Coletiva dos países africanos anuncia bloqueio das
negociações. (foto: Gustavo Faleiros) |
As esperanças de que um novo acordo climático possa ser alcançado em Copenhague, na reunião da ONU em dezembro, ficaram congeladas por horas nesta terça-feira, para depois voltarem a se aquecer. A ameaça de morte ocorreu em Barcelona, onde acontece até sexta-feira a última rodada de negociações antes do grande encontro na Dinamarca.
A razão para tamanha variação no humor dos ambientalistas e negociadores na cidade catalã foi a decisão tomada pelos países africanos logo no início do dia de que iriam bloquear as conversas sobre o futuro acordo climático. O boicote foi anunciado em resposta à falta de números concretos sobre as metas de redução de gases de efeito estufa por parte dos países desenvolvidos.
De acordo com lideranças do Grupo Africano, neste momento, as negociações de Copenhague estão bastante vagas, com delegações concentradas em discutir visões de longo prazo para o planeta sem entrar nos detalhes de como essa visão vai ser alcançada. “Como podemos debater qual será a temperatura do planeta ou as concentrações de gases se não estamos falando de como vamos atingir isso”, reclamou o líder do Grupo Africano, Kamel Djemoaui. Outro negociador, Pa Osman Jarju, da Gambia, falou que os países desenvolvidos estão colocando “o carro na frente dos cavalos”, numa versão do nosso conhecido ditado.
Em termos burocráticos, o que os africanos estavam apontando era uma total falta de compromisso dos governos em negociarem metas dentro da estrutura do Protocolo de Kyoto. Para se entender a confusão, é preciso lembrar que as negociações do clima na ONU correm em ‘dois trilhos’ uma dentro da Convenção, que inclui os Estados Unidos, e outra dentro da estrutura de Kyoto, onde existe uma divisão clara de responsabilidades, embora os americanos estejam fora.
O descontentamento cresceu quando o Grupo dos 77 + China, que inclui o Brasil e muitos outras economias emergentes anunciaram que apoiavam o boicote africano. Ficou claro neste momento que as negociações de Copenhague não estavam muito longe de ir por água abaixo. Em resumo, a divisão entre aqueles que defendem a estrutura política de Kyoto e entre aqueles que querem o nascimento de um acordo diferente se aprofundaram ainda mais.
Melhora relativa
debate sobre metas (foto: Gustavo Faleiros) |
Os ânimos melhoraram já no fim de tarde em Barcelona com uma conquista importante para os países em desenvolvimento. Com a pressão e boicote às negociações feita pelo grupo africano, o presidente do Grupo de Trabalho do Protocolo Kyoto determinou que 60% do tempo dedicado às negociações do clima sejam focados na discussão de números. Ou seja, as conversas em Barcelona finalmente vão entrar nas metas propriamente ditas.
O problema, dizem alguns, é que se está muito próximo à reunião de Copenhague para se chegar a um acordo detalhado. Em Barcelona o que começou a circular é uma definição do que poderá ser o acordo de Copenhague: “um acordo político com compromissos” (na tradução livre de political binding agreement). Na visão dos africanos (e do G77) isto é só um sinal de que os ricos não querem falar sobre números.
A culpa como sempre acaba nas costas dos Estados Unidos. Mesmo com Barack Obama no comando, parece que nas negociações do clima estão todos esperando para ver o tamanho do compromisso dos americanos.
O influente Pew Center on Global Climate Change deu nesta terça uma coletiva de imprensa e colocou na mesa sua posição tradicional de que Copenhague não é para ser mesmo um acordo detalhado. O mais importante dizem os analistas do instituto é decidir a “arquitetura” do novo tratado do clima. “Achamos que deve ser um novo tratado que inclua todas as maiores economias do mundo” , disse Elliot Diringer .
Decepção e sexta-feira 13
foto: ABR Enquanto isso em Brasília, Minc e Dilma anunciam o
adiamento da proposta brasileira para o clima |
No mesmo dia em que os tensões se elevaram em Barcelona, esperava-se um anúncio do governo Lula sobre a proposta que o Brasil levará a Copenhague. Em reunião em Brasília com ministros do Meio Ambiente, Agricultura, Ciência e Tecnologia, além da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o presidente não decidiu nada. O anúncio foi adiado para a sexta, dia 13 , o detalhamento das metas que o país está disposto assumir.
As organizações não-governamentais brasileiras que estão nas negociações desta semana criticaram duramente o adiamento da reunião. “O Brasil perdeu uma grande oportunidade”, diz Carlos Scaramuzza, do WWF Brasil. “Ficou mal aqui em Barcelona, o chefe das negociações (o ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado do Itamaraty) ficou no Brasil para participar da reunião com Lula e vai vir para cá sem decisão”.
Scaramuzza comparou o comportamento do governo brasileiro a de um jogador de poker, que esconde as cartas. Cogitou-se entre as ONGs que o adiamento decidido por Lula foi um reflexo da vitória dos países africanos. Ou seja, a bola está de novo na mão dos países desenvolvidos. Enquanto não surgem as metas de lá, não surgem as de cá. Ou vice-versa.
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