A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) não costuma ser a entidade que publica os relatórios mais confiáveis sobre o estado da natureza no mundo, e já foi alvo da crítica de diversos pesquisadores quando entra nessa seara por dar interpretações muito simplistas a indicadores numéricos nem sempre atualizados. Nesta semana a organização lançou novo estudo afirmando que o desmatamento no planeta diminuiu nos últimos 10 anos, principalmente para conversão de florestas tropicais para áreas agricultáveis.
Ao destacar essa tendência, passou a impressão de que a situação no mundo está melhor, quando, segundo especialistas, a grande parte das reduções de desmate ocorreu apenas no Brasil, tendo outros países pouca ou nenhuma contribuição significativa neste caso. Da mesma forma, quando considera que 46% das áreas protegidas com mata fechada foram criadas entre 2000 e 2005 no mundo, passa a idéia de que diversos países aumentaram seu empenho com a conservação. E agora essas florestas contribuem com pouco mais de 12% da área total de florestas remanescentes no planeta. Só que conforme mostrou estudo publicado na revista Biological Conservation, ano passado – que aliás já destacava o percentual total de florestas protegidas – 74% dessas áreas sob proteção estão no Brasil.
A falta de análise ainda mais específica pode levar a outras interpretações equivocadas, pois se sabe bem que das diversas unidades de conservação brasileiras que tornam os números mundiais mais robustos, muitas são Áreas de Proteção Ambiental (APAs), instrumento dos mais frágeis para garantir efetiva conservação entre as demais categorias de proteção. Assim, o relatório da FAO mostra, mais uma vez, que as estatísticas são uma ferramenta que pode confundir muitos fatos.
Ao analisar 233 países, FAO apurou que cerca de 13 milhões de hectares de florestas eram perdidos por ano no mundo entre 2000 e 2010, quando a soma das áreas convertidas na década anterior era de 16 milhões de hectares a cada 12 meses. E deu ênfase à recuperação da cobertura florestal através de plantações em países como China, Índia, Estados Unidos e Vietnã, que teriam contribuído com o acréscimo de 7 milhões de hectares de “novas” florestas por ano. Só que o que se perde ao converter uma floresta tropical densa não pode se comparar, em termos de estrutura e biodiversidade, aos ‘ganhos’ de monoculturas de árvores de rápido crescimento.
Entre os destaques do estudo, a FAO afirma que o Brasil passou a perder 2.6 milhões de hectares de florestas por ano desde 2000, em vez dos 2.9 milhões de hectares da década anterior. As taxas de desmatamento na Indonésia cresceram de meio milhão de hectares para 1.9 milhões de hectares por ano nesse período. Do total destamatado no mundo, 36% são consideradas florestas primárias. A organização faz uma média para explicar a influência de incêndios sobre as florestas, e chega à conclusão de que 1% de todas as matas foram significativamente afetadas pelos focos de calor.
O correspondente da BBC sobre meio ambiente, Richard Black, publicou a reação de uma das coordenadoras do estudo, Mette Loyche Wilkie, que considerou o desempenho do Brasil “espetacular”. “Isso acontece porque lá existe uma meta política de reduzir o desmatamento em 80% até 2020 e o presidente [Lula] apóia”, disse Loyche Wilkie. O relatório não se furta a dizer, no entanto, que o desmatamento continua altíssimo em alguns países, lembrando que Indonésia, Brasil e Austrália permanecem entre os maiores desmatadores.
A FAO considera que existam pouco mais de quatro bilhões de hectares de florestas no mundo, o equivalente a 31% da superfície terrestre. O relatório da FAO sobre recursos florestais globais é publicado a cada cinco anos. O estudo completo, montada por 900 especialistas de 178 países, está previsto para ser lançado em outubro.
Leia os principais pontos do relatório aqui (em inglês)
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