Conhecer a realidade dos países não desenvolvidos é essencial para traçar as estratégias em relação às mudanças climáticas. Mas eles ainda estão muito ao largo das discussões internacionais. Esta é a opinião de pesquisadores de cerca de 30 países emergentes reunidos nos últimos dias no Brasil para o workshop “Impactos, adaptação e vulnerabilidade: necessidade e prioridades de pesquisa nos países em desenvolvimento”, realizado na sede do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre os dias 4 e 6 deste mês.
O destaque não foi para Brasil e China, por exemplo, que estão à frente de outras nações não desenvolvidas quando se trata da produção de ciência e visibilidade internacional. Estes, mesmo que ainda de forma insuficiente, conseguem seu lugar nos debates. O que esteve em questão durante o encontro é a realidade de como nações como Senegal, Mongólia, México e Colômbia, por exemplo, cujos impactos das mudanças climáticas ainda são, de certa forma, desconhecidos.
Para entender melhor o que está em jogo em algumas dessas nações, o site O Eco ouviu dois pesquisadores, do México e de Senegal, sobre o assunto. Nas respostas, fica claro que a palavra “impacto” pode assumir diversos significados além daqueles relacionados diretamente ao clima, que as cidades perdem espaço para os debates sobre florestas e que é preciso agir rápido, para as nações emergentes entrem de vez nas discussões que ocorrem no âmbito das Nações Unidas e para que suas reais necessidades sejam debatidas com a atenção que os pesquisadores desejam.
Visão do semi-árido africano – Mbow Cheikh, pesquisador da Université Cheikh Anta Diop, Senegal. Atua na área de percepção das mudanças climáticas e estratégias de adaptação em savanas da região central de seu país e assuntos correlatos. Já desenvolveu trabalho sobre o tema para o Departamento de Geografia e Geologia da Universidade de Copenhague (Dinamarca).
O Eco – Como as mudanças climáticas estão impactando seu país?
Mbow Cheikh – Senegal é um país semi-árido, povoado por 12 milhões de pessoas, e 60% dessas pessoas vivem em zonas rurais do país. Nossa estação chuvosa dura 3 ou 4 meses por ano e esse período é responsável por 80% da nossa produção de alimentos, então, a população é muito dependente da chuva. Mas quando avaliamos a vulnerabilidade do nosso país, percebemos que o clima é um sub-fator. Tem o fator econômico internacional em conta, como a última crise econômica, que tem sido muito ruim para a nossa população, porque reduz os investimentos governamentais para o desenvolvimento, reduz muitas possibilidades de investimento na agricultura. Então, qualquer crise internacional é um fator de vulnerabilidade. A política é outro fator de vulnerabilidade, além do fator climático, porque se você tem uma política agrícola pobre, resulta em uma baixa produção agrícola, poucos equipamentos, pouca entrada de capital, que também repercute nas populações locais.
Então as mudanças climáticas não trazem impactos diretos?
MC – Eles podem ser considerados diretos. Por exemplo, durante ajustamentos estruturais [por causa da crise], o IMF [Fundo Monetário Internacional, na sigla em inglês] pediu pro governo retirar os investimentos na produção agrícola. Os impactos diretos são não ter equipamentos para a agricultura, não ter microcréditos para comprar fertilizantes etc. Os agricultores se vêem forçados a pedir empréstimos ao setor privado, a pessoas privadas, e as taxas [de juros] dos empréstimos se tornam sempre mais altas, caindo num sistema econômico que eles [população local] não estão habituados. Então, pode ser considerado direto em partes.
Como seu país está se preparando para as mudanças climáticas?
MC – A preparação para isso não é obvia. Porque nós somos um país pobre, e estar preparado significa economizar muito dinheiro para poder lidar com impactos, como inundações, secas. E a quantia de dinheiro disponível para o desenvolvimento não é suficiente. Nós temos questões de saúde, educação, muitas outras prioridades, o que faz o governo usar o dinheiro em outros lugares, não sobrando recursos para usar em casos de catástrofes, perigos naturais, o que expõe as populações locais a muitos riscos.
A população tem conhecimento das mudanças no clima?
MC – Eles sabem sobre variação climática, mas quando se trata de tendências a longo prazo, depende de qual parte do pais você é. Mas todos dizem que a temperatura e as chuvas têm mudado e eles têm sempre desenvolvido atividades para responder a essas mudanças, por isso eles são considerados resilientes. Se olharmos as atividades rurais, a população tem um sistema de deslocamento pra onde tem alimentos, água…Eles se transferem para diversas partes do país onde podem encontrar os recursos. A agricultura, por exemplo, tem muita diversidade na colheita. Agora é a estação da melancia, do milho, e tem uma classe social nas cidades que pode pagar pelo padrão europeu de comida, então os pequenos agricultores não cultivam tanto para comeram, mas para negociarem no mercado. A população da zona rural tem muitas estratégias como estas pra adaptarem-se à situação.
Pergunto porque, aqui no Brasil, uma grande parte da população não tem conhecimento sobre as mudanças climáticas, muitos porque não têm acesso à informação. Isso também acontece no Senegal?
MC – Sim, mas depende do jeito que você explica sobre as mudanças climáticas pra população local. Se você se refere ao que aconteceu no passado, como as graves secas, as chuvas fortes, altas temperaturas, eles entendem do que você esta falando, sabem exatamente o que é mudança climática.
No Senegal é diferente do Brasil, que é muito chuvoso, tem muita água. No Senegal temos uma média de chuvas de 400 ml ao ano. Assim, qualquer mudança nas chuvas ou na temperatura será diretamente sentida pela população local. Eles são conscientes disso, mas o problema é saber como reagir a isso. Algumas reações deles são danosas a eles mesmos. Por exemplo: se precisam de dinheiro, a única coisa que pensam é cortar as árvores pra vender como carvão no mercado, o que, a longo prazo, produz desertificação na sua própria região. Eles não planejam a longo prazo. O governo teria que intervir e pedir que as pessoas planejem a adaptação pensando a longo prazo, enquanto ele [governo] reage a questões urgentes da população, como a alimentação.
P- O que você espera desse workshop?
MC – Eu espero que esse encontro promova uma grande colaboração entre [os países] o Sul, porque isso faria a voz do Sul ser mais forte e ser ouvida nas grandes conferências. Nós ainda somos dominados pelos países do hemisfério norte no confronto das partes. Também em relação a orientações, à ciência, o desenvolvimento que deriva a tomar decisões, tudo vem da ciência desenvolvida pelos países do Norte. Se o Sul harmonizar, definir os pontos fortes a serem defendidos no confronto de partes, isso já seria uma grande conquista. E nós temos líderes de países como o Brasil, os grandes países do sul, que devem liderar a estrada para os países da África, que se apresentam sozinhos, com pontos de vista diversos. Os países do Norte não podem discutir conosco em uma conferencia sem levar em consideração o que é o mais importante dessa causa, que é adaptação. Porque nos não somos responsáveis pela mudança climática, não somos responsáveis pelo CO2, mas estamos sofrendo com o CO2. Ao mesmo tempo que eles estão investindo em mitigação, eles têm que investir muito dinheiro em adaptação também. porque são responsáveis por isso. É isso que eu espero desse tipo de encontro.
Produção insipiente – Patricia Lankao, pesquisadora mexicana, é diretora do Instituto para Estudos da Sociedade e Meio Ambiente do National Center for Atmospheric Research (NCAR), Reino Unido. Estuda a interface das dimensões humanas e as mudanças ambientais globais, como as causas dos impactos da sociedade nas mudanças climáticas, principalmente aplicadas às cidades.
O Eco – Como estão as discussões sobre mudanças climáticas nos países em desenvolvimento?
Patrícia Lankao – Tem dois elementos da discussão. Os países desenvolvidos estão pedindo que alguns países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, México se comprometam a reduzir emissões. Mas eles não estão muito convencidos. Enquanto isso, o tema da adaptação necessita ter mais atenção.Eu acredito que os países em desenvolvimento devem impulsioná-lo [o tema da adaptação] mais, porque, se tem algo que é certo é que os países em desenvolvimento, como nós, sobretudo na América Central, serão especialmente afetado por ondas de calor, inundações, mudanças no nível do mar. Os países desenvolvidos têm que apoiar os esforços de adaptação nos emergentes.
Mas há estudos suficientes nos países em desenvolvimento? Como é o nível desses estudos?
PL – Depende do país. Países como o Brasil, México, Chile, têm estudos um pouco mais avançados, os outros países estão começando. Mas, apesar disso, eu acredito que temos que entender como vamos administrar esses fenômenos, como ondas de calor, inundações, como nos veremos afetados como sociedade, como já somos capazes de responder. E, todavia, temos que trabalhar mais. Estamos ainda um pouco atrás de como a realidade vai evoluir.
Teremos tempo hábil para fazer esses estudos?
PL – Eu acredito que temos que atuar mais rapidamente, sermos mais agressivos nos estudos e tudo isso. Necessitamos de mais especialistas, do interesse dos tomadores de decisões.
E na América Latina há pessoas capacitadas para fazer esses trabalhos?
PL – Tem, mas não o suficiente. Precisamos de mais.
E o que precisamos fazer para capacitá-los?
PL – Criar programas que trabalham com mudanças climáticas. Criar matérias e seminários nas áreas em desenvolvimento urbano, saúde, planejamento governamental…ou seja, temos que colocar o tema de mudanças climáticas por todos os lados, por que muitas áreas estão relacionadas com ele.
Mas as pessoas “comuns” têm a percepção sobre as mudanças climáticas?
PL – Acredito que não. É muito difícil. Porque é muito difícil ver a mudança climática, o vemos como algo muito global. Temos que fazer um esforço de conscientizar as pessoas de quanto nos afeta essas mudanças em nossa vida cotidiana. Esse será um bom ponto.
Você falou das grandes cidades em sua apresentação. Elas são esquecidas nas discussões?
PL – Se existe uma área que tem sido menos estudada é a das cidades. Hoje 50% da população mundial vive nas cidades. Na América Latina mais de 70% da população vive na cidades. E todavia não sabemos como as mudanças climáticas vão nos afetar nas áreas de saúde, infra-estrutura, energia, água, alimentos. Não temos tanta idéia disso.
Mas nem mesmo no âmbito da conferência do clima, da ONU.
PL – Não. Esse é um tema que está apenas começando. A despertar o interesse dos estudiosos. Por exemplo, resolvemos agora fazer um trabalho, e estou nele, mas somente em 2011 vamos publicar. Imagina, queríamos te-lo agora, pronto. Este é um tema menos explorado que os outros e é um tema fundamental. Tão fundamental quanto agricultura e florestas e esses temas recebem mais atenção.
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