Nesta noite de quinta-feira, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, o principal negociador do Brasil na 15a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, ficará acordado até mais tarde. Como vice-presidente do Grupo de Trabalho do Acordo de Ação de Longo Prazo – que carrega a assustadora sigla AWG-LCA (em inglês), ele terá que fazer hora-extra ao lado do presidente do Grupo, o maltês Michael Cutajar, na tentativa de finalizar o primeiro rascunho do que será um dos principais documentos de Copenhague. Mas a poucas horas de fechar o texto, uma das peças chave está faltando: os recursos financeiros para o combate à mudança do clima no longo prazo. “Não há nenhuma proposta sobre a mesa”, disse Figueiredo em coletiva de imprensa.
No documento do LCA, discute-se a chamada “visão compartilhada”, um conjunto de decisões que direcionará toda a política global de combate à mudança do clima. Nas negociações deste texto, por exemplo, está a meta geral de redução de emissões que deve ser perseguida pelo conjunto de países membros da Convenção da ONU. Outros pontos são as diretrizes para a transferência de tecnologia entre países e ações de mitigação que incluam a diminuição do desmatamento de florestas tropicais (o instrumento REDD).
Mas entre todas as coisas, a maior expectativa com relação ao texto é mesmo a definição de mecanismos de financiamento. Não existe sequer consenso sobre a quantia de dinheiro que deve ser investida para financiar as ações contra o aquecimento global. O que há, é claro, são muitos estudos que mostram cifras que variam de US$ 50 bilhões a US$ 200 bilhões por ano. “Falta o comprometimento de países desenvolvidos em garantir esses recursos,” conta o negociador brasileiro.
O texto do acordo de Copenhague deve tornar-se público nesta sexta e, a partir daí, submetido às 192 delegações presentes na Convenção da ONU. Se aprovada, a proposta será a base das conversas de alto nível, que começam na terça quando chegam os ministros e chefes de estado. A esperança é que até lá o dinheiro realmente apareça sobre mesa.
“Esperamos que tenhamos aqui um Copenhague a aprovação de um fundo climático”, afirma a Coordenadora para Energia e Clima do WWF-França, Elise Buckle. Para ela, a idéia do presidente Nicholas Sarkozy de taxar transações financeiras para levantar fundos para o clima é boa, mas impossível de ser negociada em Copenhague. Portanto, o melhor, diz ela, é aprovar um pacote financeiro, cujo os detalhes de como será implementado só seriam dabatidos depois. O diretor de Economia da Conservação Internacional, Alexandre Prado, aponta que existe um dilema nas negociações: se é melhor decidir primeiro sobre os valores globais ou a forma com eles serão gerenciados. “Talvez se consiga mais dinheiro se tivermos um acordo mais robusto sobre a forma como o dinheiro será distribuído”, ele pondera.
Nesta sexta, até mesmo o multimilionário George Soros entrou na roda. Ele foi a Copenhague levar uma proposta que levantaria US$ 100 bilhões ao ano para um fundo climático. Sua idéia envolve utilizar recursos dos países desenvolvidos que estão aplicados no Fundo Monetário Internacional e investi-los prioritariamente em projetos de energia verde “Esse dinheiro já existe, está parado ali, aos pés do FMI”, pontuou o investidor para a alegria dos ambientalistas, que circularam comunicados cheios de elogios à proposta.
“O caminho é Tuvalu”
Mas nem só de dinheiro se fala em Copenhague. Desde quarta, existe muita atenção aos movimentos da Aliança dos Pequenos Países Insulares (AOSIS, em inglês). Liderados por Tuvalu, estas nações, certamente as mais ameaçadas pelos impactos das mudanças climáticas, resolveram cobrar de todas as partes medidas mais duras para a redução de emissões. Ontem, a delegação de Tuvalu conseguiu jogar atenção sobre sua proposta de Protocolo , ao pedir a suspensão das negociações até que o documento fosse analisado.
Já nesta quinta, o texto de Tuvalu passou a ser defendido por algumas ONGs como o caminho mais sensato a ser seguido nas negociações na Dinamarca. “Esse documento contém todos os elementos necessários para mantermos a temperatura em um nível inferiror a 2oC. Ele não acaba com o Protocolo de Kyoto e propõe uma meta de 80% para todos os países até 2050”, analisa o cientista-chefe de questões climáticas da WWF, Dr. Stephen Singer.
O embaixador- extraordinário de Mudanças Climáticas do Itamaraty, Sérgio Serra, relatou que o documento de Tuvalu permanece em discussão no plenário da Conferência, e tem o apoio do Grupo dos 77+China, do qual o Brasil faz parte. A União Européia e os Estados Unidos não aceitam a linha das pequenas ilhas, pois continuam a defender que o Protocolo de Kyoto deve mesmo ser substituído por um novo tratado, onde o peso das emissões da China, Brasil e Índia, entre outros emergentes passaria a ter valor nas metas globais.
Neste momento cinco propostas de um novo tratado legal estão mirando o fim do Protocolo de Kyoto. Mas aparentemente não há sucesso. Até mesmo o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, reafirmou nesta quinta seu apoio ao tratado assinado em 1997 “Kyoto vai sobreviver e tem que sobreviver por vários motivos. Se formos criar um novo instrumento, vai levar tempo para implementá-lo. Não podemos garantir quando ele entraria em vigor, portanto temos que evitar esse intervalo”. (colaborou Andreia Fanzeres)
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