-estrutura mínima para a maioria das UCs receberam recursos e garantir fiscalização? Estudos não-governamentais estimaram em quase R$ 1 bilhão o montante necessário para regularizar as UCs nacionais.
O estudo da TNC – The Nature Conservancy é uma contribuição, mas é baseado em comparações e não em um planejamento estratégico. Para criar o ICMBio, avaliamos modelos de países como Nova Zelândia, México, Costa Rica, África do Sul, Argentina, Austrália e muitos outros. Olhando para essas experiências, vemos que estamos na linha de baixo: o Brasil investe muito pouco em unidades de conservação. Mas o que interessa é trabalhar com as necessidades reais das áreas protegidas. Não precisamos ter equipes, sedes e centros de visitantes para todas as UCs. Em algumas regiões há necessidade de aumento enorme de infra-estrutura, enquanto em outras poderemos trabalhar com conjuntos de áreas protegidas. Mas a única certeza é de que será necessário investir mais dinheiro nas unidades de conservação.
A idéia é implementar escritórios regionais?
Não considero essa uma solução ideal. Eles tendem a reproduzir o modelo das superintendências, intermediando recursos. Soluções óbvias e simples nem sempre são as melhores. Uma visão mais adequada é atuar a partir das próprias unidades de conservação.
E como fica a fiscalização dentro e fora dos limites das Ucs?
Não há dúvida. As áreas protegidas serão fiscalizadas pelos funcionários do ICMBio. A lei é clara, deu a eles poder de polícia. Já temos autorização das Forças Armadas para encaminhar treinamentos e portes de armas para esses servidores. Eles também atuarão no entorno das unidades de conservação, em parceria com o Ibama, Polícia Federal e órgãos estaduais de meio ambiente. Antes, o Ibama usava equipes das UCs para fiscalizar outras regiões. Agora, será reforçada a fiscalização dentro das áreas protegidas.
Por que o Parque Nacional de Brasília (Água Mineral) está há quase sete meses em cobrar ingressos?
É uma questão de adequação. Não podemos agir como no passado, quando alguns gestores se achavam donos dos parques e reservas. Estamos cheios de reis e imperadores de UCs. Estamos trabalhando para termos uma estrutura permanente de capacitação, reforçando o papel do serviço público. Antes, quando havia dificuldades, se fechavam os parques. No Parque Nacional da Tijuca (RJ), por exemplo, tivemos problemas de corrupção e houve propostas para fechamento do parque. No entanto, o acesso foi liberado, de forma controlada, enquanto não se podiam cobrar corretamente os ingressos. No Parque Nacional de Brasília, esperamos reiniciar a cobrança rapidamente. Os processos licitatórios, no entanto, não são simples.
A Asibama, associação nacional dos servidores do Ibama, é uma das principais críticas ao ICMBio. Contestam o aluguel do prédio por R$ 6 milhões ano, compra de notebooks e o processo de criação do órgão. Que acha?
A Asibama é um player legítimo, pode fazer suas análises, mas o que debatemos com eles são questões salariais, condições de trabalho, assuntos da corporação. Não acho que ela tenha mais direito que qualquer outra instituição para avaliar a eficiência do instituto. Isso tem que ser feito com base em dados concretos. Sobre o aluguel do prédio, análises técnicas mostraram que não é viável manter Ibama e ICMBio no mesmo espaço. Para isso, teríamos que construir imediatamente novas áreas dentro do Ibama e, ainda, manter equipes dispersas pela esplanada. A melhor solução foi o aluguel de um prédio, até que se obtenha um espaço público adequado para acomodar pessoal e infra-estrutura. Está prevista a construção de dois blocos, próximos ao Ministério do Meio Ambiente.
O que está encaminhado em termos salariais, condições de trabalho e concursos públicos?
O grande desafio do ICMBio é crescer na ponta, nas unidades de conservação, nos centros de pesquisa. Temos que ter a instituição mais enxuta possível em Brasília. O prédio locado tem capacidade para 700 pessoas, e o corpo funcional que temos hoje em Brasília cabe com folga nesse espaço. Há previsão de dois novos concursos públicos. Sobre salários, estamos próximos de um acordo envolvendo funcionários, com aumentos escalonados nos próximos três anos. A Asibama tem sido importante nesse debate.
Qual é exatamente o trabalho da consultoria brasiliense Publix?
Esse instituto está elaborando um planejamento estratégico para o ICMBio, avaliando qual será o melhor modelo de gestão, necessidades de pessoal e de recursos. Essa primeira etapa de trabalho estará pronta até julho. Tudo será publicado em um novo decreto presidencial, já que o primeiro modelo era muito parecido com o Ibama. Depois, o funcionamento do instituto será ainda mais detalhado, com metas operacionais baseadas em parâmetros técnicos. Temos que ter uma instituição transparente para acabar com o “achismo”, publicar de forma clara repasses e execuções orçamentárias, por exemplo.
De quanto é o repasse do Funbio para essa primeira fase do trabalho da Publix?
Na faixa de R$ 200 mil. A negociação foi feita diretamente entre Funbio – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade e Publix. Publicamos apenas o termo de referência para contratação da empresa de consultoria, buscando alguém com experiência em planejamento do setor público.
Uma nota da revista Isto É Dinheiro sugeriu que os recursos repassados pelo Funbio seriam da Natura.
É uma doação, não da empresa Natura, mas de seus presidentes, de pessoas físicas. Acho fantástico. Espero que a gestão do ICMBio tenha muitos parceiros. Queremos valorizar a participação da sociedade na criação e implementação de unidades de conservação. Temos que mudar a visão de hoje, onde as UCs são quase incrustações no território, sem relação com o entorno. Tudo fruto de uma visão equivocada, onde todo mundo detesta parques e reservas. Mas as áreas protegidas têm que ser entendidas e protegidas pela sociedade. As pessoas têm que ser suas amigas.
Por que foram criadas apenas três UCs no anúncio do Plano Amazônia Sustentável? A lista na Casa Civil tinha quase 20 novas áreas, incluindo a Reserva Extrativista do Médio Xingu.
Temos uma lista grande de novas áreas protegidas. A Resex do Médio Xingu está definida e aprovada. Todavia, o Ministério de Minas e Energia queria avaliar o uso do Rio Xingu para aproveitamento hidrelétrico naquela área. Mas ficou claro que isso não é uma opção. Agora, sua criação está submetida a questões burocráticas, colocando em risco as comunidades que lá vivem. A importância ambiental e social dessa unidade está mais do que comprovada. A questão é de segurança, de urgência. Nos próximos dias isso deve se definir.
Quando o ICMBio terá seu próprio presidente?
A opção adotada é concluir o processo de planejamento, até meados de julho, para que o novo presidente assuma um instituto organizado e planejado, de pé. Não poderíamos responsabilizar ou cobrar resultados de alguém antes desse trabalho estar concluído. Temos consciência de que fizemos uma operação complexa, de governo, para tirar as unidades de conservação da situação lamentável em que se encontram. Sabemos que a sociedade não dará trégua, haverá muita cobrança.
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