Estudos estimam que os tubarões cumpram sua função de predador há cerca de 450 milhões de anos. Mas mesmo com toda esta experiência em adaptação, as próximas décadas na Terra não serão facéis para os reis dos mares. O risco de extinção é alto.
Uma nova evidência da ameaça que sofrem este animais está na decisão da reunião da Convenção para Conservação de Espécies Migratórias (CMS) das Nações Unidas, realizada em fevereiro. Ali ficou estabelecido a proibição de pesca, caça ou abate de sete espécies tubarões (I*).
A CMS é um fórum internacional que trata de espécies selvagens que desconhecem fronteiras e são alvo de navios pesqueiros de diversas bandeiras. Participam da convenção 113 países. O Brasil, contudo, apesar de seus 7.400 km de litoral está fora.
“Sem adesão ao CMS, o Brasil perde em cooperação técnica e oportunidades de melhoria das suas políticas e ações de conservação”, critica o ambientalista José Truda Palazzo, que há anos acompanha negociações para conservação de espécies marinhas. Truda atribui a entraves burocráticos e orçamentários a ausência do Brasil na CMS.
Mas os tubarões estão novamente na pauta. Desta vez na Reunião das Partes da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), que começa neste sábado, dia 13, em Doha, Qatar. Ali, 20% das 40 propostas mais restritivas (o chamado anexo II) referem-se à pesca de tubarões. As propostas que serão discutidas podem ser vistas aqui.
A secretária de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Maria Cecília Wey de Brito, diz que o Brasil estuda a adesão à convenção, uma vez que participou de forma indireta no Acordo Para Conservação de Albatrozes e Petréis, da CMS. Ela reconhece que a situação dos tubarões é grave e lembra que o assunto é acompanhado na CITES.
Extermínio
No Livro Vermelho da União Mundial para Conservação da Natureza (IUCN), 32% dos tubarões de mar aberto e raias sofrem ameaça de extinção. A gestação longa e maturação sexual tardia tornam os tubarões vulneráveis às ações da pesca. Em 15 anos, os tubarões foram quase exterminados no Mar do Mediterrâneo e no Golfo do México. Populações de tubarões diminuíram em 75% no Atlântico noroeste neste mesmo período.
No Brasil temos vinte espécies sob ameaça – doze ameaçadas e oito sobre-explotadas, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente. Pelos critérios da IUCN, o número subiria para 38 espécies com algum grau de ameaça.
O coordenador de Recursos Pesqueiros, Roberto Gallucci, informa que o Instituto Chico Mendes para Biodiversidade (ICMBio) está revisando os dados. “Esperamos com isso poder retratar melhor a situação real de ameaça em que essas espécies se encontram”, diz.
A necessidade de um fórum como a CMS é explicado pelo professor do Instituto da Pesca de São Paulo Antônio Olinto Ávila da Silva. Ele adverte para a vulnerabilidade das espécies migratórias diante da crescente frota pesqueira internacional. Ele explica que essas espécies migram através de zonas econômicas de diferentes nações e em águas internacionais – por isso as medidas de conservação devem ser tomadas em conjunto. “Cada espécie ocupa uma importante posição na condução de matéria e energia através da teia trófica. Uma variação acentuada na abundância de uma espécie afeta direta ou indiretamente diversas outras”, conta o professor Antônio Olinto.
No mundo marinho, tamanho importa. A responsabilidade dos tubarões no ecossistema é de peça-chave no equilíbrio. “Variações na abundância de espécies altamente migratórias têm impacto sobre uma vasta área e sobre um grande número de espécies”, aponta Olinto. Em outras palavras: sem os grandes peixes migratórios, os prejuízos se espalhariam pelos mares.
Sem os tubarões teremos oceanos doentes, prevê Marcelo Szpilman, diretor do Instituto Ecológico Aqualung e do Projeto Tubarões no Brasil (Protuba). Szpilman está na turma daqueles que reclamam atitudes mais firmes em defesa desses “seres maravilhosos”. Autor de livros sobre o tema, como Tubarões do Brasil, Szpilman afirma que as sete espécies na listagem de sob ameaça do CMS, todas são encontradas em nosso mar territorial.
Pesquisador reconhecido pelos seus estudos com os tubarões, o professor Fábio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), vê na ausência do Brasil na CMS uma perda, mas argumenta: “Brasil pode, sim, aderir a qualquer um dos acordos da CMS, inclusive sobre os tubarões, a exemplo do Acordo para Conservação de Albatrozes e Petréis (Acap), em relação ao qual o Brasil foi um dos seus principais arquitetos”.
Lobby pesqueiro
No Brasil, o disciplinamento da captura de espécies ameaçadas, por força da lei que criou o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), coloca o Ministério do Meio Ambiente sob a coordenação do MPA.
E é a indústria pesqueira, na opinião de ambientalistas como Truda Palazzo e Marcelo Szpilman, a atividade responsável pelos tubarões estarem sob o risco de ameaça que se encontram. Truda Palazzo é mais duro. “Os governos querem maximizar os ganhos imediatos das frotas pesqueiras e os armadores da pesca são mineradores sem interesse em sustentabilidade: apanham o máximo de atuns e fazem dinheiro. Se o atum acabar, pegam albacora”.
Ao criticar a indústria pesqueira, Truda Palazzo inclui o professor Fábio Hazin como pesquisador com trânsito entre autoridades do governo e no mesmo rol daqueles que acabam por favorecer a matança de espécies de forma indiscriminada. Para comprovar o que diz, cita a presidência de Fábio Hazin na Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT) que deixou de adotar medidas em defesa das vítimas colaterais da atividade atuneira, como albatrozes, tartarugas-marinhas e tubarões.
Fábio Hazin reconhece que a ICCAT poderia fazer mais do que faz na proteção de espécies capturadas colateralmente. Mas Hazin lembra que todas as medidas adotadas até hoje em relação a defesa das aves e tubarões contaram com uma forte liderança e pressão brasileiras. Hazin recorda que foi o Brasil quem propôs (e conseguiu aprovar) a proibição a captura do tubarão-raposa, apesar das dificuldades impostas pelo México. “Cabe lembrar”, acrescenta o diretor do departamento de Pesca e Aquicultura da UFRPE, “que a presidência brasileira não tem como impor suas posições na ICCAT, já que a mesma é um organismo multilateral”.
(I)* O tubarão branco Carcharodon carcharias (conhecido como “o majestoso” pelos mergulhadores), o tubarão-baleia Rhincodon typus, o tubarão-peregrino Cetorhinus maximus, o cação-de-espinho Squalus acanthias, o marracho Lamna nasus, o anequim Isurus oxyrinchus e o anequim-toninha Isurus paucus.
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