Pouco mais de dois meses após ter vivido em Copenhague uma das maiores alegrias da minha vida, na reunião do Comitê Olímpico Internacional que escolheu o Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, volto à Capital dinamarquesa para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15). O evento do COI foi, para o Brasil, o ponto alto de uma campanha vitoriosa. Para a comunidade internacional, a COP-15 é o momento crucial de um longo processo negociador, no qual cada dia de atraso para tomarmos as decisões que a realidade nos impõe representa um dia a mais de prejuízo para o planeta como um todo.
Ainda que possa haver algum debate sobre os critérios usados para avaliar o tamanho desse dano, ninguém mais discute que as perdas acumuladas são significativas e que representam uma ameaça real e imediata para a humanidade. Os padrões de desenvolvimento e de consumo ditados a partir da Revolução Industrial, e disseminados pelo mundo ao longo do século XX, deixaram como herança para o século XXI um planeta em profundo desequilíbrio. Esse desequilíbrio não é apenas ambiental, mas também social e econômico. A tarefa de construir consensos e de buscar novos equilíbrios demandará coragem e desprendimento, virtudes que até o momento, lamentavelmente, não foram a marca nesse debate.
Por esse motivo, considero um passo positivo a confirmação da presença de mais de 100 Chefes de Estado e de Governo para os dias decisivos da conferência. O fato de que vamos conseguir reunir número tão expressivo de líderes mundiais em Copenhague é um bom começo nesse momento de definição. Mas claramente não é o suficiente. Cada um de nós terá de dar sua parcela de contribuição e de sacrifício, sem artimanhas negociadoras que só contribuem para irritar os demais interlocutores e para retardar a busca de soluções.
“Como líder político e ex-líder sindical, sei que qualquer ação concreta é precedida de muita conversa, de muita negociação, e com esse espírito volto à Dinamarca” |
Ninguém ignora que o processo de desenvolvimento econômico e de degradação ambiental que o mundo testemunhou ao longo das últimas décadas foi profundamente assimétrico, no plano internacional e até mesmo no interior de cada país. Enquanto alguns obtinham e obtêm benefícios de uma exploração pouco racional dos recursos naturais, ostentando padrões de consumo claramente insustentáveis, a grande maioria da população do planeta não viu os frutos dessa prosperidade.
Para piorar as coisas, a repercussão desse processo de degradação tem impacto profundo, e os mais pobres são, em geral, os mais vulneráveis. Chegou a hora de discutir um compartilhamento justo de custos e sacrifícios, e de propor medidas concretas para “arrumar a casa”, expressão que usamos no Brasil para situações que exigem uma reorganização séria de tarefas e de prioridades. Há algum tempo a conta está na mesa, cobrando juros altos das futuras gerações. E, infelizmente, as partes envolvidas não chegaram até agora a um acordo sobre a forma de pagá-la. É preciso resolver rapidamente esse problema. Só assim poderemos evitar que o desastre ambiental do século XX se repita e trabalhar para que a brecha de padrões de consumo entre ricos e pobres possa começar finalmente a ser revertida, com a ajuda da tecnologia. Para que isso seja possível, é fundamental trazer para a prática um conceito universalmente consagrado, que é o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Todos concordam com ele em tese, mas, na hora de discutir sua aplicação prática, sempre surgem as desculpas, as divergências e as táticas protelatórias.
Os países desenvolvidos não podem mais evitar assumir os custos e sacrifícios que lhes correspondem nessa tarefa. Os países em desenvolvimento também devem ser parte da solução, e o Brasil, como um deles, assumiu compromissos sérios e relevantes para apresentar na mesa de negociações da COP-15: uma proposta arrojada de redução de emissões de CO2 até 2020, entre 36,1% e 38,9%, bem como a redução em 80% do desmatamento da Amazônia no mesmo período. Só o impacto da diminuição do desmatamento em matéria de emissões é superior ao que muitos países desenvolvidos estão oferecendo até o momento em Copenhague, o que indica que continua a haver desequilíbrios que precisam ser resolvidos na negociação. A favor de nossas propostas, contamos com o resultado de esforços como o da redução do desmatamento na Amazônia, que só este ano foi de 45,7% em relação a 2008.
O Brasil tem ainda experiências reconhecidamente bem-sucedidas em matéria de energia renovável, responsável pela impressionante cifra de 47% de energia limpa em toda a matriz energética do País, enquanto na média global a participação de fontes renováveis na matriz gira em torno de 13%. A produção em larga escala de energia hidrelétrica e o desenvolvimento de tecnologias como a da produção e do uso do etanol a partir da cana-de-açúcar e a da produção de carros flex-fuel, que utilizam tanto a gasolina como o etanol, por exemplo, foram testadas com êxito e estão plenamente incorporadas à realidade brasileira. Elas vêm dando, há décadas, contribuição significativa na luta contra o aquecimento global. Somente o uso do etanol como combustível, no Brasil, a partir dos anos 70, evitou emissões da ordem de 800 milhões de toneladas de CO2.
Para chegarmos a resultados satisfatórios em Copenhague, todos precisamos contribuir, e temos que evitar tentações conhecidas, como a da polarização Norte-Sul, ou ainda a perder tempo na busca de culpados. A história das negociações multilaterais demonstra que elas são pouco úteis, para dizer o mínimo. Nossas energias devem concentrar-se em identificar parceiros realmente interessados em encontrar soluções comuns, sem preconceitos ou posições egoístas, ditadas por grupos de interesse poderosos em cada país.
Percebo, nas conversas que venho mantendo há meses e no acompanhamento da cobertura jornalística da primeira semana da COP-15, uma crescente aspiração global no sentido de que os líderes reunidos em Copenhague tenham a coragem de agir. Temos de estar à altura desse desafio. Como líder político e ex-líder sindical, sei que qualquer ação concreta é precedida de muita conversa, de muita negociação, e com esse espírito volto à Dinamarca. Falarei tanto quanto for necessário, com todos os que estejam comprometidos com soluções construtivas no combate à mudança do clima. O papel do G20 diante da crise financeira internacional representa, para mim, um exemplo estimulante de diálogo multilateral que produziu resultados e evitou o pior. Vamos precisar desse exemplo como inspiração, e também de recursos significativos como os que envolveram o resgate do sistema financeiro, para fazer o mesmo em relação ao aquecimento global.
O momento de agir é agora. Não podemos desperdiçar de novo a chance oferecida por Copenhague. O custo de qualquer novo atraso apenas aumentará ainda mais um legado que já é trágico, e que precisa ser enfrentado sem demora.
*Luiz Inácio Lula da Silva é Presidente do Brasil
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